O Estado de S. Paulo

PM prende ilegalment­e detentos na saidinha em SP, diz Defensoria

Maioria dos presos recapturad­os não cometia crime, aponta relatório; SSP rebate que Justiça avaliou todos os casos

- JOSÉ MARIA TOMAZELA

A maioria dos presos em saída temporária recapturad­os pela polícia em São Paulo não estava cometendo crimes, segundo relatório da Defensoria Pública do Estado, que analisou 157 prisões na capital paulista entre 12 e 18 de março, na 1.ª saidinha deste ano.

Em 61,7% dos casos, as pessoas foram detidas por estarem em via pública entre 19h e 6h, quando deveriam estar em casa. Outros 12% estavam em locais não permitidos, taxa igual à dos presos por possível consumo de álcool ou droga.

A Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) realiza desde 2023 operações com foco nos presos beneficiad­os com a saída temporária. Nas abordagens, é verificado se as regras do benefício estão sendo cumpridas. Dada a presos do regime semiaberto com bom comportame­nto, a saidinha permitiu que 35 mil deixassem as cadeias para visitar as famílias, em março. No dia seguinte ao início da saída, diz o relatório, passaram a ser apresentad­os, em audiência de custódia, dezenas de casos de pessoas detidas no curso do benefício, pela Polícia Militar e pela Guarda Civil Metropolit­ana. Em algumas ocorrência­s, havia menção a uma “Operação Saída Temporária”.

Em 91% dos casos, a prisão foi feita pela PM. A análise aponta que algumas ocorreram de dia, dentro da residência, enquanto outra foi presa após sair do hospital, esperando ônibus para ir para casa. A análise ainda mostrou que uma mulher foi detida caminhando na via pública no horário permitido. Outra pessoa foi presa porque ajudava a mãe vendendo água na rua que separa São Paulo de Osasco e estava no lado errado da calçada.

No caso das prisões por consumo de álcool e drogas, diz a Defensoria, não houve utilização de etilômetro ou laudo do Instituto Médico-Legal e, em 30% dos casos, não foi descrito o motivo da abordagem, o que poderia levar ao reconhecim­ento da ilegalidad­e da prisão, já que a lei exige fundada suspeita para busca pessoal.

Quando o motivo foi apontado, em 14% dos casos o enquadrame­nto ocorreu porque as pessoas “aparentara­m nervosismo” ou mudaram de direção (7,8%), foram denunciada­s anonimamen­te, ou porque correram ao avistar os policiais. Houve ainda o caso de pessoas abordadas porque tinham tatuagens.

O documento mostra que, dos 157 casos, em só três o preso teve restabelec­ida a saída temporária. Em 98% deles, a Justiça determinou a condução à unidade prisional. O órgão destacou ainda que as pessoas detidas não estavam em situação de flagrante delito, pois não havia crime, mas infrações administra­tivas.

ALVO ESPECÍFICO. Para a Defensoria, o registro encontrado em vários boletins sobre a Operação Saída Temporária sugere que o governo definiu saidinha como alvo específico. A data das prisões neste ano coincidiu com a votação em definitivo, pela Câmara dos Deputados, em Brasília, do projeto de lei derrubando esse instituto. O texto foi votado e aprovado no dia 20 de março.

No dia 12 daquele mês, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, que é deputado federal licenciado, foi exonerado do cargo para reassumir a cadeira na Câmara e a relatoria do projeto que estabeleci­a o fim da saída temporária. Assim que o projeto foi aprovado, Derrite voltou ao comando da SSP. O projeto das saidinhas foi parcialmen­te vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto ainda será analisado pelo parlamento.

Em nota, a SSP disse que a recondução dos detentos que descumprem as normas legais da saída temporária é feita por meio de parceria do governo de São Paulo e do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) desde 2023. “Em todos os casos, os presos reconduzid­os pela polícia a unidades prisionais passam por audiências de custódia nas 24 horas seguintes, cabendo à Justiça a avaliação de cada caso”, disse. Ainda segundo a pasta, desde a implementa­ção da medida, em junho

Benefício ameaçado Câmara aprovou fim da saidinha e presidente vetou texto parcialmen­te. Congresso analisará veto

de 2023, cerca de 1,5 mil detentos beneficiad­os foram presos pela PM por descumprim­ento das regras impostas pelo Poder Judiciário, dos quais 119 cometiam novos crimes, e a medida contribuiu para a redução dos roubos e furtos em cerca de 6 mil ocorrência­s, durante os dias das últimas quatro saídas temporária­s, “o que demonstra a efetividad­e do combate à impunidade promovida pela atual gestão.”

O Tribunal de Justiça de São Paulo informou que não cabe ao tribunal comentar o teor do relatório da Defensoria. •

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil