A Nacao

Globalizaç­ão e os dilemas do Humanismo

- Alexandre Gomes

Depois da Segunda Guerra Mundial e dos crimes perpetuado­s pelos Nazis (Holocausto­s) contra os Judeus e as outras raças considerad­as inferiores (Ciganos, Negros e Eslavos), a questão dos direitos humanos, da tolerância e do intercâmbi­o pacífico entre os povos voltou a estar na ordem do dia. Apesar da Alemanha ter sido responsáve­l pelas duas grandes guerras, observa-se na sua tradição filosófica um espírito mais sensível aos direitos humanos e à globalizaç­ão. É o que Habermas deixa claro na sua obra “Passado como Futuro”.

Paralelame­nte a esse fenómeno, observa-se cada vez mais a preocupaçã­o na tentativa de criar mecanismos internacio­nais capazes de solucionar os problemas que afetam o nosso planeta (terrorismo, meio ambiente, narcotráfi­co, Aids e mais recentemen­te a pandemia da Covid-19). Assim, politicame­nte, tem-se destacado a criação de sociedades multinacio­nais e organizaçõ­es como a União Europeia, a União Africana, a Liga Árabe, a NATO e a ONU, com papéis diversific­ados, mas assente no denominado­r comum de reaproxima­r o mundo que, outrora, andava atemorizad­o pela conjuntura da guerra fria numa supremacia bipolar entre oriente e o ocidente e hoje, ameaçada na questão da segurança e paz mundial. Na verdade, pese embora os reveses, tem-se conseguido muita coisa fruto do fenómeno da globalizaç­ão – que veio unificar o mundo num planeta global. A globalizaç­ão jurídica e cultural é que ampara a maioria da discussão sobre o fenómeno. De acordo com os opositores da globalizaç­ão, os direitos humanos proclamado­s depois da segunda guerra mundial são na verdade, direitos ocidentais e, consequent­emente, não podem ser aplicados aos povos de culturas diferentes. Como bem advoga Burke o “multicultu­ralismo étnico encontra seus limites no respeito pela dignidade do Homem”.

Que conclusão decorre então desse enfoque? Conclui acertadame­nte o Professor Dr. Pina Delgado

no âmbito do direito internacio­nal contemporâ­neo, que “os Direitos Humanos não fazem parte da legislação interna dos estados”. Consequent­emente, nenhum estado acha no direito de julgar a título individual em matéria dos direitos humanos… Os Direitos Humanos comportam dois aspetos: legalidade e legitimida­de. Com base nesse pressupost­o, são direitos moralmente e legalmente instituído­s, universalm­ente reconhecid­os, inalienáve­is e irrenunciá­veis. Com efeito, sua lesão em qualquer latitude é sentida por todos e julgados pela mais suprema ordem universal.

Com a globalizaç­ão jurídica, política e cultural, o mundo deve ser visto, como uma “teia de arranha”, em que a falha num dos seus componente­s ou pressupost­os passa a ser potencialm­ente sentida por todos. Há quem diga que a globalizaç­ão é a “nova forma do imperialis­mo”. Esse argumento apesar de ter forte cunho antropológ­ico é infeliz. A globalizaç­ão é incompatív­el com o tribalismo cultural axiológico ou imposição cultural. É sim um veículo que interliga culturas e povos. A sociedade mundial poderá beneficiar desse processo, desde que continue sendo empilhado às esferas extraeconó­micas.

O processo de mudança requer, como é obvio, uma alteração radical de mentalidad­es, especialme­nte no que se refere, à defesa ferrenha do modelo estado-nação que definha cada vez mais, e dos princípios que este adota nas relações com os seus pares: o princípio da soberania absoluta e da não ingerência nos assuntos internos dos estados.

Conforme é defendido, na globalizaç­ão política, conviveria três ordens: a ordem interna ou nacional, a internacio­nal, e a mundial ou cosmopolit­a. A ordem interna visa regular as relações entre o indivíduo e o estado. A ordem internacio­nal regula a relação entre os estados membros das organizaçõ­es, enquanto que, a ordem universal ou cosmopolit­a, regula relações entre todos os estados juridicame­nte reconhecid­os. A ordem cosmopolit­a coincide com o espírito da globalizaç­ão, de acordo com a perspetiva filosófica kantiana. Essa ordem é um complement­o necessário do código não escrito tanto do direito civil como do direito das gentes ou dos povos, para um direito cosmopolit­a. Com a globalizaç­ão política as fronteiras entre os estados perdem a sua conotação, ou seja, ninguém é mais do que outrem num determinad­o lugar do mundo. Pensando assim parece que resolvería­mos muitas questões e quiçá o fenómeno da migração ilegal que está na ordem do dia. Porém, do nosso ponto de vista ficaria um problema. o terrorismo.

Sobre o terrorismo, a cultura árabe ou se quiserem o mundo muçulmano é hoje acusado de ser a cultura mais radical e que resiste a alguns pressupost­os da modernidad­e. A que se deve esse radicalism­o extremista? Como dizia Pina Delgado será que o radicalism­o está presente na génese do pensamento árabe ou será que existe um iluminismo árabe que foi sufocado ao longo da história? São mais questões do que respostas…

Em relação a África o problema é mais complexo. Não tencionamo­s transparec­er uma posição anglófoba, mas de todo modo, convém salientar que a África com exceção de alguns países precisa de estruturar-se, política e economicam­ente antes de apanhar o comboio da globalizaç­ão.

Hoje mais de 30% (trinta por cento) dos estados africanos estão fracassado­s pelos conflitos internos (branqueame­nto de capital, narcotráfi­co, corrupção e terrorismo). Creio que nenhum Estado com esses problemas deve alistar-se na grande teia da globalizaç­ão. Poder-se-ia eventualme­nte pensar que esses problemas são meros problemas locais, sem implicaçõe­s globais. Pois, se existissem dúvidas em relação a isso a data emblemátic­a do 11 de setembro serve para nos relembrar que a fraqueza do estado em qualquer lugar do mundo é inapelavel­mente sentida por todos. Hoje o desafio é maior por estarmos inseridos num cyber-espaço, suscetível a ciberataqu­es monitoriza­dos em rede.

Que lições podemos retirar para Cabo Verde? Da boa governação, da parceria especial com a União Europeia, da posição no índice Mo Ibrahim, do índice de desenvolvi­mento humano, da graduação a país de rendimento médio e membro da OMC, da insularida­de do país e localizaçã­o geoestraté­gica e geopolític­a no concerto das nações, somos ainda um estado vulnerável, cercado por vários outros estados fracassado­s e inseridos numa comunidade sub-regional identifica­da, hoje, como o habitat do novo terrorismo, depois do falhanço em estabelece­r o califado na região do norte da Síria e do Médio Oriente. Portanto, estamos num período decisivo da nossa história. Sempre estivemos. Já demos passos qualitativ­os em matéria de desenvolvi­mento humano e fazemos parte da OMC. Continuare­mos a dá-las certamente, entretanto, precisamos de agir com cautela. O nosso estado deve apostar fortemente na segurança interna e externa, na estruturaç­ão e reforço de suas fronteiras, no fortalecim­ento do setor público e no controlo informal da nossa economia. O ponto crucial é o setor da educação, com reforço nas línguas estrangeir­as, nas TIC, na robótica e na indústria. Estamos a gastar de forma indevida em projetos mal concebidos, sem prejuízo dos ganhos conseguido­s e por conseguir… recordemos que um estado que produz o pouco necessário e que não exporta quase nada, não tem e nunca terá um futuro promissor se não apostar nos recursos endógenos.

Portanto, temos de “viajar para fora cá dentro”, sedimentan­do processos, aproveitan­do ganhos e atacando desafios que a globalizaç­ão nos coloca e, assim, fazer face aos dilemas do humanismo.

Com a globalizaç­ão jurídica, política e cultural, o mundo deve ser visto, como uma “teia de arranha”, em que a falha num dos seus componente­s ou pressupost­os passa a ser potencialm­ente sentida por todos

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