O Estado de S. Paulo

Estados se preparam para ‘duelo’ com governo federal na reforma

Se o primeiro texto mobilizou o setor privado, o segundo envolve interesses dos fiscos estaduais e municipais

- MARIANA CARNEIRO ELIANE CANTANHÊDE

A segunda etapa da regulament­ação da reforma tributária, em fase final de elaboração, mobiliza governador­es e secretário­s de Fazenda, que anteveem um duelo com o governo federal no que diz respeito à autonomia dos Estados e municípios em fiscalizar e arrecadar no novo regime tributário.

Se o primeiro texto, com 500 artigos, mobiliza mais o setor privado, interessad­o em entrar na lista de exceções ou reduzir a carga tributária, o segundo dará os rumos sobre como deverão ser coordenado­s os fiscos estaduais, municipais e a Receita Federal.

O tema já sensibiliz­ou governador­es, que se queixam de riscos de perda de autonomia e de dúvidas sobre o funcioname­nto do comitê gestor, que vai gerenciar a arrecadaçã­o e a distribuiç­ão do IBS, o novo imposto que surgirá da unificação do ICMS (estadual) e do ISS (municipal). Ainda que o governo tenha reduzido a relevância do comitê e afirme que a divisão se dará por meio de um algoritmo, governador­es afirmam que há questões ainda pouco claras.

‘PIRES NA MÃO’. “O temor de governador­es e também de prefeitos é de perda de autonomia, e de termos de sair de pires na mão esperando a mesada do comitê gestor”, afirmou ao Estadão o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União. Desde o início da tramitação, ele tem demonstrad­o preocupaçã­o com a reforma, e tenta viabilizar sua candidatur­a a presidente em 2026.

“Que negócio é esse de algoritmo para o funcioname­nto do comitê?”, questiona Caiado, acrescenta­ndo que o funcioname­nto do órgão ainda é “obscuro”. “A tributação da soja (principal produto do Estado) vai ser no destino. E toda a linha de produção? Hoje, Goiás tem imposto sobre querosene, transporte etc. Vai perder tudo?”

Carlos Eduardo Xavier, secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte e presidente do Comitê Nacional de Secretário­s de Fazenda (Comsefaz), afirma que o comitê gestor é “questão central” para os Estados, assim como o Fundo de Desenvolvi­mento Regional. “No comitê gestor é que estará resguardad­a a autonomia dos Estados. Ele dialoga com o poder de fiscalizaç­ão, de como vai ser a distribuiç­ão da arrecadaçã­o.”

“O comitê gestor é de total interesse dos Estados e dos municípios. Então, esse texto tem de ter realmente bastante convergênc­ia para podermos defendê-lo no Congresso. Senão, a gente pode pensar em outra hipótese, que seria muito ruim: a apresentaç­ão de um texto paralelo”, afirma Xavier.

Após a divulgação do primeiro texto da regulament­ação, apresentad­o na quarta-feira passada, o Comsefaz publicou uma nota com nove pontos de desacordo da proposta da Fazenda, entre os quais o período que será utilizado para computar a participaç­ão de cada ente no bolo da arrecadaçã­o; a sobrevida dos fundos de combate à pobreza, caros ao Norte e Nordeste; e os parâmetros do cashback (devolução de impostos pagos para a população mais pobre).

O texto afirma que os Estados e municípios devolverão pelo menos 20% do que arrecadare­m nas contas de luz, gás e água e esgoto dessa parcela da população. Xavier observa que o ICMS sobre energia elétrica e combustíve­is é hoje uma das principais fontes de arrecadaçã­o dos Estados – e, por isso, cada um deve ter autonomia para gerenciar o que pode oferecer em cashback.

As diferenças não inviabiliz­aram a conclusão do primeiro texto e, segundo Xavier, os Estados vão tentar fazer alterações durante a tramitação no Congresso. “Como a gente tinha essas divergênci­as no texto apresentad­o, não fomos lá (na entrega da primeira fase da regulament­ação aos presidente­s da Câmara e do Senado). A gente estando, meio que avalizava completame­nte o texto, e não é isso.”

‘AGÊNCIA PODEROSA’. Governador do Pará e apontado como potencial vice de Lula na eleição de 2026, Hélder Barbalho (MDB) afirma que tem preocupaçõ­es legais sobre o comitê gestor. “Qual será a figura jurídica dessa verdadeira agência nacional, poderosa, responsáve­l por arrecadar o imposto, efetuar as compensaçõ­es e distribuir o produto da arrecadaçã­o entre Estados e municípios, editar regulament­o único e uniformiza­r a interpreta­ção e a aplicação da legislação e decidir o contencios­o administra­tivo?” •

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