Partidos passam a bola para Tribunal Constitucional
Eleição da Mesa da Assembleia Municipal de São Vicente e Boa Vista
O Estatuto dos Municípios deixa brechas em matéria relacionada com a constituição dos membros da mesa das Assembleias Municipais, um facto que vem sendo aproveitado pelas forças políticas consoante as conveniências do momento. Tanto o MpD como o PAICV esperam uma clarificação do Tribunal Constitucional. Já a UCID ameaça recorrer a essa mesma instância para impedir Augusto Neves de assumir a presidência da Câmara de São Vicente.
Depois de alguma celeuma em torno da eleição da mesa da Assembleia Municipal de São Vicente e, também, da Boa Vista, tudo aponta para o Tribunal Constitucional ser chamado a esclarecer este assunto e fazer jurisprudência para evitar que haja, no futuro, interpretações, “por conveniência”, na hora de instalar esse órgão municipal.
O MpD, que considera que a razão está do seu lado, decidiu avançar com um pedido de impugnação do acto que conduziu à composição da mesa da AM de São Vicente. Este partido quis impor a sua candidata Lídia Lima, como presidente desse órgão, mas não conseguiu.
Esbarrou numa “coligação” entre os partidos da oposição, passando a mesa da AM a ser constituída pela presidente Dora Oriana Pires (UCID), pelo vice-presidente Albertino Neves Gonçalves (Movimento Independente Más Soncent (MIMS), e pela secretária Dirce Vera-Cruz (PAICV). Este colectivo obteve 11 votos favoráveis, enquanto a proposta do MpD teve os votos favoráveis dos seus nove eleitos municipais.
Entretanto, com a formalização do pedido de impugnação do MpD, a Assembleia Municipal tem cinco dias para instruir o processo, para depois reencaminha-lo para o Tribunal Constitucional que terá a última palava nesse desentendimento entre os três partidos.
Num desenvolvimento de última hora, e em resposta ao que diz ataques à sua pessoa, António Monteiro disse, ontem, que a UCID vai recorrer também ao Tribunal Constitucional para impedir que Augusto Neves assuma a presidência da CMSV, por não deter nesse órgão a maioria dos votos (ver página 4).
Resta agora saber, no meio de tudo isso, se o pedido de impugnação do MpD, bem como o da UCID, têm ou não possibilidades de sucesso.
Por ora, das várias leituras existentes sobre a questão da Assembleia Municipal, não é líquido que o cabeça de lista da força política mais votada possa ser considerado “automaticamente” presidente desse órgão. As várias alterações introduzidas no Código Eleitoral, sem harmonizar contudo o resto do sistema da composição dos órgãos, são apontadas como uma das causas da confusão existente.
No caso da mesa da AM, a lei prevê que este órgão é eleito num segundo momento do proces
so eleitoral. Isto é, num primeiro momento são escolhidos os membros desse órgão, que, num segundo grau, têm competências para escolher os membros da mesa e das comissões especializadas, etc. Isto é feito por maioria e o MpD, neste caso da AM de São Vicente, não tem maioria.
Interpretações de conveniência
Para o MpD, a presidência da AMSV deve ser exercida pelo cabeça-de-lista mais votado, “independentemente de quem quer que seja”, defende o jurista e deputado do MpD, João Gomes.
“O MpD entende que o artigo 67º, números 1 e 3, do Estatuto dos Municípios dá a presidência da Assembleia Municipal ao cabeça-de-lista mais votado”, realça João Gomes, explicando que o número 1 diz que “a mesa cessante chama o cabeça-de-lista mais votado para formar a mesa provisória, acompanhado de dois eleitos mais novos”.
Acrescenta, porém, que, depois, “o número 3 vem dizer que, instalada a mesa provisória, a mesma irá conduzir os trabalhos da Assembleia e esses trabalhos têm dois pontos na agenda: primeiro, aprovar o regimento, segundo, eleger os outros dois membros da mesa definitiva”.
Este jurista entende que, mandando eleger os outros dois membros da mesa definitiva, “quer dizer que a Assembleia, no seu todo, vai eleger o vice-presidente e o secretário da mesa, que vão substituir os dois eleitos mais novos”.
Gomes reconhece, no entanto, que “a lei não é muito clara” e esclarece que a alínea a do artigo 81º estipula que “é competência dos eleitos municipais eleger a mesa. Quando diz eleger a mesa, é eleger o presidente, o vice-presidente e o secretário”.
“A lei não é clara e é utilizada pelas forças em presença de acordo com as conveniências. Nós entendemos que a eleição é do cabeça-de-lista mais votado e a oposição entende que cabe aos eleitos fazer essa escolha. E como conseguem juntar mais eleitos que o MpD, em conjunto escolhem quem entendem”, sublinha João Gomes, afirmando que “nós respeitamos, mas não concordamos com a interpretação que eles estão a fazer da lei”.
O MpD vai fazer dois pedidos ao Tribunal Constitucional: primeiro, que seja impugnado o processo de eleição da mesa da AMSV, “porque entendemos que a presidente deve ser o cabeça-de-lista da lista mais votado”, e o segundo, caso, o primeiro pedido não for atendido, que “o MpD faça parte da mesa, em respeito do princípio de proporcionalidade, tendo em conta o facto de ter sido a força mais votada”.
Segundo João Gomes, uma das razões fundamentais que leva o MpD a apresentar esse pedido de impugnação da eleição da mesa da AMSV “é precisamente que venha a existir jurisprudência do Tribunal Constitucional para pôr cobro a esta situação”, porquanto “neste momento reina um mundo de incertezas”.
João Baptista Pereira, jurista e deputado - PAICV
Também jurista e deputado do PAICV, João Baptista Pereira admite, por seu lado, que o pedido de impugnação, interposto pelo MpD, será uma oportunidade para o Tribunal Constitucional esclarecer a questão relacionada com a eleição da mesa da AMSV.
Esse dirigente do PAICV considera que o Estatuto dos Municípios “tem um erro” e “uma contradição do ponto de vista da redacção da norma que pode induzir a erro”. Exemplifica com o artigo 67º que diz, no seu número dois, “que será constituída uma mesa provisória, com o cabeça-de lista da lista mais votada com vista a aprovação do regimento e eleição dos outros membros da mesa, facto que pode inculcar a ideia de que o presidente da mesa provisória é automaticamente presidente da mesa definitiva”.
Porém, ao consultar o artigo 68º, “que trata a questão de forma mais completa, fica-se a saber que a mesa é composta por um presidente, um vice-presidente e um secretário, eleito para o mandato, por maioria absoluta dos membros dessa assembleia”. Para este jurista, isto significa que a eleição do presidente da mesa acontece na Assembleia, em segunda votação.
João Baptista Pereira é de opinião que o Tribunal Constitucional não terá outra saída que não a interpretação sistemática do Estatuto do Municípios: “A interpretação literal apenas do artigo 67º pode induzir em erro. O próprio Código Eleitoral e a Constituição da República nos indicam que as candidaturas são para os órgãos e nesse caso é para a Assembleia”.
Geraldo Almeida, jurista próximo da UCID
O jurista Geraldo Almeida, próximo da UCID, afirma que se o MpD considera que tem razão para impugnar a eleição da mesa da AMSV “deve fazê-lo para que este assunto possa ser esclarecido cabalmente”. Contudo, faz questão de realçar que “não há fundamento” naquilo que o MpD contesta e reclama.
“Se fizermos uma interpretação de acordo com a Constituição da República e do princípio democrático que, por sua vez impõe o princípio da maioria, não há razão para impugnar esse acto”, defende.
Contudo, segundo Almeida, com este pedido de impugnação da eleição da mesa da AMSV, o MpD corre o risco de vir a ter mais uma derrota. “Há esse risco, mas compete ao Tribunal Constitucional considerar se têm razão, ou não”, conclui.