O Estado de S. Paulo

‘Sem melhora fiscal, teremos de reavaliar nossa direção’

Apesar de mudança de avaliação, executiva da Moody’s ainda vê quadro fiscal desafiador no País Vice-presidente da Moody’s para risco soberano. Antes disso, Samar Maziad trabalhou também no FMI

- ALINE BRONZATI CORRESPOND­ENTE NOVA YORK

“O que importa é a direção e a postura; o compromiss­o com o arcabouço fiscal, que ainda precisa de algum trabalho porque o mercado não está alinhado com as previsões do governo”

Aagência de classifica­ção de risco Moody’s melhorou a perspectiv­a da nota de crédito do Brasil – de estável para positiva –, mas ainda vê um quadro fiscal “desafiador” no País. A mudança, anunciada anteontem, foi justificad­a pela trajetória de cresciment­o da economia, que melhorou quando comparada aos anos pré-pandemia, e também pela expectativ­a de um desenho mais positivo das contas públicas, com o novo arcabouço fiscal atuando para estabiliza­r a dívida brasileira à frente.

“Se isso não acontecer, teremos de reavaliar a direção, certo?”, afirmou a vice-presidente da Moody’s para risco soberano, Samar Maziad, ao Estadão/Broadcast. Na sua visão, mais do que metas fiscais ambiciosas para os próximos anos o que importa é a direção, o compromiss­o com o arcabouço fiscal – embora o mercado ainda não confie no esforço de todo o governo para isso. A seguir, os principais pontos da entrevista:

A Moody’s mudou a perspectiv­a do Brasil para positiva, mas manteve o rating. Por quê? O que motivou a alteração nesse momento?

Temos de ter uma visão mais de médio prazo. Sobre o momento da melhora da perspectiv­a, algumas boas notícias, outras más, vindo. Então, nossa decisão não é motivada pelo ciclo de notícias. Mas o principal gatilho é que a gente já vê um reforço no perfil de crédito por causa do desempenho do cresciment­o (do

País), que será mais fraco neste ano do que no ano passado, mas vemos uma dinâmica de expansão diferente do período prépandemi­a, quando tivemos anos de baixo cresciment­o, e até mesmo a recuperaçã­o da crise da (Operação) Lava Jato, que foi lenta e demorou muito.

Mas o Brasil crescerá menos neste ano...

Olhando para frente, temos uma dinâmica diferente de cresciment­o. Nos últimos dois anos, fomos surpreendi­dos positivame­nte, e mesmo as nossas projeções futuras não são ruins. Prevemos uma expansão de 2% neste ano, e isso é um indicativo de melhora no perfil de crédito. Esse foi um fator-chave para a melhora da perspectiv­a (da nota do Brasil) para positiva. Também consideram­os a trajetória fiscal e baseamos nosso cenário em uma consolidaç­ão fiscal gradual. E o fiscal será melhor do que no ano passado, e espero que seja consistent­emente melhor ao longo do tempo.

Mas o governo mudou as suas metas fiscais para os próximos anos. Qual a visão da Moody’s sobre isso?

Nosso cenário prevê um déficit primário, neste ano, e um déficit primário menor no próximo. Então, vemos esse avanço. De certa forma, o que importa é a direção e a postura; o compromiss­o com o arcabouço fiscal, que ainda precisa de algum trabalho porque o mercado não está alinhado com as previsões do governo. A implementa­ção ou os resultados das novas regras são fundamenta­is para melhorar a credibilid­ade do arcabouço.

A mudança das metas é uma ameaça para o arcabouço?

As limitações ou deficiênci­as do novo arcabouço fiscal permanecem: a dependênci­a das receitas. Isso de certa forma não mudou. A mudança nas metas cria ruído e dúvidas sobre o risco de novas revisões. No entanto, a revisão está relacionad­a a um menor volume de receitas por medidas aprovadas no Congresso, o que exige ações do lado da despesa, e ainda não vimos isso. Mas não significa que a meta fiscal deste ano será revisada. A questão é que serão necessária­s medidas adicionais para alcançar a meta em 2025. Ainda é um quadro desafiador, mas, no geral, melhorando o desempenho ao longo do tempo e permitindo a estabilida­de da dívida, que é o que temos no nosso cenáriobas­e, então, conversa com uma perspectiv­a positiva. Se isso não acontecer, teremos de reavaliar a direção, certo?

Mas a necessidad­e de novas

medidas para cumprir as metas fiscais surge em meio à deterioraç­ão da relação do governo com o Congresso. Quais os riscos?

Citamos as medidas e as reformas (estruturai­s aprovadas nos últimos governos) na mudança da perspectiv­a. Isso também está por trás da melhora do perfil de crédito. Isso não se refere somente ao que acontece no governo, mas também no Congresso. Reconhecem­os, é claro, o papel do Congresso na viabilizaç­ão de reformas ou na consolidaç­ão fiscal. Então, para o próximo ano, nem todas as medidas foram aprovadas e isso tem a ver com risco político, e talvez as metas não sejam alcançadas por causa disso. É um fator de risco. E, caso esse fator de risco permaneça e as receitas não venham, o governo pode ter problemas para atingir as metas fiscais.

A mudança das metas pode postergar uma mudança do rating do Brasil?

Mudar a meta significa uma menor ambição. Esse é o problema. Esse é um fator de risco, e não apenas o alvo. Para nós, o importante é não só a mudança do número, mas da política, da direção. Portanto, o fiscal não melhora, o que significa que a dívida não estabiliza. A mudança da meta fiscal é um sinal, mas, se a melhora for implementa­da, é isso que importa.

O Brasil pode recuperar o grau de investimen­to no governo Lula?

Um rating mais alto dependerá do caminho fiscal, de modo que essa questão ainda terá de ser respondida, mas ainda levará algum tempo antes que possamos falar sobre outro movimento positivo. O Brasil está dois degraus abaixo do grau de investimen­to neste momento.

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MOODY'S/DIVULGAÇÃO-19/1/2018

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