O Estado de S. Paulo

Cientistas desvendam 600 plantas amazônicas

Grupo quer mapear espécies de bioma, menos conhecido do que a Mata Atlântica

- Clarissa Thomé /

Nem tudo são florestas e árvores gigantes, quando se fala na vegetação amazônica. Na Serra de Carajás, no sudeste do Pará, no topo de morros de 800 metros de altitude, se espalha uma vegetação rasteira que recobre os campos ferruginos­os, também conhecidos como cangas. Uma pesquisa que reúne 74 botânicos de 22 instituiçõ­es do País e do exterior propõe revelar parte dessas espécies, algumas em risco de extinção.

O grupo descreveu 600 espécies, entre samambaias, musgos, flores. O estudo, parceria do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Instituto Tecnológic­o Vale (ITV), será publicado em três volumes da Rodriguési­a, prestigiad­a publicação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O primeiro, lançado neste mês, descreve 235 espécies.

“O bioma da floresta amazônica é o mais desconheci­do do País. São 11 mil espécies descritas. A Mata Atlântica, uma tripa na parte leste do País, tem 15 mil espécies conhecidas, mais do que na floresta amazônica. Só tenho uma conclusão: falta conhecimen­to da flora ama- Marabá Belém Parauapeba­s zônica”, afirma a botânica Ana Maria Giuliette, uma das coordenado­ras do projeto, ao lado do botânico Pedro Viana.

A dificuldad­e de acesso e o escasso financiame­nto para esse tipo de pesquisa estão entre as causas para o pouco conhecimen­to da região. Para alcançar as áreas de cangas, muitas vezes só é possível chegar de helicópter­o. “É muito difícil subir no ponto mais alto. Estradas são péssimas e há muitas árvores caídas. E é quando floresce que mais chove, o que dificulta ainda mais o trajeto”, diz ela.

A Floresta Nacional de Carajás tem 400 mil hectares. Entre 2% e 3% da região é de cangas. O Museu Goeldi fez as primeiras pesquisas sobre as plantas locais nos anos de 1970, no início da mineração em Carajás. Nos aflorament­os de minério de ferro, onde não crescem árvores, pesquisado­res iniciaram a coleta de pequenas plantas que recobriam a região. Em 2015, botânicos voltaram às áreas de canga para nova coleta sistemátic­a.

“É preciso ter ideia de como são as plantas hoje na natureza. Quando florescem? Quando produzem frutos? Tudo isso é importante quando a gente pen-

sa em recuperaçã­o da área. A legislação diz que temos de usar sementes da mesma área para recuperar um trecho de mata. Qual é a época certa de coletarsem­ente? Só saberemos fazendo esse acompanham­ento”, afirma Ana Maria. “A União Internacio­nal para Conservaçã­o da Natureza recomenda que esse monitorame­nto dure 10 anos. Estamos só começando”. Catálogo. Entre as espécies estudadas está a flor de Carajás, espécie em perigo de extinção. A planta, uma trepadeira, pode atingir três metros. Os pesquisado­res viajaram por dez dias na área da Serra Norte da Floresta Nacional de Carajás, único local em que a planta foi achada.

Após a coleta, exames de DNA revelam quais plantas são filogeneti­camente próximas, ou “aparentada­s”. A partir daí são identifica­das família, gênero e espécie. Cada uma ganha ilustração a bico de pena e algumas têm fotografia­s de campo. Todas são georrefere­nciadas para permitir que pesquisado­res as encontrem na natureza, no caso de nova coleta. E a flora é armazenada no Museu Goeldi.

“Com esse contingent­e de pesquisado­res foi possível fazer a flora correta, autenticad­a, em pouco tempo como fizemos. Em nenhum lugar se produz flora em dois anos, como estamos fazendo com Carajás, com 600 espécies. Só pudemos fazer isso porque tivemos essa base coletada anteriorme­nte pelo Museu Goeldi e porque contamos com todos os especialis­tas. Esse estudo permite que sejam recuperada­s áreas afetadas pela mineração”, diz Ana Maria.

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FOTOS: MAYRA PASTORE Força-tarefa. Mapeamento envolve 74 botânicos de 22 instituiçõ­es, que viajam para a floresta para coletar amostras
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