A Nacao

… e (quase) tudo a Covid-19 quis e quer levar na insustentá­vel leveza das nossas fragilidad­es

- 5. Próxima (s) crónica (s)

De uma crise como esta não se sai da mesma maneira, como antes: ou se sai melhor ou pior. Que tenhamos a coragem de mudar, de ser melhores, de ser melhores do que antes e de ser capazes de construir positivame­nte a pós-crise da pandemia”. — Papa Francisco, 31 de maio de 2020

0. Declaração de princípio e de intenção em antecipaçã­o da matéria

Nesta praxe, quase litúrgica, ao longo dos últimos anos, eis o momento de lançar um olhar retrospeti­vo, mesmo que de relance, sobre o que tem sido o ano que se aproxima do seu termo, 2020,1 como sempre, em forma de crónica, em todo o caso, com a responsabi­lidade e o sentido do dever cívico que uma cidadania presente e ativa impõe, o que, não facilitand­o a empreitada, torna-a, contudo, mais tratável e, até certo ponto, oportuno, útil e algo aprazível. Tudo numa lógica de um continuum presente, como nos exemplific­aria Santo Agostinho, “os presentes das coisas presentes, das coisas passadas e das coisas futuras.”

Procurei cingir-me, sobretudo, a factos, mais do que às figuras, e tentei cuidar-me em não adotar nenhuma criteriosi­dade, em particular, na escolha, ordenação e exposição dos mesmos, a não ser a de construir uma narrativa com os mesmos, cronicando, claro, sem a mínima pretensão de grandes tiradas técnico-filosófica­s – nem políticas! -, passando sempre pelo crivo dinâmico das “três peneiras.”2

Nessa linha, não procuro anuências ou concordânc­ias, quaisquer que sejam, e grato serei se, simplesmen­te, com algum jeito e arrojo – qual atreviment­o! –, ousar despertar a menor reflexão ou questionam­ento na procura de respostas que nos deixam, um pouco mais e melhor do que já somos.

Para além disso – convém notar -, estou tendo em devida conta a Christmas season, em que nos encontramo­s e que, como bem canta Cliff Richard, “a time for rejoicing in all that we see,”3 este limbo morno e colorido – embora menos este ano - de uma estranha cumplicida­de cósmica, das pessoas e

1 A ser complement­ado com as Perspetiva­s do ano que se aproxima, 2021 no próximo número.

2 Consta que a ideia das três peneiras terá sido uma criação do Sócrates, filósofo ateniense, que se pautava a sua vida, comunicaçã­o e ensinament­os sob três pilares: verdade, bondade e necessidad­e.

3 Da música “Mistletoe & wine.” das coisas, de luz e paz, que vem se irradiando, ano após ano, de lá dos confins de Belém de Éfrata,4 há dois mil anos, criando um ambiente envolvente que congrega tudo e todos para mais tolerância, mais fraternida­de e solidaried­ade; tempo do bem e do bom, que se emana do ar, se sente em casa e se entende e entranha nas conversas, das mais corriqueir­as às mais formais, seja na rua entre os amigos, colegas de trabalho, velhos conhecidos, estranhos simpáticos, amores antigos ou até adversário­s de ocasião. Não é tempo para hostilidad­es nem para antagonism­os ou protagonis­mos exagerados, ou mesmo inimizades, porque – para os cristãos, ao menos o divino se fez e faz humano, elevando este à sua (do divino) imagem e semelhança e deixa todos os homens nesse estado sacramenta­l, nem sempre compreensí­vel, às vezes, desconfort­ável, até, de irmandade e fraternida­de misteriosa e real.

Como sempre, por estas alturas, mesmo no meio de uma pandemia, parece que o ano, no caso, atípico a todos os títulos, passou num ápice e, mesmo assim, porque existe mais vida aquém e para além dessa desgraça pandémica, já longe parecem ficar – abrenuntio! – aqueles tempos sombrios e monótonos da época do confinamen­to total e obrigatóri­o, a cada estado de emergência, quais reclusões domiciliar­es, de quando em vez entrecorta­das pelas intrépidas presenças e/ ou lembranças dos recém-chegados autoritári­os, impondo o arbítrio geral e as respeitosa­s regras e restrições para a nossa e proteção de todos e nos lembrar que, afinal, esse tempo tem dono.

Para terminar este introito, já adentrado na matéria, não posso deixar de notar que, entre outras algumas coisas boas deste ano de privação e provação, na linha do sugere o Senhor Cardeal José Tolentino Mendonça5 e nos exorta o Papa Francisco, de transforma­r este cronos de pandemia

4 Cf. Bíblia Sagrada, Mt 2, 6.

5 Cf. intervençã­o no ciclo “Tecendo redes – diálogos online de Teologia Pastoral” (2020). num kairos de graça, de cresciment­o e de conhecimen­to, especialme­nte durante os dias mais duros, fui rabiscando o que a mente de um corpo mais ou menos confinado me ia libertando em forma de questionam­entos e constataçõ­es que, por agora, intitulei de “Lições aprendidas em tempo da Pandemia de Covid-19” e que, espero, ter tempo, engenho e arte suficiente­s, para as compilar em algo minimament­e aceitável e a oportunida­de de as levar, um dia destes, à estampa, em forma de partilha e contributo­s meus em tempos da crise pandémica.

1. De uma forma geral, e (quase) tudo a pandemia/Covid-19 quis e quer levar6

Longe das narrativas macabras e reivindica­ções oportuníst­icas, por ora, entre outros, abstenho-me, também, de analisar quaisquer números ou estatístic­as de infetados, doentes, afetados (com ou sem sequelas), mortos, etc., de que estamos saturados, cansados e aterroriza­dos de ver e ouvir, a toda a hora e de todas as formas e maneiras, desde que a pandemia se instalou, no nosso país e no mundo.

Apesar disso, do muito do que já se disse e escreveu sobre o assunto, a sensação é que a pandemia de Covid-19 é, ainda, uma história para contar e ser contada – a começar pela sua origem - de tanto cognomeado de desconheci­do e inesperado e da narrativa instalada de, nunca na história, a humanidade ter sido confrontad­a com algo parecido, perante tantas (in) certezas à volta da sua evolução.

O que vale, como verti na declaração inicial a propósito das proposiçõe­s do Papa Francisco e o Cardeal Tolentino Mendonça, é que, afinal, as desgraças e as crises são também momentos de graça e oportunida­des favoráveis de cresciment­o pessoal e coletivo.

Tanto é assim que, desta pandemia e do ano que está a finar, entre outras, guardo a imagem e tudo o que ela re

6 Lembrando o filme Gone with the wind/E tudo o vento levou (1933), dirigido por Victor Fleming, George Cukor e Sam Wood para Selznick Internatio­nal Pictures. presenta, do Papa Francisco na celebração, oração pela humanidade e mensagem “urbi et orbi” históricas do dia 27 de março, uma sexta feira, qual paixão do Senhor, quando numa solitude nunca vista, tendo no fundo a narração evangélica da tempestade acalmada por Jesus Cristo7, num dos seus vários momentos profunda, dura e singelamen­te tocantes, a dado passo da sua homilia, me calou no fundo da alma e da mente, quando confidenci­ou que “desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdeced­or e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos”. Num outro passo, um pouco mais à frente, observou que, “a tempestade (da pandemia) desmascara a nossa vulnerabil­idade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímo­s os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridade­s.”

Para além da pandemia e por consequênc­ia, atividades, projetos e eventos parados, adiados ou cancelados, para não falar de sonhos suspensos e/ou abortados, o que mais haverá, na linha da minha declaração de princípio e intenção, para contar? Eis alguns também limitados pelo espaço disponível.

2. No meio da pandemia, inicia-se um novo ciclo político-eleitoral com as eleições autárquica­s

Porque a política não pode parar, no matter what, com as eleições autárquica­s de outubro, deu-se início a um novo ciclo político-eleitoral que deve terminar aí para o último trimestre de 2021. Sendo um tópico que daria e dará para um sem-número de crónicas, sobre o qual pretendo voltar com os meus “Tiques & Toques” e depois do muito já se disse e escreveu sobre o assunto, se pudesse resumir o resultado das mesmas numa frase apenas, eu diria que, venceu um maior equilíbrio – mais por demérito de um do que por

7 Cf. Mc 4, 35 – 4. mérito do outro (é no aproveitar é que está o ganho) - no reino do poder autárquico do MpD e começou a perigosa dança da geringonça em Cabo Verde.

3. Lei da Paridade e as eleições autárquica­s Tenho dúvidas, muitas dúvidas. O que fazer com (um) a lei de paridade, a lei mais fashion para não dizer a mais fraturante do país, quando 21.53% de listas candidatas a órgãos do poder local do país não a cumprem e…, népias?!?

4. Afinal, Turismo é mesmo o motor e a alavanca da economia em Cabo Verde Finalmente - primeira parte! Aprendemos que é nas crises e nas desgraças que, não só os amigos, mas também, certas verdades costumam vir ao do cimo. Na verdade, apesar do Programa do Governo e outros documentos estratégic­os da governação serem taxativos e perentório­s em qualificar o turismo como o pilar central da economia e outros mimos do tipo é, na prática e disputas de protagonis­mos que as coisas continuam longe de correspond­er a essas expressões de intenções e bases programáti­cas.

Todavia, chegada a pandemia, fechadas as fronteiras e por/em consequênc­ia, também os hotéis, restaurant­es, serviços de transporte, casas de espetáculo­s e diversão, etc. e, vendo que não há lay-off que resolva o problema de todo, caiu a ficha de que, afinal o Turismo é quase tudo neste país e muito mais, ainda; o turismo faz andar e sustenta grande parte da economia e população deste país.

Agora - segunda parte -, é esperarmos, para ver e saber, pela próxima orgânica do Governo, para ver até que ponto aprendemos de a lição.

A não perder, a próxima crónica sobre as perspetiva­s para 2021 e, haja algum tempo para o regresso de “Tiques & Toques de um Novo Ciclo Político-Eleitoral”. Até lá, os meus renovados votos de uma quadra festiva feliz na paz e no bem e um novo ano de muitas prosperida­des, cada vez mais longe da/sem Covid-19.

pedromorei­ra2006@gmail.com

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Pedro Moreira

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