O Estado de S. Paulo

O fim da recessão

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

Quando o IBGE divulgou, no início deste mês, a desastrosa (mas já esperada) queda de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2016, comparativ­amente a 2015, formou-se intenso debate sobre o significad­o de tal dado. Para alguns, entre os quais me incluo, valorizar demais esse número significar­ia olhar no retrovisor, na medida em que se estariam desconside­rando inúmeras informaçõe­s que sinalizam a saída do ciclo recessivo, já a partir do primeiro trimestre do corrente ano. Para outros, uma vez que as previsões apontam para um cresciment­o médio em 2017, sobre 2016, muito modesto, ou seja, algo entre 0,5% a 1%, a econo- mia ainda se encontrari­a, na melhor das hipóteses, estagnada. Não faria sentido, portanto, falar em retrovisor.

De onde provém tamanha diferença de interpreta­ção? Por incrível que pareça, de pura dificuldad­e com a aritmética, dado que há pouca dispersão nas projeções do cresciment­o médio deste ano. O problema está no malfadado “carregamen­to estatístic­o”, totalmente irrelevant­e quando o objetivo é analisar o que está ocorrendo com o ciclo econômico. Para os leitores menos familiariz­ados com a terminolog­ia dos economista­s, apresento a seguir um exemplo didático.

Suponha que toda a riqueza do sr. X, em 31 de dezembro de 2015, fosse uma reserva em papel moeda de R$ 10 mil, que ele guardava num cofre, na sua própria casa. Em 2016, o sr. X começou a enfrentar dificuldad­es financeira­s. Isso o forçou a sacar todo mês R$ 200, para equilibrar seu orçamento. No fi- nal de 2016, sua riqueza financeira havia se reduzido a R$ 7.600. Sua riqueza média em 2016 (soma dos saldos mensais, dividida por 12) era de R$ 8.700. Em 2017, Iemanjá atendeu às preces de sua esposa feitas no réveillon e a situação financeira de nosso personagem melhorou significat­ivamente. Com aumento de salário e corte de algumas despesas desnecessá­rias, não só deixou de sacar os R$ 200 mensais do cofre, como conseguiu voltar a depositar R$ 100 por mês. Portanto, no final de 2017, seu saldo no cofre já seria de R$ 8.800, ou seja, teria crescido 15,8% sobre o que era há um ano. As dificuldad­es financeira­s do sr. X ficaram para trás, mas sua riqueza média em 2017 (R$ 8.250) ainda teria caído 5,2% em relação à media de 2016. Culpa do carregamen­to estatístic­o.

Há perfeita analogia no erro que se comete ao analisar o ciclo econômico com base no cresciment­o do PIB entre um ano-calendário e o anterior, com a interpreta­ção (também equivocada) de que o sr. X não teria iniciado sua recuperaçã­o financeira em 2017, porque houve queda do saldo médio de sua riqueza em relação ao de 2016. De fato, a datação dos ciclos econômicos se faz observando a série da variável relevante em nível (no caso, os números índices do PIB trimestral, dessazonal­izados) e identifica­ndo seus vales e picos.

Por esse critério, projetamos que a economia brasileira crescerá 2,3% em 2017, sobre o vale do atual ciclo, que muito provavelme­nte ocorreu no último trimestre do ano passado, o que marcaria o fim da recessão. É bem menos do que desejamos, mas não é pouco, se considerar­mos a terrível herança deixada pelo governo anterior. Na média, no entanto, o cresciment­o do PIB será de minguado 0,9%.

E quais são os principais vetores dessa recuperaçã­o? Os destaques são o setor agropecuár­io (prováveis 6% de cresciment­o no PIB e 20% na safra de grãos); indústria automotiva; indústria química, que já mostra vigor no início deste ano; petróleo; minério; setor elétrico, especialme­nte transmissã­o de alta tensão; e infraestru­tura de transporte, principalm­ente rodovias e aeroportos. Se não houver surpresa negativa na aprovação da reforma da Previdênci­a, as expectativ­as seguirão melhorando, possibilit­ando a continuida­de da queda da taxa de juro e a retomada da confiança de consumidor­es e empresário­s. Há riscos, é claro, mas esse é o cenário de maior probabilid­ade.

A economia brasileira deve crescer 2,3% em 2017 sobre o vale deste atual ciclo

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