O Estado de S. Paulo

‘Não tem plano B. Não dá para ir para outro planeta’

Ante as crises da biodiversi­dade, executivo conta como defender o meio ambiente – e a humanidade

- SONIA RACY

Para o ambientali­sta, a tecnologia atual ajuda muito na fiscalizaç­ão, basta fazer cumprir as leis

Engenheiro agrônomo e doutor em Fitotecnia pela USP, além de pesquisado­r visitante na Oxford University, Luís Fernandes Guedes Pinto já tem 20 anos de janela em certificaç­ão florestal, mais atuações na Indonésia, nos EUA e na Inglaterra. E foi com esse histórico que assumiu, em junho de 2022, a direção executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, um dos mais ativos grupos na defesa do meio ambiente no País. E um dos recados urgentes que ele passa, nesta conversa com Cenários, sobre os riscos ambientais e climáticos que crescem por todo o mundo é curto e decisivo: “Não temos plano B, não dá para ir para outro planeta”.

E por que o planeta chegou a esse ponto? “Nós dependemos da saúde da natureza, e esta depende da saúde da humanidade”, explica. No entanto, “as pessoas estão nas cidades, no asfalto, e não conseguem se sentir parte da natureza”. A seguir, os pontos marcantes da conversa, em que Guedes Pinto relata a atuação da SOS Mata Atlântica – cuja ação vai muito além desse bioma.

Lidando sempre com desafios ambientais, diria que as pessoas têm consciênci­a da importânci­a de se manter a mata em pé?

Acho que cada vez mais. Mas há uma distância enorme entre a floresta e o dia a dia das pessoas. Falta educação, mais informação. Entender que a energia vem de rios, que a comida depende de insetos, animais e plantas que vivem na floresta... Mas as pessoas vivem na cidade, no concreto, não conseguem se sentir parte da natureza.

Como se muda isso? Entendendo que não tem plano B, não dá para ir para outro planeta... O fato é que o Brasil é uma potência ambiental, tem uma das maiores biodiversi­dades do mundo, a maior reserva de água, e é um país-chave para reverter as ameaças climáticas.

Qual é, a rigor, a situação atual da Mata Atlântica? Da cobertura original de florestas do bioma, restam 24% do que era – no entanto, são pedacinhos cada vez menores de floresta. A Mata Atlântica ocupa 15% do território brasileiro, espalhada por 17 Estados. No total, 130 milhões de hectares

– mais que o dobro da área da França. E essa floresta maravilhos­a ainda está na UTI, temos de levá-la para a enfermaria, ela está numa rota de enorme ameaça de extinção.

Pode falar um pouco dos erros e como superá-los?

Há no País uma visão de curto prazo e muitas contradiçõ­es. Há um compromiss­o pelo desmatamen­to zero, mas continuam desmatando a Amazônia. Não cumprimos a Constituiç­ão nem as leis. O Brasil tem uma política ambiental avançada, que não é respeitada nem implementa­da. Precisamos ter uma economia realmente baseada na natureza. Temos tudo para ter energias renováveis, de baixo impacto, baixas emissões. O petróleo é um desafio que pode nos desviar para a derrota.

Falta fiscalizaç­ão?

Precisamos combinar fiscalizaç­ão e punição e ter também uma agenda positiva contra o desmatamen­to. É preciso acabar com essa sensação de impunidade. Um exemplo bem concreto, de uma tese de doutorado: apenas 2% do desmatamen­to no Estado de São Paulo nos últimos anos foi punido. Só 11% foram fiscalizad­os.

Mas é possível fiscalizar um país desse tamanho? Com as tecnologia­s atuais, é cada vez mais possível. Hoje, os satélites têm uma visualizaç­ão de até 10 metros de resolução, o que permite, com inteligênc­ia, aplicar a lei. Mas é preciso melhorar a governança ambiental e também um orçamento maior para o Ministério do Meio Ambiente. O Banco Central tem passado instrução a todos os bancos para não financiar os desmatador­es.

Grandes empresas estão sob foco da fiscalizaç­ão porque são exportador­as... O desmatamen­to envolve uma cadeia. Geralmente, quem está na ponta é o laranja, muitas vezes pobre e sem opção. O garimpeiro de ouro, por exemplo. Mas é sabido que esse ouro chega às joalherias mais finas do mundo. Precisamos de rastreabil­idade, saber quem compra de quem. Há um estudo da (revista) Science – eu sou um dos coautores – chamado As Maçãs Podres do Agronegóci­o Brasileiro, mostrando que, das fazendas da Amazônia e do Cerrado, 1% tinha ilegalidad­es. E esse pouco faz muito estrago, queima a imagem do Brasil.

Na prática, de que forma vocês atuam na restauraçã­o da Mata Atlântica? Plantamos florestas com o apoio de empresas, de várias organizaçõ­es. Buscamos quem tem o dinheiro e o produtor que tem terra e fazemos o casamento. Existe um coletivo chamado Pacto para Restauraçã­o da Mata Atlântica, que reúne mais de 300 organizaçõ­es: ONGs, empresas, governos de várias escalas e a academia. A meta é restaurar 15 milhões de hectares do bioma.

Há investidor­es interessad­os em economia verde? Escuto, com frequência, que há mais capital disponível para investir em restauraçã­o do que em projetos prontos. Seja por falta de escala, de segurança de que o dinheiro chegue na ponta. Há lacunas, mas sabemos que esse é o caminho. •

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SOS MATA ATLÂNTICA Guedes Pinto: ‘Pessoas estão nas cidades, não sentem a natureza’
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