‘Quem não conseguiu fazer mudança estrutural não está sobrevivendo’
Para especialista, modelo de negócio defasado e juros altos afetaram redes de varejo do País Mestre em Economia de Empresas pela USP, é presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC)
“O varejo é um setor de muitas oscilações e ciclos. Com a pandemia, houve uma aceleração dessas oscilações. Junto a isso, vem uma onda de mudanças estruturais, com os marketplaces e plataformas digitais”
Aonda de recuperações judiciais e extrajudiciais que atingiu o varejo nos últimos meses, e que voltou à cena nesta semana com o pedido da Casas Bahia, é resultado da combinação de fatores macroeconômicos, como as altas taxas de juros, e microeconômicos, como a transformação do modelo de negócio do varejo. A opinião é do presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC),
Eduardo Terra, que é membro do conselho de administração de várias empresas do setor.
No caso da Casas Bahia, tanto os juros quanto a transformação do modelo de negócio pesaram para as dificuldades enfrentadas pela companhia, que acumula dívidas de R$ 4,1 bilhões. “Dez, quinze anos atrás, o varejo brasileiro não era feito de Mercado Livre e de Atacadão”, diz. “Hoje, é dos marketplaces, de varejo físico ‘omnichannel’, crossborder (comércio online de sites estrangeiros) e muito atacarejo”, diz Terra. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual é a razão de tantas recuperações judiciais e extrajudiciais no varejo?
O varejo é um setor de muitas oscilações e ciclos. Nos últimos cinco anos, com a pandemia no meio, houve uma aceleração dessas oscilações. Setores de bens duráveis e semiduráveis, por exemplo, onde está o eletro, cama, mesa e banho, móveis, material de construção, tiveram altos e baixos. Para dar alguns exemplos: Tok&Stok, Casas Bahia, Americanas, Marisa, Polishop. São todas empresas desse conjunto de setores que passaram por altos e baixos muito grandes. Houve uma euforia, no primeiro momento, ali na pandemia, que gerou expansão, vendas e aceleração. Depois, veio uma depressão muito grande, que acabou durando bastante tempo. Vamos lembrar: na pandemia chegamos a ter uma taxa de juros (Selic) de 2% ao ano. Para setores onde os juros são determinantes, tanto para financiar o negócio quanto para financiar o cliente, isso gerou uma expansão. De repente, uma taxa de juros de 2% virou 13%, 14% ao ano e durou muito tempo. Isso virou uma ressaca, e essa ressaca gerou frutos. Essa é a explicação macroeconômica.
E qual é a explicação micro para tantas recuperações? A explicação micro é que, junto a isso, vem essa onda de mudança estrutural do varejo. Isso é o efeito, marketplaces, ecossistemas, plataformas. De um lado, você tem crescimento do Mercado Livre, Amazon, com propostas muito completas e no formato de ecossistema, que têm, pelos números, crescimento muito grande. De outro, você tem os cross-borders e os ecossistemas internacionais, como Shopee, Aliexpress e Shein, para dar três exemplos. Eles tomaram muito o mercado dessas empresas. Como exemplo, você tem o efeito Shopee na Marisa, o efeito Aliexpress na Polishop. Eles são muito fortes. Essas empresas (Marisa e Polishop) perderam muita competitividade por conta dessa concorrência. Esse é um efeito mais estrutural, porque a competitividade hoje é diferente da de cinco anos atrás.
É o efeito do comércio online?
É principalmente online e em forma de ecossistemas, sejam eles locais, como Mercado Livre, sejam globais, liderados por Amazon, Shopee, Shein e o próprio Alibaba.
E o fato de muitas empresas de varejo serem administradas como empresas financeiras, isso pesou também? Não. Se a gente for pegar o caso de Casas Bahia, no passado – e os números mostram isso – foi muito importante e relevante o modelo de carnê. No passado, o resultado operacional era muito baixo, mas havia uma composição de resultado financeiro muito importante. Esse modelo de ganhos financeiros mudou muito, a gente foi do carnê para a ‘fintechnização’, que é o nome chique. Basicamente, é a forma mais digital de gerar crédito. Tem os bancos digitais, as carteiras digitais. O que a gente acabou vendo é que o varejo como um todo não conseguiu fazer tão bem essa fintechnização, que é basicamente o que se fazia via carnê. E hoje se faz de outras formas, como, por exemplo, o Nubank faz, como o próprio Mercado Livre faz com o Mercado Pago. Algumas empresas não conseguiram fazer essa mudança de modelo. E essa linha de resultado, que 15, 20 anos atrás era determinante, hoje não consegue cumprir esse papel.
O que pesou mais: a macroeconomia ou a mudança estrutural do negócio? Os fatores têm pesos diferentes para cada caso. No caso da Casas Bahia, eu atribuiria meio a meio. A Casas Bahia estava tentando fazer um trabalho de estruturação bem-feito, mas o macro teve um peso muito grande. Essa taxa de juros machucou muito e a venda dela depende muito do crédito, da confiança. Pelo longo período que a gente vem com a economia nessa avenida mais travada, isso acabou dificultando. Para outros, como a Polishop, talvez seja mais (o fator) micro do que macro. A própria Marisa é mais micro do que macro. Então, para cada um dos casos de recuperação extrajudicial ou judicial a ponderação é diferente. No caso da Americanas, por exemplo, foi mais micro do que macro, foi gestão.
Onde as varejistas erraram? Não foram todas que erraram. Há empresas indo muito bem. Há empresas do varejo que hoje estão voando, estão crescendo. Mas tem empresas que estão morrendo. O varejo nunca foi tão heterogêneo. No caso das que erraram, foi porque não souberam fazer a leitura da transformação e das mudanças estruturais a tempo. Primeiro, é preciso entender e ler; depois, fazer os ajustes e as mudanças. Há ajustes como mudar o modelo de negócio, mais omnichannel, mais digital. Tem casos de empresas que tinham resultados financeiros importantes. Daí, era preciso fazer a mudança para fintechs e menos via carnê. Fazer a mesma coisa que dava resultado lá atrás não quer dizer que vá dar resultado lá na frente. Acho que elas não se transformaram. Hoje, o que é o varejo? Hoje, você tem grandes empresas como Mercado Livre e Atacadão, para dar dois exemplos de quem lidera duas pontas diferentes de negócios. Há 10, 15 anos, o varejo não era feito de Mercado Livre e de Atacadão. Quem não se adaptou, indo para o atacarejo, online ou marketplaces, não está sobrevivendo. E para piorar, nos últimos anos o ambiente macro foi agressivo. •