“Rumo diferente do norteado nos últimos tempos”
Nos 51 anos da Associação Caboverdeana de Lisboa, a segunda presidente-mulher promete
Em 51 anos de História da Associação Caboverdeana – ACV - de Lisboa – em Portugal -, é a segunda vez que acontece uma liderança feminina na Colectividade.
Abordada por a NAÇÃO, a nova Direcção, eleita, semana passada, assegura que, “a rigor da verdade”, desta feita, ainda que com serenidade e sentido de aproveitamento de todo o potencial humano associativo, existe um colectivo paritário,”em termos de género e harmonioso em termos geracionais”.
De acordo com Filomena Vicente, o que “realmente aconteceu”, foi uma progressão considerável em matéria de liderança feminina, em contexto da igualdade de género e, obviamente, com reflexo no teor e no nível de gestão para o biénio” de mandato.
Liderando a Lista B, sob o lema: “Uma Candidatura de Mudança”, Vicente sustenta que fê-la na premissa de que introduziria “um rumo diferente, daquele norteado nos últimos anos, naturalmente, dando continuidade ao que de positivo foi realizado, e viríamos inscrever novos ciclos de acção, ajustando a Associação aos novos tempos”.
E revela: “De há muito que estávamos a precisar de introduzir mudanças, algumas até essenciais, como o claro e inequívoco regresso ao activismo comunitário e a reposição do foco nas grandes questões da integração das comunidades cabo-verdianas”.
Mudanças
A novel presidente da ACL insiste que havia e há necessidade de “mudanças”, atendendo a que se precisava de uma maior assunção do “enraizamento comunitário, sendo parceira activa na resolução dos problemas de Saúde, Educação, Trabalho e Integração da nossa gente”, em ordem a que se possa dar melhor contributo para um diálogo mais fluído e mais profícuo, baseado em direitos, no multiculturalismo e na progressão social.
“Tudo isso, para que possamos recentrar o foco no empoderamento suave, mas gradual e resoluto, das várias comunidades que hoje são a sociedade portuguesa, de que a cabo-verdiana é das mais significativas em número e em tempo histórico”, argumenta Fátima Vicente.
Em termos de marcas, Vicente garante que haverá uma mudança no seu consulado, em termos de
“estilo e de conteúdo de liderança, sem fazer tábua rasa à gestão anterior”, que, acredita, ter ligado com algumas circunstâncias difíceis e alguns condicionalismos que não foram possíveis transpôr.
Vicente preconiza “uma gestão mais colegial e partilhada, uma liderança mais aberta aos sócios e às sociais, e mais afoita”, em ordem a que a Associação diversifique a sua oferta social, cultural e institucional.
A novel líder promete “apelar ao regresso à participação activa de várias centenas de patrícios – e não só! -, de modo a fazerem parte do dia-a-dia associativo”, a par de mobilização e recrutamento de novos membros.
“É preciso devolver a Associação à massa associativa e torná-la a nossa principal razão de ser”, remarca.
Mais presença nos bairros
Depois de dois anos de Governança, seguramente, a ACL será “uma instituição mais presente nos bairros, mais participante com os profissionais da nossa Comunidade e mais colaborante” nos projectos dos patrícios.
“Trabalharemos em prol dos cabo-verdianos, em parceria com a Embaixada e com as instituições cabo-verdianas, com o Alto Comissariado para as Emigrações e com as instituições portuguesas, com vários projectos a funcionarem, com ofertas culturais e recreativas mais alargadas, com mais inter-acção com as comunidades não cabo-verdianas e, pela certa, resgatando a áurea de um parceiro de referência para Cabo Verde e para Portugal”, anuncia a interlocutora do A NAÇÃO.
Discurso anacrónicos
Fátima Vicente fez e venceu a ACL com uma Lista com muitos não-cabo-verdianos, mas rebate os críticos que isto implique a descaracterização da Colectividade.
“A lista vencedora teve muitos cabo-verdianos, o que se reflecte, aliás, na composição dos novos Corpos Sociais. Cumprimos, rigorosamente, os Estatutos, que rezam que um terço dos titulares podem não ser cabo-verdianos, desde que se revejam nos fundamentais da ACV. Foi o que aconteceu. Houve, por razões que a Razão não explica, alguma insinuação maldosa, diria até racista e chauvinista, por parte de pessoas bem localizadas de que tais não cabo-verdianos, estatutariamente integrados, repito, iriam descaracterizar a matriz e o cariz da Associação”, justifica, denunciando “os discursos anacrónicos, até perigosos, ter um ou outro cabo-verdiano em Portugal ou em qualquer País a defender princípios de exclusão e de isolamento, quando o nosso propósito, sem perda de identidade e de personalidade, queremos mais integração, mais reconhecimento e mais visibilidade”.
E remata: “Só espero que tais portadores de estes discursos e estas posturas não apareçam, depois, em iniciativas político-partidárias, a falar em nome da nossa Comunidade, pois, as palavras e os actos, como tudo na vida, têm peso e ocupam espaço”, assegurando que, “no que nos compete, estaremos a estreitar laços, a construir pontes e a alargar redes”.
Reconfiguração
A novel dirigente promete apostar numa abordagem Social e Comunitária da ACV, que, ”em significado bem terra-a-terra”, que o seu trabalho vai focar em ajudar as pessoas da Comunidade e não ficar confinados ao 8º Andar, do Duque de Palmela, no Centro de Lisboa.
“Seremos, doravante, uma Associação que vai ao terreno e terá, na agenda, as grandes questões da nossa Comunidade. Com identidade cabo-verdiana bem presente, mas ciente de sermos uma Associação inscrita em Portugal e sob a Legislação Portuguesa, vamos tirar desta realidade todo o seu potencial para ajudar a nossa gente”, promete.
A nova dirigente da ACL assegura que vai continuar com “o legado positivo que herdou”, designadamente, “os almoços-dançantes”, mas que se irá para além disso.
“Os lançamentos de livros e palestras continuarão, mas podemos fazer mais do que isso. A venda de livros continuará a ter espaço, mas poderemos ser um ponto de referência aos produtos ‘made in Cabo Verde’. Há que ter um pequeno quiosque de Cabo Verde e de outras comunidades. Não é nossa intenção destruir nada, mas reconfigurar tudo e trazer coisas novas”, avisa Vicente, anunciando ajuda na atracção para o Turismo e para a ampliação do investimento em Cabo Verde, uma vez que a ACL tem por missão promover o Arquipélago.
Abertura ao diálogo
Confrontada com a possibilidade de ter havido alguma divisão no processo de eleição, a novel líder, responde que, em havendo, não se deveu à postura da então Lista B, e nem será incorporada pela nova Direcção.
“Somos, por natureza e vocação, abertos ao diálogo, ao entendimento e à valorização do contributo de todos. Não comungamos da ideia redutora que diz: ‘Agora é a vez dos mais jovens!’”, mas sim, do ideário da convivialidade de gerações, de géneros, de visões e de projectos”, contrapõe, acreditando que, os que, neste momento, “andam amuados ou mesmo desavindos, cedo ou tarde terão a certeza de que a porta está sempre aberta e que o novo ciclo da vida associativa é inclusivo e participativo, sem segundas intenções, nem cartas na manga”.
Aliás – prossegue -, “a transparência e as boas-práticas associativas serão o apanágio da nossa gestão”.
Vicente defende a adaptação dos Estatutos “às novas realidades, para permitir melhor clareza eleitoral, maior controlo da Assembleia-Geral, mais prestação de contas, mais rigor no uso da coisa associativa e mais confluente às das associações hoje”, com activa parceria com o preconizado pela União Europeia.
E anuncia: “Uma das nossas intenções é convocar alguns juristas, para uma reengenharia estatutária mais moderna e mais ‘antenada’ com a década que vivemos”.
Novos tempos
A sustentabilidade tem sido a fraqueza e, consequentemente, razão de algum definhamento da ACL.
“Há muitos projectos, financiados ou co-financiados pela União Europeia, do Estado Português ou mesmo do Estado Cabo-Verdiano, que em muito ajudariam a dinâmica associativa e que é preciso olharmos para eles, pois, são parte do nosso objecto social”, realça, admitindo que se tem de buscar novas fontes de apoio, prestando serviços de utilidade social, comunitária e cultural. Na avaliação de Vicente, há que se capacitar a Associação, para se auto-sustentar.
Ademais – acrescenta -, é tempo de se trabalhar um problema crítico: o pagamento regular das quotas.
“A Associação deve ser, consequentemente, uma resultante da vontade colectiva, que se obriga a quotizar-se para que funcione. Isto, sem descurar as actividades várias que, não são comerciais, mas precisam de contribuições dos que dela usufruem, para a sua sustentabilidade, ainda que, em muitos casos, de contribuições simbólicas”, avança, destacando que a Tesouraria e a secretaria terão de ter uma dinâmica consequente nesta nova fase.
Referente às parcerias, garante que nada irá para o “caixote de lixo da história”, até porque, a memória boa ou má de tudo, sempre é uma resultante positiva.
“Todas as parcerias serão continuadas e recuperadas. Mas como já disse, voltaremos à ideia de um ‘Network’ de Todas as Associações Cabo-Verdianas em Portugal, abordaremos, em Cabo Verde, as Câmaras de Comércio e de Turismo, as instituições de apoio aos emigrantes, os deputados pelo Círculo da Europa, a Santa Casa da Misericórdia, a Cruz Vermelha de Cabo Verde, a Embaixada, as demais associações comunitárias da CPLP – Comunidade dos Paíes de Língua Portuguesa -, a própria CPLP, enfim, estamos já a construir uma lista e um roteiro exaustivo de contactos”, revela, remarcando que “os novos tempos exigem bons amigos e parceiros activos”.
Parceria solidária
A ACV está atenta na prevenção e na luta contra a Pandemia de COVID-19, especialmente, na sua incidência em Portugal e em Cabo Verde, abrindo espaço para a parceria solidária.
“A Associação não pode ser um elemento passivo perante os problemas que afectam a nossa Comunidade, nem deve se posicionar do lado do problema, quando fomos eleitos para solucionar ou, se tanto, dar o nosso modesto, mas sempre pronto, contributo para as soluções”, avança Vicente.
Para já – realça -, deve-se “colaborar, mais activamente”, com a Comunidade da Saúde em Portugal e dar mais espaço e mais apoio, na medida das possibilidades, aos médicos, enfermeiros e outros profissionais de Saúde cabo-verdianos e outros.
“A vacina está aí a chegar, nos primeiros dias e meses do Novo Ano. Temos, enquanto Associação, fazer uma ampla articulação, para que as comunidades imigradas, muitas em situação de risco, sejam universalmente contempladas, em prol do interesse geral”, propõe, relevando que “o papel prático é, entrarmos, de imediato, na prevenção e no combate, em articulação com os que lideram o processo”.
A modos de repto, a novel presidente da ACL tranquiliza que “não viemos contra ninguém, mas a favor de todos e a Governança Associativa será aberta”.
E anuncia: “Acertaremos com a nova Mesa da Assembleia-Geral, encontros regulares com o universo dos associados e das associadas, para lhes dar o tento das grandes mudanças e pedir-lhes aval e respaldo das transformações de fundo”, assegurando que “sabemos ao que viemos e estamos empenhados a cumprir o que prometemos”, pois, “é um novo tempo!”