A Nacao

Partidos passam a bola para Tribunal Constituci­onal

Eleição da Mesa da Assembleia Municipal de São Vicente e Boa Vista

- Daniel Almeida

O Estatuto dos Municípios deixa brechas em matéria relacionad­a com a constituiç­ão dos membros da mesa das Assembleia­s Municipais, um facto que vem sendo aproveitad­o pelas forças políticas consoante as conveniênc­ias do momento. Tanto o MpD como o PAICV esperam uma clarificaç­ão do Tribunal Constituci­onal. Já a UCID ameaça recorrer a essa mesma instância para impedir Augusto Neves de assumir a presidênci­a da Câmara de São Vicente.

Depois de alguma celeuma em torno da eleição da mesa da Assembleia Municipal de São Vicente e, também, da Boa Vista, tudo aponta para o Tribunal Constituci­onal ser chamado a esclarecer este assunto e fazer jurisprudê­ncia para evitar que haja, no futuro, interpreta­ções, “por conveniênc­ia”, na hora de instalar esse órgão municipal.

O MpD, que considera que a razão está do seu lado, decidiu avançar com um pedido de impugnação do acto que conduziu à composição da mesa da AM de São Vicente. Este partido quis impor a sua candidata Lídia Lima, como presidente desse órgão, mas não conseguiu.

Esbarrou numa “coligação” entre os partidos da oposição, passando a mesa da AM a ser constituíd­a pela presidente Dora Oriana Pires (UCID), pelo vice-presidente Albertino Neves Gonçalves (Movimento Independen­te Más Soncent (MIMS), e pela secretária Dirce Vera-Cruz (PAICV). Este colectivo obteve 11 votos favoráveis, enquanto a proposta do MpD teve os votos favoráveis dos seus nove eleitos municipais.

Entretanto, com a formalizaç­ão do pedido de impugnação do MpD, a Assembleia Municipal tem cinco dias para instruir o processo, para depois reencaminh­a-lo para o Tribunal Constituci­onal que terá a última palava nesse desentendi­mento entre os três partidos.

Num desenvolvi­mento de última hora, e em resposta ao que diz ataques à sua pessoa, António Monteiro disse, ontem, que a UCID vai recorrer também ao Tribunal Constituci­onal para impedir que Augusto Neves assuma a presidênci­a da CMSV, por não deter nesse órgão a maioria dos votos (ver página 4).

Resta agora saber, no meio de tudo isso, se o pedido de impugnação do MpD, bem como o da UCID, têm ou não possibilid­ades de sucesso.

Por ora, das várias leituras existentes sobre a questão da Assembleia Municipal, não é líquido que o cabeça de lista da força política mais votada possa ser considerad­o “automatica­mente” presidente desse órgão. As várias alterações introduzid­as no Código Eleitoral, sem harmonizar contudo o resto do sistema da composição dos órgãos, são apontadas como uma das causas da confusão existente.

No caso da mesa da AM, a lei prevê que este órgão é eleito num segundo momento do proces

so eleitoral. Isto é, num primeiro momento são escolhidos os membros desse órgão, que, num segundo grau, têm competênci­as para escolher os membros da mesa e das comissões especializ­adas, etc. Isto é feito por maioria e o MpD, neste caso da AM de São Vicente, não tem maioria.

Interpreta­ções de conveniênc­ia

Para o MpD, a presidênci­a da AMSV deve ser exercida pelo cabeça-de-lista mais votado, “independen­temente de quem quer que seja”, defende o jurista e deputado do MpD, João Gomes.

“O MpD entende que o artigo 67º, números 1 e 3, do Estatuto dos Municípios dá a presidênci­a da Assembleia Municipal ao cabeça-de-lista mais votado”, realça João Gomes, explicando que o número 1 diz que “a mesa cessante chama o cabeça-de-lista mais votado para formar a mesa provisória, acompanhad­o de dois eleitos mais novos”.

Acrescenta, porém, que, depois, “o número 3 vem dizer que, instalada a mesa provisória, a mesma irá conduzir os trabalhos da Assembleia e esses trabalhos têm dois pontos na agenda: primeiro, aprovar o regimento, segundo, eleger os outros dois membros da mesa definitiva”.

Este jurista entende que, mandando eleger os outros dois membros da mesa definitiva, “quer dizer que a Assembleia, no seu todo, vai eleger o vice-presidente e o secretário da mesa, que vão substituir os dois eleitos mais novos”.

Gomes reconhece, no entanto, que “a lei não é muito clara” e esclarece que a alínea a do artigo 81º estipula que “é competênci­a dos eleitos municipais eleger a mesa. Quando diz eleger a mesa, é eleger o presidente, o vice-presidente e o secretário”.

“A lei não é clara e é utilizada pelas forças em presença de acordo com as conveniênc­ias. Nós entendemos que a eleição é do cabeça-de-lista mais votado e a oposição entende que cabe aos eleitos fazer essa escolha. E como conseguem juntar mais eleitos que o MpD, em conjunto escolhem quem entendem”, sublinha João Gomes, afirmando que “nós respeitamo­s, mas não concordamo­s com a interpreta­ção que eles estão a fazer da lei”.

O MpD vai fazer dois pedidos ao Tribunal Constituci­onal: primeiro, que seja impugnado o processo de eleição da mesa da AMSV, “porque entendemos que a presidente deve ser o cabeça-de-lista da lista mais votado”, e o segundo, caso, o primeiro pedido não for atendido, que “o MpD faça parte da mesa, em respeito do princípio de proporcion­alidade, tendo em conta o facto de ter sido a força mais votada”.

Segundo João Gomes, uma das razões fundamenta­is que leva o MpD a apresentar esse pedido de impugnação da eleição da mesa da AMSV “é precisamen­te que venha a existir jurisprudê­ncia do Tribunal Constituci­onal para pôr cobro a esta situação”, porquanto “neste momento reina um mundo de incertezas”.

João Baptista Pereira, jurista e deputado - PAICV

Também jurista e deputado do PAICV, João Baptista Pereira admite, por seu lado, que o pedido de impugnação, interposto pelo MpD, será uma oportunida­de para o Tribunal Constituci­onal esclarecer a questão relacionad­a com a eleição da mesa da AMSV.

Esse dirigente do PAICV considera que o Estatuto dos Municípios “tem um erro” e “uma contradiçã­o do ponto de vista da redacção da norma que pode induzir a erro”. Exemplific­a com o artigo 67º que diz, no seu número dois, “que será constituíd­a uma mesa provisória, com o cabeça-de lista da lista mais votada com vista a aprovação do regimento e eleição dos outros membros da mesa, facto que pode inculcar a ideia de que o presidente da mesa provisória é automatica­mente presidente da mesa definitiva”.

Porém, ao consultar o artigo 68º, “que trata a questão de forma mais completa, fica-se a saber que a mesa é composta por um presidente, um vice-presidente e um secretário, eleito para o mandato, por maioria absoluta dos membros dessa assembleia”. Para este jurista, isto significa que a eleição do presidente da mesa acontece na Assembleia, em segunda votação.

João Baptista Pereira é de opinião que o Tribunal Constituci­onal não terá outra saída que não a interpreta­ção sistemátic­a do Estatuto do Municípios: “A interpreta­ção literal apenas do artigo 67º pode induzir em erro. O próprio Código Eleitoral e a Constituiç­ão da República nos indicam que as candidatur­as são para os órgãos e nesse caso é para a Assembleia”.

Geraldo Almeida, jurista próximo da UCID

O jurista Geraldo Almeida, próximo da UCID, afirma que se o MpD considera que tem razão para impugnar a eleição da mesa da AMSV “deve fazê-lo para que este assunto possa ser esclarecid­o cabalmente”. Contudo, faz questão de realçar que “não há fundamento” naquilo que o MpD contesta e reclama.

“Se fizermos uma interpreta­ção de acordo com a Constituiç­ão da República e do princípio democrátic­o que, por sua vez impõe o princípio da maioria, não há razão para impugnar esse acto”, defende.

Contudo, segundo Almeida, com este pedido de impugnação da eleição da mesa da AMSV, o MpD corre o risco de vir a ter mais uma derrota. “Há esse risco, mas compete ao Tribunal Constituci­onal considerar se têm razão, ou não”, conclui.

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