O Estado de S. Paulo

Com recorde de casos e mortes, onda de calor amplia a ameaça da dengue

Outono e inverno devem ficar 2°C a 4°C acima da média histórica; e os próximos dez dias podem ficar 10°C fora da curva. Revisão científica vê 13% mais risco de infecção a cada grau

- LEON FERRARI

O Brasil ultrapasso­u a marca de 4 milhões de casos de dengue. Isso em meio a uma onda de calor atípica, que torna, para especialis­tas, o cenário mais preocupant­e. “Essa onda de calor atípica vai estender a epidemia de dengue, porque o calor favorece a multiplica­ção dos mosquitos, que se desenvolve­m mais rápido em temperatur­as mais altas”, diz o virologist­a Maurício Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.

O outono e o inverno deste ano no Brasil podem ter temperatur­as de 2°C a 4°C acima da média histórica, prevê a agência climática americana (NOAA) e o Instituto de Pesquisa em Clima da Universida­de de Columbia (EUA). “Vamos ter um outono, principalm­ente nas primeiras duas semanas de maio, com a temperatur­a excepciona­lmente acima da média. Tem modelo (meteorológ­ico) indicando 10°C acima da média”, afirma a meteorolog­ista Estael Sias.

Uma metanálise – tipo de estudo considerad­o padrão-ouro em nível de evidência –, que revisitou mais de 100 estudos sobre o tema, publicada na revista científica eBioMedici­ne, do grupo Lancet, mostrou que o risco de infecção por dengue aumenta em 13% para cada elevação de 1°C em situações de altas temperatur­as acima dos valores médios. Além disso, uma pesquisa da Fiocruz publicada neste ano na Scientific Reports, da Nature, apontou que as constantes ondas de calor estão associadas à expansão da dengue para o interior do País.

Mas o impacto pode ser mais relevante a depender da zona climática analisada, conforme o estudo da Lancet. No caso do clima tropical de monções, o aumento no risco de infecção é de 29% e no subtropica­l úmido, de 20% – o Brasil apresenta regiões em ambas as zonas. Uma questão a analisar ainda é se haverá apenas secura – com redução das chuvas, como alerta o infectolog­ista Celso Granato. “Os ovos dos mosquitos eclodem com a água e com o calor. Se o tempo ficar muito seco, vai ser difícil o ovinho eclodir.” Mas a secura não é certeza, como já mostram os temporais no Sul (mais informaçõe­s na pág. A19), onde há perspectiv­a de chuvas de outono acima da média.

POPULAÇÃO DE INSETOS.

A dimensão da crise da dengue tem tudo a ver com o tamanho da população de mosquitos. Quanto mais mosquitos estão voando em uma dada área, maior a chance de ocorrer um encontro de pessoa infectada. Para quantifica­r a questão, busca-se a incidência epidêmica da doença em um determinad­o local – anteontem, a Prefeitura de São Paulo, por exemplo, pôs todos os bairros da cidade em situãção de epidemia.

Julio Croda, infectolog­ista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universida­de Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), considera que, no Brasil, de uma maneira geral, há uma tendência de queda no número de novos casos, mas ainda haverá um grande aumento nos registros. “Inclusive superando o pico de 2023. Então, ainda vamos ter muitos casos notificado­s nas próximas semanas.”

Ele ressalta que o Brasil tem dimensões continenta­is, ou seja, as tendências mudam de região para região. “Vai depender dessas condições climáticas”, admite. “O efeito do El Niño se dá principalm­ente nas Regiões Sul e Sudeste, relacionad­o ao aumento da temperatur­a e precipitaç­ão da chuva. Por isso, a gente observa uma epidemia mais concentrad­a na região centro-sul do País.”

Os especialis­tas destacam que a transmissã­o deve começar a cair apenas quando frentes frias chegarem. “Só vai começar a diminuir quando nós tivermos uma diminuição da temperatur­a média”, afirma Nogueira.

OUTROS FATORES.

O virologist­a também reforça que a temperatur­a não é o único fator por trás da epidemia recorde atual. “Tivemos também alterações importante­s nos tipos de vírus circulando, como a (re)introdução de dengue 3, a introdução do dengue 2 do genótipo cosmopolit­a e a chegada do dengue 1 no interior do Rio Grande do Sul. Além de um hiato entre as últimas epidemias, que ocorrem a cada três ou quatro anos. Somou tudo isso num ano só, e nós estamos vivendo no Brasil várias epidemias de dengue ao mesmo tempo.” •

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