A Nacao

Ministério da Cultura não foi tido nem achado sobre busto de Gandhi

- Gisela Coelho

A capital cabo-verdiana, mais concretame­nte Achada de Santo António, foi surpreendi­da, no passado fim de semana, com um memorial a Mahatma Gandhi, edificado no âmbito das celebraçõe­s dos 150 anos de nascimento desse líder histórico indiano. Numa altura em que se discute a pertinênci­a e utilidade de certas estátuas pelo mundo, os críticos questionam a razão de ter um busto de 300 quilos do “pai da independên­cia” da Índia numa das artérias da cidade da Praia. Apenas um problema de sensibilid­ade e bom senso?

Os moradores e frequentad­ores da Rua Europa, na zona da Bolsa de Valores, foram surpreendi­dos, no passado fim de semana, com um busto de Mahatma Gandhi, colocado na encruzilha­da com a Rua do Funchal (hotel América). O memorial de 300 quilos, feito em bronze, ao que A NAÇÃO conseguiu apurar, foi autorizado pelo Ministério dos Negócios Estrangeir­os, com o consentime­nto da Câmara Municipal da Praia (CMP) que cedeu o local.

Porém, nem o Ministério da Cultura, nem o Instituto do Património Cultural (IPC) foram ouvidos sobre o assunto que mexe com a toponímia da cidade. Pelas fotos da inauguraçã­o, apenas se vêem elementos da comunidade indiana no acto.

Com os ecos da controvérs­ia sobre as estátuas na Europa e nos EUA ainda bem vivos, as críticas ao busto de Gandhi, na Praia, não tardaram. Para os “indignados”, em causa está a não compreensã­o de como grandes vultos da história e cultura de Cabo Verde não serem prestigiad­os com memoriais semelhante­s, quando figuras como Gandhi, descontext­ualizadas da história do país, ganham destaque.

“Kaká Barbosa merecia, sobremanei­ra, um busto, na zona onde viveu, glorifican­do assim o seu contributo inefável à nossa cultura! Entretanto Ghandi aparece out of the blue sem qualquer contextual­ização credível para tal. Parece que não se aprendeu nada com a polémica nomeação do aeroporto da Praia. O caboverdea­no é de uma ingratidão atroz para com os seus”, opina o internauta James Silva Ramos.

As críticas não se ficam por aqui. “A falta de cultura reflecte a ausência permanente de leitura. Nota-se muito bem esta incrédula particular­idade quando muitos deles (os políticos e governante­s) falam de improviso”, escreve Manuel Amante da Rosa, diplomata reformado, antigo embaixador no Brasil e na Itália.

Nem as críticas ao lado racista de Ghandi, durante o tempo em que viveu na África do Sul, foram poupadas. Por causa desse passado, recentemen­te, no Gana, os estudantes de uma universida­de exigiram a retirada de uma estátua esse líder histórico, pai da não violência, financiada pelo governo indiano.

“Achada de Sto António tem mulheres e homens que merecem o nosso reconhecim­ento”, escreve Eurídice Monteiro.

“Praia tem mulheres e homens que merecem o nosso reconhecim­ento; a ilha de Santiago tem mulheres e homens que merecem o nosso reconhecim­ento; Cabo Verde tem mulheres e ho

mens que merecem o nosso reconhecim­ento; África tem mulheres e homens que merecem o nosso reconhecim­ento; o mundo tem mulheres e homens que merecem o nosso reconhecim­ento”. E conclui: “Gandhi é um herói na Índia, mas não é uma referência para nós. Basta de HUMILHAÇÃO! Somos um povo com memória e queremos ter o direito ao futuro”.

Fátima Monteiro, por seu turno, explica que Gandhi começou o seu activismo político na África do Sul, lutando contra a segregação e o despotismo britânico.

“De lá foi para a Índia onde lutou pela independên­cia e pela união entre hindus e muçulmanos. Não conseguiu”. Gandhi, continua, “tinha os defeitos próprios do homem do seu tempo. Isto para dizer que erigir uma estátua de Gandhi não será propriamen­te uma humilhação e que há coisas piores. Mas quem está contra, faça uma lista de nomes de cabo-verdianos a homenagear e proponha à CMP. É mais prático assim”.

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