Sistema montado para preservar o poder dos partidos
A primeira dificuldade que um grupo independente encontra, quando se lança em qualquer eleição, segundo Paulino Dias, não é sequer uma questão de recursos, nem de consistência dos seus projectos autárquicos ou de mobilização de equipa.
“É um problema sistémico. Temos um sistema montado para garantir a preservação do poder de quem está no poder e a predominância dos partidos políticos”, sublinha.
“Infelizmente, é um sistema montado, não com base em princípios e valores democráticos, mas em cima de práticas que, no meu ponto de vista, são totalmente condenáveis, ilegais, imorais, anti-democráticos e pouco éticos”, reforça.
Tudo isto, segundo diz, com o agravante de não haver um sistema de fiscalização através de instituições com competência na matéria, a funcionar de forma eficiente, para inibir ou condenar tais práticas durante os períodos eleitorais ou pré-eleitorais.
Na ilha do Sal, indica Adirley Gomes, “assiste-se a instituições que deveriam ser neutras, a facilitar todo o processo ao partido do Governo”. Uma prática que, conforme garante, é recorrente, consoante o partido que estiver no Governo.
Desigualdades
As candidaturas independentes já começam em desvantagem, dizem os entrevistados do A NAÇÃO. Desde a apresentação das candidaturas ao tribunal, às exigências e burocracias até ao financiamento da campanha eleitoral.
“Tivemos muitas dificuldades, até mesmo para abrir uma conta bancária”, revela Adirley Gomes, alertando que a própria lei dificulta as iniciativas independentes. “A igualdade de oportunidades não pode ser somente um discurso, deve estar refletido naquilo que são as leis e os procedimentos das instituições”, atenta.
Por outro lado, lamenta, os partidos que estão no arco do poder “desvalorizam” iniciativas de cidadãos, o que considera “gravíssimo”.
“Temos ouvido que os jovens precisam participar, mas, para os partidos políticos e principalmente para o partido do Governo, a participação jovem só vale alguma coisa se estiver do seu lado”, observa, ao recordar que o seu grupo, em particular, foi taxado de “vários apelidos pejorativos e uma série de coisas que não abona em nada a democracia”.
Eleição de deputados municipais encoraja embate de 2024
Por outro lado, grupos independentes que conseguiram eleger deputados na Assembleia Municipal prometem uma intervenção atenta e crítica sob a gestão nos seus municípios, enquanto preparam o terreno para um novo embate em 2024.
O Movimento Independente Tarrafal (MIT), candidatura da sociedade em Tarrafal de Santiago, assegura que as autárquicas 2020 foram apenas o primeiro passo.
“Este projecto já foi levantado com a projeção da sua continuidade. Antes de dar o primeiro passo, que foram as eleições autárquicas, já estávamos a desenvolver uma visão de projectos futuros. Já contabilizámos um resultado positivo, que é a eleição de um deputado municipal em Tarrafal, onde o bipartidarismo é muito grande. É a prova de que a nossa mensagem foi recebida”, assegura Cláudio Sousa, ex-pretendente ao Paços do Concelho.
Para este jovem, o número de votos conseguidos (419), num ambiente onde “o voto é muito influenciado pela corrupção e pelo dinheiro”, é o resultado do voto consciente de pessoas que acreditam e se revêm nos seus projectos.
“O deputado que o povo nos deu é uma oportunidade para mostrar se somos capazes de fazer, na prática, aquilo que foi a nossa linha de ação durante a campanha eleitoral. E acreditamos que este deputado vai dar-nos a Câmara Municipal em 2024”, assegura.
Na ilha do Sal, o movimento Sal2020 elegeu dois deputados à Assembleia Municipal. “É uma forma clara de mostrar que as pessoas já começam a perceber que os caminhos devem ser outros. Daí estarmos extremamente satisfeitos, pois, mesmo não fazendo política convencional, elegemos dois deputados, o que mostra que estamos no bom caminho”, sublinha Adirley.
“Sal2020 não nasceu só para as eleições. A nossa participação nas autárquicas foi uma consequência daquilo que pensamos e defendemos. Já marcamos a nossa posição e agora vamos fazer uma análise mais profunda de todo este processo e reposicionar para seguir em frente”, sustenta, avisando que os projectos do grupo para a ilha estão apenas a começar. “Com certeza estaremos nas eleições de 2024.”