Calú Lopes faz da arte “arma” de cidadania
Carlos Lopes, ou Calú, é de Fajã dos Cumes, ilha de Santo Antão. Define-se como um homem de cultura apaixonado pelo artesanato. Batique, reciclagem, pinturas, costura e várias outras vertentes artesanais fazem de Calú num artista de várias faces. A isso passou a juntar o audiovisual.
Muito cedo aprendeu a dar valor a liberdade, quando, aos 19 anos, foi preso. Uma fase de vida menos boa, mas que Calú Lopes diz ter sido determinante para que se tornasse naquilo que é hoje.
“Não tenho problemas em falar disso. Sempre falo desta etapa da minha vida, pois é um dos acontecimentos que me engrandeceram enquanto pessoa. Aprendi com os meses de cadeia. Não sou o que fui no passado, mas o que posso ser a partir de hoje”, é a sua filosofia de vida.
Desde então, formou-se em turismo rural e comunidades, é líder associativo e formador. Hoje, aos 36 anos, Carlos Lopes diz ser uma referência não só no meio artesanal, mas também entre os reclusos, já que também ministra formações e palestras nas cadeias, ciente de que as pessoas podem ser diferentes e melhores a cada dia.
A arte, segundo Calú, transforma as pessoas e que ele próprio é um exemplo disso. “Sou um jovem decidido a colocar as mãos e fazer. Quando queremos aprender acabamos por nos enriquecer e conquistar os nossos sonhos”.
Arte como cidadania
Calú é mentor da marca “Terra d’ Soded”, uma plataforma de divulgação de artistas e da cultura santantonense que, para além do artesanato, tem-se transformado em uma ferramenta de cidadania activa.
O “Terra d’Soded” surge, segundo o nosso entrevistado, da necessidade de se ter uma
Com uma trajectória de vida à volta da arte, Carlos Lopes, artesão e agora também produtor de conteúdos audiovisuais, é um exemplo de persistência. Preso aos 19 anos, vê na arte uma poderosa arma de inclusão social. Gratidão e ousadia definem Calú Lopes. Ricénio Lima *
identidade cultural sólida e que exalte a cultura de Santo Antão. Desde o surgimento, actua na intervenção social, homenagem de figuras da ilha, e nas escolas actua através da arte educativa. “Temos essa preocupação de levar arte às escolas e semear sementes, numa ilha em que não temos nada e sem dinâmica cultural”, diz Calú.
Esse tipo de intervenção acontece, também, no sentido de descobrir talentos, motivar sonhos e dar oportunidades aos alunos. “A actuação nas escolas vem neste sentido. Capacitar com arte para evitar outros problemas, como a criminalidade. Não posso condenar alguém que vá para o mundo das drogas, quando que não teve oportunidade de estudar. Acredito que se eu tivesse outras oportunidades eu não ia parar na prisão”.
Santo Antão em vídeo
O projecto tem-se inovado. Passou a produzir conteúdos audiovisuais, como reportagens nas quais expõe a realidade e as fragilidades de várias comunidades do mundo rural, escondidas entre as belezas de Santo Antão. Relataram, por exemplo, a realidade dos moradores de Bolona e das mulheres do Planalto Leste, que trabalham na conservação do perímetro florestal por 249 escudos por dia.
O trabalho do “Terra d’Soded” tem sido elogiado, mas também criticado, principalmente, por autoridades políticas locais. “Não temos uma sociedade preparada para dizer que alguém está a passar fome, se eu disser isso sou logo catalogado disto e daquilo. No entanto não é segredo: há muitas vulnerabilidades em Santo Antão; da nossa parte queremos expor essas realidades e mobilizar apoios”, diz Carlos Lopes. “Ver e não dizer nada, não denunciar, é ser cúmplice com o que está mal na nossa terra”.
Sucesso e orgulho
O projecto, entretanto, mantém-se forte, com novos planos em carteira e com perspectiva de expansão. Carlos Lopes mostra-se orgulhoso na pessoa em que tornou e nos feitos que tem conquistado ao longo do tempo.
“Hoje quando vejo este homem, que já foi preso, vejo um homem que é ‘doido’ nos quatro filhos, uma pessoa que ama o que faz, que tem amor à terra, que é apaixonado pelo artesanato e que se tornou numa referência para os filhos”, finaliza.
Cheio de ideias e sonhos por realizar, Calú Lopes segue firme na conquista de sonhos, na promoção da cidadania e no objetivo de colocar a cultura e as gentes de Cabo Verde na boca do mundo com o “Terra d’Soded”.