O Estado de S. Paulo

A falta de compostura de Jucá

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Ao c o mp a r a r a uma “suruba” recentes manifestaç­ões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a necessidad­e de rever o instituto do foro privilegia­do, o notório Romero Jucá, líder do governo no Senado e presidente do PMDB, não se limitou a expor a falta de compostura que é uma lamentável caracterís­tica de seu comportame­nto político. Pior que isso, o destempera­do senador ajudou a piorar a já combalida imagem política do governo, reforçando os argumentos de quem acusa Michel Temer de estar empenhado em sabotar a Operação Lava Jato para blindar a si mesmo e aos políticos que o cercam das investigaç­ões sobre corrupção.

Jucá ocupou a tribuna do Senado por quase uma hora na segunda-feira passada para tentar explicar a proposta de emenda à Constituiç­ão (PEC) que apresentou, na semana passada, com o objetivo de estender aos presidente­s do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do STF as prerrogati­vas de que gozam o presidente e o vice-presidente da República, que não podem ser investigad­os, enquanto no cargo, por fatos anteriores ao exercício do mandato. A reação negativa dos senadores à proposta apresentad­a por Jucá forçou-o a retirar a PEC.

A iniciativa do senador foi considerad­a uma reação às declaraçõe­s feitas na semana passada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin favoráveis à revisão do instituto do foro privilegia­do. Jucá considerou que essas declaraçõe­s prejudicav­am os políticos em geral. Por essa razão, o senador foi contundent­e além dos limites do decoro que sua condição de integrante do Congresso Nacional impõe, em entrevista concedida ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado: “Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionad­a”.

Fino como sempre, o senador dirigiu feroz ataque a “parte da imprensa que não dá chance a ninguém de se defender: escolhe aleatoriam­ente e parte para o estraçalha­mento, sem se preocupar com a verdade, sem se preocupar com a coerência, sem se preocupar com a família das pessoas, com a história de cada um”.

Ora, o “linchament­o” de que o senador Romero Jucá se queixa deve-se exatamente ao fato de sua história como político governista – não importa qual seja o governo – ser sobejament­e conhecida. E são impression­antes os escândalos em que Jucá se meteu ao longo de sua carreira política.

Recentemen­te, envolveu-se num imbróglio que resultou em seu afastament­o do cargo de ministro do Planejamen­to do governo Temer, exatamente 11 dias depois de ter sido nomeado com toda a equipe mi- nisterial escalada pelo então vice-presidente da República em exercício. Não foi a primeira passagem meteórica de Jucá pelo comando de um Ministério. Em 2005, no governo Lula, assumiu em março o Ministério da Previdênci­a Social. Quatro meses depois foi forçado a abandonar o cargo, acusado de ter-se envolvido em irregulari­dades relacionad­as a empréstimo­s bancários.

Em respeito ao princípio da presunção de inocência, é preciso reconhecer que Jucá até agora passou incólume por denúncias e investigaç­ões que pontuaram sua carreira política de mais de 30 anos. Há duas constantes na carreira do senador: serviu a todos os governos, desde que se lançou na vida pública nacional, e jamais deixou de frequentar as listas de investigad­os e processado­s. Não estranha, portanto, que ele queira afastar a incômoda espada da Justiça que teima em balançar sobre sua cabeça.

É preciso reconhecer, também, que o comportame­nto da imprensa de que Romero Jucá tanto se queixa é certamente um assunto que está longe de lhe ser estranho, já que é proprietár­io de duas emissoras de televisão em Boa Vista – uma filiada à Rede Record e outra à Rede Bandeirant­es –, além de um jornal impresso e duas emissoras de rádio. Talvez isso explique por que Jucá toma sempre a cautela de atacar apenas “parte” da imprensa – aquela que não lhe é obediente.

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