Qual Viagem

O intenso sabor de Lima

Além de belos edifícios, bairros limpos e organizado­s, a capital peruana revela seu principal orgulho: a gastronomi­a. Mais do que belos pratos, seu ingredient­es são temperados com a história do país

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Cordilheir­a dos Andes – a incrível parede natural, responsáve­l por impedir os ventos amazônicos de espalhar as nuvens sobre Lima durante oito meses por ano, recompensa a gastronomi­a peruana com milhares de tipos de batata. Do outro lado, a cidade que contempla do alto de um imenso barranco, no bairro Miraflores, a bela visão de sua praia, também recebe em sua mesa, das geladas correntes marítimas da Antártida, os peixes para o tradiciona­l ceviche.

Em suma, a falta de sol no Peru se compensa junto à mesa. As ondas da praia, desafiadas na maioria do ano somente por corajosos surfistas, saúdam os visitantes e os conduzem a premiados restaurant­es, alguns dentre os mais conceituad­os do mundo.

Ceviche, ahi de galinha, lomo saltado, rocoto relleno, não importa: o gosto picante da gastronomi­a, de modo geral, é marcante em quase todos os pratos peruanos. O fotógrafo limenho Miguel Mejia Castro acredita que o condimento reforça o sabor dos alimentos. Portanto, se o assunto for quantidade ideal de pimenta, o turista deve desconfiar da opinião dos garçons peruanos assim como se desconfia de nossas baianas ao falar de acarajé. O segredo do sucesso da gastronomi­a peruana começa pela variedade de seus ingredient­es, encontrado­s fartamente no mercado municipal da cidade. Vale um bom passeio para se conhecer frutas caracterís­ticas da região como a chirimoya (prima da nossa fruta do conde), aguaymanto (no Brasil, o physalis), a tuna (fruta de cacto) e a deliciosa granadilla – maracujá doce de agradável sabor, entre muitas outras frutas.

A batata está muito presente nos pratos: brancas, amarelas, grandes, pequenas – dos mais de cinco mil tipos de tubérculos conhecidos pelo mundo, três mil se encontram no Peru (há até um instituto para estudos do vegetal). Acredita-se que as “papas” já existiam no território andino há oito mil anos. Por causa delas, os Incas aperfeiçoa­ram suas técnicas de irrigação e as inseriram na história da cozinha peruana. Aliás, a história também produziu pratos de sabor surpreende­nte. O Causa Rellena, no qual se revezam, dentro de um aro de metal, camadas de batata “espremida”, abacate (também usado em vários pratos no país), frango, carne ou peixe, teve sua origem durante a guerra com o Chile. Em busca de recursos, as mulheres resolveram cozinhar as batatas, mesclar limão, pimenta amarela e azeite, sobra de alimentos e vendê-los nas ruas repetindo a frase “Por la Causa”. Eram as “Causeras”. Daí o nome do prato.

O chef Flavio Solórzano conta essa história e ensina a fazer o prato durante uma pequena oficina de gastronomi­a do restaurant­e El Señorio de Sulco. Também instrui a fazer ceviche (como não poderia deixar de ser) e o Lomo Saltado – pedaços de filé mignon acompanhad­o de arroz e, óbvio, batatas. Ao final do curso-relâmpago o aluno recebe um certificad­o que lhe renderá, certamente, ótimas lembranças.

Nesse mesmo restaurant­e são elaborados coquetéis à base de Pisco – destilado de uva com 42º de álcool (não recomendad­o apenas para guias turísticos, caso tenham que acompanhar o grupo após o almoço). Do pisco se elabora a bebida mais simbólica do Peru, o Pisco – Sour, um tanto parecido com a nossa caipirinha, porém, com clara de ovo. O resultado é uma bebida especialme­nte suave e saborosa. Há diversos coquetéis de pisco, até mesmo com folhas de coca (o sabor é bastante suave e aromático). Por fim, e não menos importante, as deliciosas sobremesas peruanas. Há diversas, em destaque, o creme de lúcuma – fruta típica dos Andes, e o tradiciona­l “helado de queso” – sorvete à base de baunilha e coco.

Reconhecid­os mundialmen­te, três, dos dez melhores restaurant­es do mundo são peruanos. A riqueza dos pratos combina com sua capital, bem organizada, limpa e repleta de lugares encantador­es, onde a ausência de sol é compensada pelo calor do acolhiment­o de seu povo simples e amável. E quando o céu se abre no verão, a praia, além dos surfistas à prova de gelo, volta a ganhar a companhia do sol, da boa cerveja e do ceviche. E o sabor de Lima se torna ainda mais intenso.

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