PM prende ilegalmente detentos na saidinha em SP, diz Defensoria
Maioria dos presos recapturados não cometia crime, aponta relatório; SSP rebate que Justiça avaliou todos os casos
A maioria dos presos em saída temporária recapturados pela polícia em São Paulo não estava cometendo crimes, segundo relatório da Defensoria Pública do Estado, que analisou 157 prisões na capital paulista entre 12 e 18 de março, na 1.ª saidinha deste ano.
Em 61,7% dos casos, as pessoas foram detidas por estarem em via pública entre 19h e 6h, quando deveriam estar em casa. Outros 12% estavam em locais não permitidos, taxa igual à dos presos por possível consumo de álcool ou droga.
A Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) realiza desde 2023 operações com foco nos presos beneficiados com a saída temporária. Nas abordagens, é verificado se as regras do benefício estão sendo cumpridas. Dada a presos do regime semiaberto com bom comportamento, a saidinha permitiu que 35 mil deixassem as cadeias para visitar as famílias, em março. No dia seguinte ao início da saída, diz o relatório, passaram a ser apresentados, em audiência de custódia, dezenas de casos de pessoas detidas no curso do benefício, pela Polícia Militar e pela Guarda Civil Metropolitana. Em algumas ocorrências, havia menção a uma “Operação Saída Temporária”.
Em 91% dos casos, a prisão foi feita pela PM. A análise aponta que algumas ocorreram de dia, dentro da residência, enquanto outra foi presa após sair do hospital, esperando ônibus para ir para casa. A análise ainda mostrou que uma mulher foi detida caminhando na via pública no horário permitido. Outra pessoa foi presa porque ajudava a mãe vendendo água na rua que separa São Paulo de Osasco e estava no lado errado da calçada.
No caso das prisões por consumo de álcool e drogas, diz a Defensoria, não houve utilização de etilômetro ou laudo do Instituto Médico-Legal e, em 30% dos casos, não foi descrito o motivo da abordagem, o que poderia levar ao reconhecimento da ilegalidade da prisão, já que a lei exige fundada suspeita para busca pessoal.
Quando o motivo foi apontado, em 14% dos casos o enquadramento ocorreu porque as pessoas “aparentaram nervosismo” ou mudaram de direção (7,8%), foram denunciadas anonimamente, ou porque correram ao avistar os policiais. Houve ainda o caso de pessoas abordadas porque tinham tatuagens.
O documento mostra que, dos 157 casos, em só três o preso teve restabelecida a saída temporária. Em 98% deles, a Justiça determinou a condução à unidade prisional. O órgão destacou ainda que as pessoas detidas não estavam em situação de flagrante delito, pois não havia crime, mas infrações administrativas.
ALVO ESPECÍFICO. Para a Defensoria, o registro encontrado em vários boletins sobre a Operação Saída Temporária sugere que o governo definiu saidinha como alvo específico. A data das prisões neste ano coincidiu com a votação em definitivo, pela Câmara dos Deputados, em Brasília, do projeto de lei derrubando esse instituto. O texto foi votado e aprovado no dia 20 de março.
No dia 12 daquele mês, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, que é deputado federal licenciado, foi exonerado do cargo para reassumir a cadeira na Câmara e a relatoria do projeto que estabelecia o fim da saída temporária. Assim que o projeto foi aprovado, Derrite voltou ao comando da SSP. O projeto das saidinhas foi parcialmente vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto ainda será analisado pelo parlamento.
Em nota, a SSP disse que a recondução dos detentos que descumprem as normas legais da saída temporária é feita por meio de parceria do governo de São Paulo e do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) desde 2023. “Em todos os casos, os presos reconduzidos pela polícia a unidades prisionais passam por audiências de custódia nas 24 horas seguintes, cabendo à Justiça a avaliação de cada caso”, disse. Ainda segundo a pasta, desde a implementação da medida, em junho
Benefício ameaçado Câmara aprovou fim da saidinha e presidente vetou texto parcialmente. Congresso analisará veto
de 2023, cerca de 1,5 mil detentos beneficiados foram presos pela PM por descumprimento das regras impostas pelo Poder Judiciário, dos quais 119 cometiam novos crimes, e a medida contribuiu para a redução dos roubos e furtos em cerca de 6 mil ocorrências, durante os dias das últimas quatro saídas temporárias, “o que demonstra a efetividade do combate à impunidade promovida pela atual gestão.”
O Tribunal de Justiça de São Paulo informou que não cabe ao tribunal comentar o teor do relatório da Defensoria. •