As viagens que apaixonaram Vitalzinho pela Cidade Velha
Decorriam os anos 80, quando Vital Moeda Júnior, Vitalzinho para muitos, começou a demandar a Cidade Velha, ao comando do seu barco de recreio, fazendoo percurso Praia berço da cabo-verdianidade. Ainda ninguém tinha pensado na Cidade Velha como património da Humanidade. Dessas viagens nasceu a paixão pela beleza e fascinações desta que é a primeira cidade que os portugueses construíram nos trópicos, por onde começou a cabo-verdianidade.
ACidade Velha, desde tempos remotos, tem suscitado cobiça da parte de quantos demandavam esta localidade que, hoje, não só se transformou num património cultural histórico, como também tem atraído a atenção de pessoas interessadas em desenvolver ali o turismo.
É o caso do Vitalzinho que, seduzido pelas características naturais deste vale, um dia decidiu comprar uma parcela de terreno, para construir uma cabana, onde, como ele próprio diz, nas suas deslocações àquela localidade, pudesse usufruir de momentos de lazer.
Assim, iniciou os contactos com os proprietários, tendo adquirido a parcela do terreno, onde, até ao momento, já investiu mais de cem mil contos. Hoje, quem visita a Baía do Coral fica rendido aos seus encantos. Além de 34 bangalows, tem uma zona botânica com plantas vindas de diversos países e uma zona zoológica, onde se encontram espécies autóctones e aves importadas, sobretudo do continente. Tudo isto para criar um certo atractivo às pessoas que visitam.
“Tenho trazido espécies de plantas de várias partes do mundo, nomeadamente da África e da Ásia, assim como de aves exóticas, tudo isto para criar um ambiente atractivo e agradável àqueles que nos visitam”, confessou Vitalzinho Moeda.
O projecto deste empreendedor não avançou isento de dificuldades. A primeira e a mais importante surgiu logo nos primórdios desta aventura, quando tentou, sem sucesso, mudar a estrada que atravessa a sua propriedade para o local de origem, ou seja, Santa Marta. Recolheu assinaturas junto de pessoas idóneas para comprovar que o funeral sempre se fez pelo carreiro doutrora, o que levou a então câmara de Jacinto Santos a autorizar a abertura de uma estrada de acesso ao cemitério. Foi uma luta inglória.
Estrada da discórdia volta à ribalta
A estrada de acesso ao cemitério da Ribeira Grande de Santiago, que atravessa a estância turística Baía do Coral, cujos investimentos ultrapassam já os 100 mil contos, volta à ribalta quase 30 anos depois.
Recentemente, o proprietário da Baía do Coral, Vital Moeda Júnior viu o cadeado do portão da sua unidade turística a ser arrebentado por um grupo de pessoas, do qual fazia parte o presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santiago, Manuel de Pina, que pretendia visitar o covato de um familiar recentemente falecido.
O autarca ribeira-grandense justificou o acto dizendo que o acesso ao cemitério “não deve ser interditado a ninguém, sobretudo quando as pessoas vão lá visitar as sepulturas dos seus entes queridos”.
“Nesse dia, eu e mais alguns familiares quisemos ir ao cemitério visitar a cova de um parente e, quando chegámos no portão de entrada, deparámos que este estava fechado a cadeado. Alguém tentou ligar para o senhor Vitalzinho, mas este não atendeu o telemóvel, pelo que tivemos que arrebentar o cadeado”, precisou Manuel de Pina, mas negando que terá sido ele o autor do acto.
Vital Moeda Júnior, por sua vez, contraria esta versão dizendo que nesse dia não ouviu o toque do telemóvel, porque, muitas vezes, está ocupado com as suas plantas e animais exóticos e o aparelho fica num outro sítio, e que os trabalhadores também não se aperceberam da presença de pessoas à entrada, porque se encontravam a laborar num local distante do portão.
Segurança dos turistas e investimentos
“O portão tem cadeado para garantirmos a segurança não só dos turistas que nos visitam, como também do investimento que já temos feito até ao momento. O coveiro do cemitério tem uma cópia da chave para abrir o portão sempre que houver necessidade”, precisou Vitalzinho, acrescentando que, por isso, não via motivos para o presidente da câmara “mandar arrebentar o cadeado”.
Segundo ele, há tempos um turista checo foi atacado à facada, quando se encontrava a passear no interior do empreendimento.
“Quando aquele senhor chegou ao pé de mim todo ensanguentado, tive muita pena dele. Era um hóspede frequente, mas desde do incidente nunca mais veio cá”, afirmou, explicando por que razão decidiu fechar o portão.
Por sua vez, o autarca da Ribeira Grande insiste que a estrada de acesso ao cemitério é do “domínio público municipal”.
“O proprietário, quando foi lá fazer o seu investimento, já lá havia a estrada e o cemitério”, indicou Manuel de Pina, ajuntando que, por isso, “nunca devia cortar o acesso” ao Campo Santo.
“Entendemos que ele tem necessidade de fechar a estrada para garantir a segurança do seu investimento, mas para isso teria que ter lá, permanentemente, uma pessoa para abrir o portão, sempre que for necessário”, comentou Manuel de Pina.
Para evitar eventuais transtornos, o autarca sugere que Vitalzinho construa, a montante da sua propriedade, uma via de acesso ao cemitério e que a autarquia estaria na disposição de o apoiar.
“Da nossa parte, não haverá nenhuma objecção se ele decidir construir a referida estrada”, admitiu Manuel de Pina, insistindo que a referida via teria que ser dentro da propriedade do Vitalzinho, porque, afirmou, num outro sítio teria que contar com o “consentimento dos outros proprietários vizinhos”.
Autarca não se opõe à construção de estrada
Instado se já tentou negociar com o proprietário da Baía do Coral, o presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santiago asseverou que sim e que lhe garantiu que “não haverá nenhuma objecção” da parte da edilidade se o mesmo avançar com a construção de uma estrada alternativa de acesso ao cemitério de Santa Marta, caso ele queira “valorizar o seu investimento”.
Confrontado com esta proposta, Vital Moeda Júnior admitiu que pode construir uma estrada a montante, mas que esta tem “custos elevados”, tendo em conta que será necessário “desmontar uma rocha” e que, mesmo assim, a via para chegar ao cemitério terá que passar por uma outra propriedade, cujos donos se dividiram no posicionamento quanto à permissão da construção da estrada.
Conforme garantiu à Inforpress, foi autorizado pelo então presidente da Câmara Municipal da Praia, Jacinto Santos [na altura, Ribeira Grande pertencia à Praia], a abrir, a partir do portão de Santa Marta, uma estrada, já que foi sempre por ali que passavam os funerais.
“Nós apenas quisemos repor a estrada para o seu local de origem”, acrescentou, ressaltando que, quando a pessoa que doou o espaço para o cemitério doou também uma estrada, que começa no portão de Santa Marta.
“Ninguém dá um terreno e, depois, diz para entrar pela propriedade do vizinho”, defendeu, acrescentando que a doadora deu também a entrada.
Para obter a autorização com vista à abertura da estrada, disse que comprovou com 22 assinaturas recolhidas junto de pessoas idóneas da Cidade Velha, São Martinho e Salineiro e do antigo dono da propriedade que o acesso ao cemitério foi sempre através do portão de Santa Marta.
“Abri a estrada devidamente autorizada e as pessoas começaram a utilizar este acesso para realizarem os funerais e efectuarem visitas às sepulturas dos seus entes queridos. Funcionou durante um mês e poucos dias até que apareceu o senhor Alcides Brito [nhu Ceci, hoje falecido] e resolveu tapar aquilo com carradas de pedras”, queixa-se Vital Moeda, que até hoje não viu ainda resolvida esta problemática da estrada que atravessa a sua propriedade, não obstante, segundo ele, a Dona Fátima, uma das herdeiras, lhe ter autorizado.
Segundo o edil da Ribeira Grande, o acesso do portão de Santa Marta foi usado pelo pessoal de Salineiro e outras zonas vizinhas, enquanto as pessoas da Cidade Velha e S. Martinho usaram sempre a entrada que passa pela actual Baía do Coral.
O cadeado pode ser arrebentado
Manuel de Pina assegurou, ainda, que, na eventualidade da realização de um funeral e, se for encontrado o portão fechado, e ninguém lá para o abrir, o “cadeado será de novo arrebentado”, porque a estrada é “pública e ninguém pode tirar este direito aos moradores da Ribeira Grande”.
“O cemitério é o lugar onde, a qualquer momento, as pessoas vão lá falar com os seus mortos. É uma questão cultural”, acentuou o autarca, que acusa Vitalzinho de ter “invadido a orla marítima e interditar acesso às pessoas a uma pequena praia que fica dentro da
Baía do Coral”.
Vital Moeda, que se diz um fascinado pela Cidade Velha desde a década de 80, afiançou que o seu projecto mereceu “parecer favorável” por parte de entidades competentes de então, nomeadamente o Património Cultural e Histórico, a Marinha Mercante e as Alfândegas.
Na altura, conforme fez saber, ficou acordado com as autoridades que, caso tivesse encontrado algum objecto no fundo do mar, este seria devolvido ao Estado. Isto, porque aquela zona é considerada área protegida, tendo em conta os vários ataques a que a Cidade Velha foi alvo por parte de navios piratas, sendo que o último protagonizado pelo inglês Francis Drake arruinou a primeira urbe construída pêlos por portugueses nos trópicos.
Acredita, porém, que um dia este problema da estrada de acesso ao cemitério de Santa Marta será resolvido.
“Decidi abrir a mão de uma área importante da minha propriedade, a fim de permitir o alargamento da estrada que, neste momento, se está a construir”, revelou, acrescentando que este acto simbólico é para mostrar que está interessado em colaborar não só com as autoridades locais, como também com as centrais.