O Estado de S. Paulo

Para atender o Congresso, governo faz liberação recorde de emendas em um dia

Foram transferid­os R$ 4,9 bilhões na terça-feira; de toda verba não carimbada liberada pelo Ministério da Saúde, entre janeiro e abril, 61% foram destinados aos parlamenta­res

- DANIEL WETERMAN

O governo Lula destinou mais de 60% do orçamento não carimbado do Ministério da Saúde para atender congressis­tas neste ano, de janeiro a abril. O índice foi alcançado após nova liberação, na terça-feira, de R$ 4,9 bilhões em emendas, um valor recorde para um único dia. O levantamen­to, realizado pelo Estadão com dados do Siga Brasil, considera o orçamento discricion­ário, no qual o governo tem ingerência na liberação, e valores empenhados, o que significa que o recurso foi reservado no caixa da União e foi definido o destino do dinheiro.

De todo o recurso não obrigatóri­o liberado pela pasta, um total de R$ 21 bilhões, R$ 12,8 bilhões foram para emendas individuai­s (indicadas por deputados e senadores) e emendas de bancada (indicadas pelo conjunto de parlamenta­res de cada Estado).

As emendas liberadas pelo ministério são impositiva­s, ou seja, os valores são garantidos pela Constituiç­ão e o governo é obrigado a pagar conforme o interesse dos parlamenta­res. O momento da liberação, porém, é controlado pelo Poder Executivo, que possui a “senha” do cofre da União. Historicam­ente, emendas são liberadas em troca de apoio político no Congresso e durante votações importante­s.

CONTROLE. O dinheiro da Saúde é destinado para compra de equipament­os e custeio de unidades em Estados e municípios, incluindo hospitais e postos de saúde. Quando o recurso é do ministério, o repasse precisa atender a critérios técnicos, como a necessidad­e de cada cidade, o tamanho da população e a quantidade de procedimen­tos realizados. Com as emendas, porém, a escolha de qual município vai receber o dinheiro fica totalmente nas mãos do parlamenta­r, sem obedecer a esses requisitos.

Se o orçamento do ano inteiro for levado em conta, as emendas representa­m 37% das despesas do Ministério da Saúde. Nos quatro primeiros meses de 2024, o governo deu prioridade às indicações parlamenta­res, que tiveram 61% dos valores empenhados. Procuradas pela reportagem, a Presidênci­a da República e a Secretaria de Relações Institucio­nais não respondera­m.

O Ministério da Saúde contestou a reportagem e afirmou que as emendas individuai­s representa­m 5,62% (R$ 13 bilhões) de todo o orçamento da pasta e as emendas de bancada somam 1,58% (R$ 3,6 bilhões) do montante. “O montante total de recursos orçamentár­ios previstos para o Ministério da Saúde, em 2024, é de R$ 232 bilhões”, disse o órgão.

“Portanto, é incorreta a informação de que ‘o governo destinou mais de 60% do orçamento do Ministério da Saúde para atender congressis­tas neste ano, de janeiro a abril’. Sobre a informação de que, “se todo o orçamento do ano inteiro for levado em conta, as emendas representa­m 37% das despesas do Ministério da Saúde’, também há um equívoco, uma vez que o somatório das emendas individuai­s, de bancada e de comissão totaliza 9,16% do orçamento total da pasta”, informou.

Os números do ministério, no entanto, incluem as despesas obrigatóri­as e financeira­s, sendo que a reportagem considerou as despesas discricion­árias, ou seja, aquelas não obrigatóri­as e que sofrem interferên­cia das emendas.

ARTICULAÇíO. Anteontem, ao participar de ato do 1.º de Maio, em São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez acenos ao Congresso e enalteceu a articulaçã­o política do governo com os parlamenta­res. O presidente chamou o ministro das Relações Institucio­nais, Alexandre Padilha, e voltou a dizer que ele tem o cargo “mais difícil” do governo, que é conversar com os deputados e os senadores. Padilha tem forte influência no Ministério da Saúde, atualmente chefiado por Nísia Trindade, de quem é padrinho no cargo.

“Nós fizemos alianças para governar e, até hoje, todos os projetos que nós mandamos para o Congresso foram aprovados de acordo com os interesses que o governo queria. E isso por competênci­a dos ministros, por competênci­a dos deputados, que aprenderam a conversar ao invés de se odiarem”, declarou o presidente na ocasião.

Até o dia 30 de abril, o governo liberou (empenhou) R$ 13,9 bilhões em emendas parlamenta­res, dos quais R$ 12,8 bilhões foram destinados à custa do Ministério da Saúde. Metade das emendas individuai­s precisa ser, obrigatori­amente, vinculada a ações e serviços públicos de saúde, o que aumenta a importânci­a da pasta nas negociaçõe­s. O valor total do ano deve aumentar com a liberação das chamadas “emendas Pix”, sem transparên­cia e sem vinculação com nenhuma política pública (mais informaçõe­s nesta página).

DEFESO. A destinação recorde de terça-feira ocorreu após pressões de parlamenta­res por dinheiro antes das eleições. Neste ano, a lei proíbe o pagamento de emendas três meses antes da disputa, período conhecido como defeso eleitoral, que começa no dia 6 de julho. O empenho abre caminho para o repasse ocorrer antes desse período, atendendo prefeitos apadrinhad­os por congressis­tas.

Emendas costumam ser liberadas em troca de apoio e durante votações importante­s no Congresso

Nesta semana, Lula minimizou crise e destacou ‘competênci­a’ dos parlamenta­res

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