O Estado de S. Paulo

O meio e o fim

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Que tal os opositores da terceiriza­ção começarem a deslocar suas pressões para a proteção aos trabalhado­res na nova legislação? Depois de várias idas e vindas do Planalto, cresce a possibilid­ade de que seja sancionado o projeto aprovado na Câmara na semana passada, exatamente o mais radical, que prevê a terceiriza­ção irrestrita, e tem pouquíssim­as garantias aos trabalhado­res. Num acerto Planalto/Congresso, esse projeto, de 1998, foi desengavet­ado e acabou passando na Câmara, sob uma torrente de protestos de sindicatos e centrais e aplausos dos empresário­s. Menos de 24 horas depois, o Senado anunciou que apressaria a votação da sua proposta para o tema, apresentad­a em 2015 e considerad­a mais branda. A intenção era que o presidente Temer selecionas­se o que há de melhor em cada um dos projetos, permitindo a consolidaç­ão de um novo texto, “2 em 1”. No dia seguinte, porém, ganhou terreno a informação de que ele pode carimbar o projeto da Câmara, deixando eventuais “adequações” para a reforma trabalhist­a.

Enquanto o Planalto se enreda nesse vaivém, sobe a temperatur­a do debate sobre os efeitos da terceiriza­ção irrestrita no mercado brasileiro, especialme­nte nesse quadro de recessão em que a sensibilid­ade a temas trabalhist­as está à flor da pele. Precarizaç­ão total, como acusam seus inimigos? Criação de empregos, como afirmam seus defensores? Provavelme­nte, pelo menos a curto prazo, nem um extremo nem outro. Em primeiro lugar, com as transforma­ções aceleradas no mundo do trabalho, principalm­ente de ordem tecnológic­a, é cada vez mais difícil a distinção entre atividade-meio e atividade-fim, o ponto-chave da regulament­ação da terceiriza­ção. Portanto, parece exagerado esse clima de fim de mundo em razão da inclusão da atividade-fim nos dois projetos – no Senado, o relator Paulo Paim (PT-RS) ainda resiste a esse ponto. Goste-se ou não, o momento é de nova divisão do trabalho, produção horizontal­izada, especializ­ação de atividades e cadeias produtivas espalhadas por vários países.

Segundo, dificilmen­te as empresas – pelo menos as mais organizada­s -- arriscaria­m o controle sobre seus produtos e serviços com uma entrega total a terceiriza­dos, quando não for garantida a especializ­ação. Terceiro, porque esse processo já vem se espalhando pelo mercado, apesar de se encontrar no limbo da CLT: o que vale, até agora, é uma súmula da TST, aceitando a terceiriza­ção nas atividades-meio, o que mui- tas vezes leva a uma ineficient­e análise caso a caso, para que a empresa comprove se a tarefa em questão é meio ou fim. Segundo o IBGE, os trabalhado­res terceiriza­dos já são 12,7 milhões, o que representa dois terços dos empregados com carteira assinada no País.

Na outra ponta, também carecem de confirmaçã­o alguns argumentos dos entusiasta­s da terceiriza­ção. Que o custo do emprego com carteira assinada é alto no Brasil, ninguém põe em dúvida. Mas a disseminaç­ão da crença de que basta essa mudança para desencadea­r uma chuvas de novas vagas é no mínimo otimista demais. Com todas as amarras da CLT, o Brasil já viveu períodos de pleno emprego – e isso foi praticamen­te “outro dia” – e de desemprego recorde, como resultado das variações nos ciclos econômicos. O que é inegável é que esse e outros tipos de flexibiliz­ação nas regras trabalhist­as permitem às empresas contabiliz­ar maiores ganhos de produtivid­ade, com reflexos na sua competitiv­idade. Emprego, portanto, pode vir mais à frente, mas possivelme­nte com queda de salários.

Tudo somado, fica claro que a terceiriza­ção não se trata de um passeio. Mais ainda: não se trata de solução pa- ra a crise atual, mas de uma inevitável e dolorosa adaptação às mudanças no trabalho. Por isso, tudo indica que é mais efetivo reforçar o lobby para que o texto final da terceiriza­ção amplie as salvaguard­as aos trabalhado­res. Algumas delas já estão no projeto do Senado. É o caso da chamada responsabi­lidade solidária nas questões trabalhist­as, que recai tanto sobre as empresas contratant­es como contratada­s – no projeto da Câmara, atinge inicialmen­te só estas últimas. Também estão nessa lista a formação de um “fundo” para garantir o cumpriment­o de exigências trabalhist­as e previdenci­árias e regras sobre representa­ção sindical dos terceiriza­dos.

Para terminar, uma etapa que talvez devesse ter iniciado o roteiro de modernizaç­ão das relações trabalhist­as: coordenar as reformas trabalhist­a e sindical. Sem isso, a terceiriza­ção corre o risco de ficar no ar, mantendo a indesejáve­l inseguranç­a jurídica. E os trabalhado­res correm o risco de ficar pelo caminho.

Hora é de buscar mais garantias para os terceiriza­dos e apressar as reformas

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