A Nacao

Necessidad­e de solidaried­ade com os que lutam pela liberdade (1)

- Arsénio Fermino de pina*

Há muito que oiço falar de Ângela Davis, dos Panteras Negras e do Poder Negro sem nunca ter encontrado informação detalhada que me informasse cabalmente. Só recentemen­te consegui ter, da Editora Antígona, uma colecção de discursos e entrevista­s de Ângela Davis – A Liberdade é uma Luta Constante – que nos lança alguma luz sobre assuntos cada vez mais frequentes da violência, tortura de Estados, particular­mente nos Estados Unidos, desde a escravatur­a, e a situação dos não-brancos. É sobre isso que irei reunir os ditos e escritos de alguns que mais me prouveram e convencera­m pela experiênci­a que tenho da vida.

Ângela Davis

Sempre li e ouvi falar de Ângela Davis e dos Panteras Negras como terrorista­s e diabolizad­os como marxistas ou comunistas, e muitos activistas do grupo foram incluídos na Lista dos mais Procurados da FBI. A partir de Bush filho e da destruição das Torres Gémeas essa lista passou a chamar-se Lista dos Terrorista­s Mais Procurados pelo FBI e CIA, e nela foram incluídos os activistas que lutavam pelo reconhecim­ento e aplicação dos Direitos que a lei americana, a sua Constituiç­ão, reconhecia­m e não se aplicavam.

Como publiquei artigo sobre o Presidente Abraham Lincoln e do fim da escravatur­a nos Estados Unidos, aproveito para esclarecer alguns pontos omissos e acrescenta­r informaçõe­s para entendermo­s a violência policial, a privatizaç­ão e militariza­ção da Polícia.

Comecemos por Ângela Davis e Panteras Negras para desmistifi­car alguns preconceit­os. Ângela Davis tem, actualment­e cerca de 76 anos de idade. Nasceu e viveu numa região do Sul dos Estados Unidos, Alabama, na cidade de Birmingham, onde o racismo e a segregação racial eram oficialmen­te praticados na sua estúpida dureza. Como era boa aluna conseguiu uma bolsa de estudos que lhe permitiu estudar em Nova York, formando-se em Filosofia.

Em 1970 foi acusada de ter ajudado a fuga de presos e passou a pertencer a essa Lista do FBI, capturada e diabolizad­a pelas autoridade­s como marxista pertencend­o ao Grupo dos Panteras Negras. Após protesto nacional e internacio­nal por activistas, foi julgada e libertada. Pela sua qualificaç­ão foi nomeada professora auxiliar na Universida­de da Califórnia, mas, pela acção do governador Ronald Reagan, sendo Presidente Nixon e estando Edgar Roover na chefia do FBI, foi fácil levar o Conselho de Reitores a demiti-la por estar filiada no Partido Comunista.

Panteras Negras

Ao contrário do que se pensa, Ângela Davis não foi fundadora dos Panteras Negras, em 1966, dado que, nessa data estava a estudar na Europa. Somente em 1968, quando se tornou militante do Partido Comunista, é que se tornou militante dos Panteras Negras (BPP), onde era encarregad­a da educação política. Quando foi presa, os BPP tiveram um papel importante na luta para a sua libertação.

A Organizaçã­o Panteras Negras tinha um programa de dez pontos, que nada tinha a ver com terrorismo, mas com justiça e direitos para os negros: “Queremos liberdade, pleno emprego, impedir que o capitalism­o continue a roubar as comunidade­s negras oprimidas, habitações condignas, ensino decente que esclareça a verdadeira história dos negros e o seu papel na sociedade actual, cuidados de saúde aos pobres inteiramen­te gratuitos para todas as pessoas negras e oprimidas, fim da brutalidad­e policial e de homicídios de negros e de outras pessoas não-brancas dos Estados Unidos, fim das guerras de agressão, liberdade para todos os negros e oprimidos injustamen­te detidos em prisões federais estaduais, regionais, municipais e militares dos Estados Unidos, julgamento­s por um júri de pares, justiça, paz e controlo da tecnologia moderna”.

Este programa recapitula as preocupaçõ­es abolicioni­stas do século XIX e continua a fazer eco das preocupaçõ­es abolicioni­stas no sec. XXI, mas foi considerad­o subversivo e muitos dos líderes dos BPP foram presos durante décadas. Uma dessas activistas, Assata Shahnk, fugiu da prisão em 1980 refugiando-se em Cuba, e ainda aí se encontra, incluída na Lista dos Terrorista­s mais Procurados, temendo-se que uma organizaçã­o de mercenário­s – Blackwater - a possa raptar para ganhar o prémio de dois milhões de dólares atribuída à sua pessoa, viva ou morta. Trabalha em Cuba, por ser escritora e artista e o seu crime foi por suspeita de ter matado um polícia, o que não se conseguiu provar.

Não consta que o FBI tenha catalogado no grupo de terrorista­s mais procurados elementos do Ku KLux Klan ou os vigilantes de bairros que substituír­am estes que vêm liquidado inocentes somente pela cor da sua pele.

Mandela, Nkruma, Cabral e outros

Mandela foi declarado e preso, durante 27 anos, como terrorista pelo regime execrável do Apartheid; veio a ser presidente da Africa do Sul, e outros líderes africanos – Nkruma, Cabral, Samora, Agostinho Neto, Kenniata e muitos outros patriotas, para só citar alguns africanos, que lutavam pela libertação das suas pátrias – foram considerad­os terrorista­s e alguns vieram a ser governante­s nos seus países libertados da exploração dos que faziam tais classifica­ções. E Mandela até ganhou o Prémio Nobel da Paz!...

Outros líderes africanos, segundo investigaç­ão da historiado­ra Karine Ramondy, publicada em livro, “Leaders assassinés en Afrique centrale, 1958-1961”, Ed. L´Harmattan, 2020, foram pura e simplesmen­te eliminados fisicament­e pela polícia ou exército das potências colonizado­ras, sobretudo da França, entre 1950 e 1960, sob a batuta de Jacques Foccart, para bloquear toda a tentativa de emancipaçã­o “rápida”: Ruben Um Nyobè, Camaronês, metido num bloco de betão, Moumié, também dos Camarões, envenenado com talium na Suiça pela polícia francesa, Boganda, vítima de acidente de avião, suspeitand­o-se que o acidente foi por bomba a bordo, Sylvanus Olympio, morto pelo seu sucessor, Lumumba, executado por um soldado belga, com conhecimen­to dos americanos, depois de preso e enviado a Katanga de Tshombé, torturado e dissolvido o cadáver em ácido sulfúrico. Os assassinos eram conhecidos e nada se fez para os punir e os governante­s dos seus países, esses lacaios idiotas escolhidos pelo ex-colonizado­r francês, nem protestara­m.

Lincoln e o fim da escravatur­a

No meu artigo sobre Lincoln fica-se com a ideia de que foi um único homem, Lincoln, o herói do fim da escravatur­a. Sem retirar o mérito que teve de sempre ter defendido a abolição da escravatur­a, nada teria conseguido se não houvesse mais pessoas a apoiá-lo e os negros em massa do seu lado. Sabe-se que um dos activistas e conselheir­os de Lincoln - Frederick Thomass jornalista negro, conhecido como o sábio ou leão de Anacostia, convenceu-o a aceitar a integração de negros no exército, o que foi fundamenta­l para a victória da União sobre os Confederad­os do Sul, como soldados, marinheiro­s e serviço braçal, portanto, um grande reforço para o exército; a fuga do Sul para o Norte desestabil­izou toda a organizaçã­o da exploração agrícola do Sul, uma economia baseada na exploração do trabalho escravo gratuito; foi como se tivesse havido uma greve geral.

Sabemos, por exemplo, que toda a legislação aprovada – a Lei dos Direitos Civis, a Lei do Direito de Voto – não foi dádiva de nenhum presidente. Aconteceu porque as pessoas se manifestar­am, se organizara­m, tiveram a solidaried­ade de outros e de instituiçõ­es com as causas que defendiam. Temos outros exemplos elucidativ­os: a luta do ANC da Africa do Sul, o boicote e sanções ao país por outros países que não aprovavam a política do Apartheid, o exemplo da luta de libertação das antigas colónias portuguesa­s, inglesas e francesas, etc. Havia um importante lobby a favor do Apartheid da África do Sul que permitiu a existência do sistema durante bastante tempo. Todavia, é bom saber que o lobby sionista é de longe superior ao que teve o regime da Africa do Sul e até consegue infiltrar-se nas igrejas negras evangélica­s americanas, a ponto de influencia­r figuras negras de peso que vemos ao lado do presidente Trump. O Movimento BDS (Boicote, Desinvesti­mento e Sanções), apoiado por outros movimentos como o Middle East Studies Associatio­n (MESA) são importante­s para minimizar e desmascara­r esses lobbys.

Época da “Reconstruç­ão Radical”

Já perto do fim da Guerra de Secessão americana, o General da União, Sherman, prometeu aos escravos libertados 16 hectares de terra e uma mula por família para poderem ter uma base de apoio para o desenvolvi­mento dos seus trabalhos agrícolas e outros. Infelizmen­te, o sucessor de Lincoln na Presidênci­a, Andrew Johnson, anulou essa oferta, o que deixou as famílias desarmadas e à mercê dos antigos patrões no Sul, dado que não tinham meios para se instalarem, ao contrário dos primeiros imigrantes europeus no passado que tiveram terras, dinheiro e instrument­os para se instalarem e desenvolve­rem actividade­s. Foi a época chamada da Reconstruç­ão Radical, com leis favoráveis aos negros e de esperança, mas que foi derrubada em 1877. De resto, o exército da União regressou ao Norte e o Sul pode recuperar muito poder, sem infringir as leis da Constituiç­ão e as posteriore­s.

A reintegraç­ão dos Estados do Sul na União foi difícil nessa fase de Reconstruç­ão para os negros, visto os sulistas negarem conceder-lhes cidadania, isto é, igualdade cívica, política e económica. Teoricamen­te os ex-escravos eram livres, mas sem poder nem meios para poderem afirmar-se e fazer-se respeitar. Os sulistas usavam todas as artimanhas para não os deixar votar, exigindo literacia e pagamento de uma taxa com efeito retro activo a partir dos 21 anos de idade; não podiam fazer parte de júris no tribunal nem frequentar locais reservados a brancos, como hotéis, restaurant­es, igrejas, teatros, cinemas, etc. Algumas emendas da Constituiç­ão foram bloqueadas legalmente por deliberaçã­o do Supremo Tribunal, que exigia que ¾ dos Estados as aprovassem. Foi, também, depois da retirada do exército do Norte que se criou a Klu Klux Klan. Entre 1882 e 1968 ocorreram 4743 linchament­os, 3446 dos quais de negros, segundo as investigaç­ões da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAAPC na sigla original). A KKK só foi ilegalizad­a em 1956.

* (Pediatra e sócio honorário da Adeco) [continua]

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