Barragem de Canto Cagarra transborda, mas problemas no uso da água persistem
REPORTAGEM
Em Santo Antão, as chuvas intensas causaram estragos não muito graves, mas, por outro lado, as cheias encheram a Barragem de Canto de Cagarra, no Vale da Garça. Contudo, tal infra-estrutura tem causado alguma polémica, devido a falhas técnicas na sua construção. A água “desaparece” em pouco tempo e os agricultores pouco ou nada têm tirado proveito da única Barragem da “Ilha das Montanhas”.
Écerto que a passagem da tempestade “Rene”, em Santo Antão, causou alguns estragos leves, mas o que trouxe de positivo é muito satisfatório, principalmente, para os agricultores da Ilha.
De resto, a Barragem de Canto de Cagarra, no Vale da Garça, no Concelho da Ribeira Grande, por estes dias está completamente cheia.
Esta infra-estrutura hidráulica, a primeira e única desta natureza na Ilha de Santo Antão, foi inaugurada em Novembro de 2014. A obra afigurou-se, desde logo, como o renovar das esperanças para a agricultura na “Ilha das Montanhas”.
Contudo, até agora, não tem conseguido desempenhar esse papel que se perspectivou, como sendo de extrema-valia, para a promoção do agro-negócio em Santo Antão.
A Barragem de Canto Cagarra, financiada em 575 mil contos, no âmbito de uma linha de crédito com Portugal, tem uma albufeira que comporta um volume de 418 mil metros cúbicos (m3)de água, numa extensão de 84 mil metros quadrados.
Tem, ainda, a capacidade para armazenar 700 mil m3 na parte subterrânea, conseguindo, ao todo, acumular um milhão e 118 mil m3 de água. Em 2015, recebeu as primeiras chuvas e transbordou. Entretanto, devido, sobretudo, a falhas na sua construção, nos primeiros meses de 2016, a albufeira estava praticamente sem água.
Este facto suscitou estranheza nos munícipes e agricultores que, indignados, questionaram, na altura, onde é que tanta água foi parar em tão curto espaço de tempo. Com as chuvas de Setembro de 2016, a situação de Canto Cagarra piorou, drasticamente, e entrou num “processo muito acelerado de assoreamento”. Com as cheias de 2016, toda a parte da adução da água foi destruída e
todas as tubagens partidas.
O delegado do Ministério da Agricultura e Ambiente (MAA), na Ribeira Grande, Orlando Jesus, alertou para o facto de a Ilha vir a “perder” essa infra-estrutura hidráulica, caso não fossem tomadas medidas para corrigir a situação de “assoreamento muito rápido da Barragem”, que sofreu “danos notáveis”, na parte a jusante, durante as cheias de 2016.
Investimentos
Devido aos estragos de 2016, a Barragem de Canto de Cagarra recebeu intervenções, orçadas em 33 mil contos. As obras de recuperação incidiram na reposição da parte de adução e distribuição da água e da rampa, estruturas que foram destruídas pelas cheias de há quatro anos.
Também houve, recentemente, intervenções na instalação de energia eléctrica nessa Barragem, para o funcionamento das bombas ali instaladas. Para o presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande, Orlando Delgado, a “grande esperança” é que a água seja, efectivamente, utilizada.
“Não havia eletricidade para se poder fazer a bombagem. Neste momento, já há eletricidade. Foi instalado, este ano, todo o sistema elétrico para a bombagem, a parte da adução está feita, e espero que, agora, se possa utilizar a água em benefício dos agricultores”, dmanifesta o autarca, que também é presidente da Associação dos Municípios de Santo Antão (AMSA).
Ou seja, segundo diz Orlando Delgado, o maior condicionante que havia era, de facto, não ter energia na Barragem.
Como tal, não havia condições para se poder fazer a bombagem. Para já, este problema já está resolvido, mas Delgado espera, agora, que o Ministério da Agricultura e Ambiente possa utilizar a água, em benefício dos agricultores.
“Mesmo que haja outros problemas, deve-se aproveitar a água. Há muitos agricultores que estão disponíveis para avançar com plantações, mesmo que sejam de curta duração, como, por exemplo, a batata. Há terrenos ao longo daquelas zonas para se poder aproveitar a água”, avisa.
E acrescenta, ainda: “Nos anos passados, apenas os agricultores da zona de Cruzinha, que fica na parte baixa, usufruíram da água da Barragem, por gravidade”.
“Muito trabalho por fazer”
A perspectiva do presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande, Orlando Delgado, é que haja “um bom ano agrícola”, diferente do que se procedeu nos três anos passados de seca, em que os agricultores do Concelho enfrentaram várias dificuldades.
“Vimos de anos extremamente difíceis, não só no Sector Agrícola como, também, em termos de água potável para a população. Neste momento, há uma grande alegria de todos em ver a grande infra-estrutura que é a Barragem cheia de água. A esperança é de termos um bom ano agrícola, mas há outro problema que é a praga da lagarta-do-cartucho-do-milho”, lamenta.
Orlando Delgado reconhece, por outro lado, que ainda há muito trabalho por fazer, desde logo, no aproveitamento da água retida na Barragem. Outro problema apontado pelo edil ribeira-grandense, prende-se com o facto de haver muitos proprietários de terra, mas que não residem na Freguesia.
“Também há o problema dos herdeiros de grandes propriedades agrícolas, que poderá ter um impacto negativo, porque não conseguem trabalhar essas enormes parcelas de terreno. Há-que pensar na maneira de distribuir os terrenos”, defende Orlando Delgado, lembrando que esse processo demora algum tempo.
“Aproveitamento possível”
Os agricultores dos arredores da Barragem de Canto Cagarra exigem melhores condições e melhorias na adução e distribuição de água.
Segundo um agricultor ouvido pelo A NAÇÃO, o cenário está longe do que se previa, aquando da inauguração da Barragem, mas tem havido um aproveitamento “possível” dos terrenos, que já tinham mais de 25 anos sem fazer qualquer cultura de regadio.
“Temos apostado em novas culturas e mesmo nos anos de seca continuámos plantando e colhendo. Entretanto, os nossos produtos ficam, praticamente, tudo nos arredores e na Ilha. Muitas vezes, o investimento não traz retorno”, lamenta um agricultor de Garça de Cima.
A Barragem de Canto de Cagarra, chegou a ser referenciado pelo ministro da Agricultura e Ambiente, Gilberto Silva, como um “passivo ambiental”, devido a diversos problemas, entre os quais, o assoreamento da albufeira.
O certo é que as recentes cheias fizeram transbordar a Barragem, para a alegria dos agricultores, que temem que a água desapareça nos próximos meses, como o que se sucedeu em 2016.
A Barragem de Canto Cagarra beneficia perto de duas centenas de agricultores e 50 hectares de terreno, nessas localidades que já tinham 25 anos sem fazer qualquer cultura de regadio.