Mais do que apatia, uma posição política
Ocientista político Daniel Henrique Costa, autor do livro “Dados Eleitorais de Cabo Verde”, considera que não votar pode ser enquadrado no âmbito dos direitos políticos e civis, portanto a abstenção tem cobertura legal.
“Considerando os dois princípios fundamentais de um regime democrático, a liberdade e a igualdade, não ir votar tem cobertura legal, constitucional. É um direito do cidadão fazer a sua escolha, então a cidadania não é beliscada se o individuo não votar”, explica Daniel Costa.
O jurista Belarmino Lucas corrobora a ideia e acrescenta que se ir às urnas reforça a cidadania de cada um, abster-se não implica deixar de ser cidadão. “Votar é um direito dos cidadãos, e o cidadão pode exercê-lo ou não consoante o seu posicionamento num determinado momento. No entanto, eu entendo que igualmente é um dever cívico e que a cidadania de cada um fica mais reforçada quando se exerce esse direito de voto”.
Já o sociólogo Redy Lima é peremptório: não votar é uma opção política, o que pode traduzir-se em cidadania. “Muitas vezes, nós temos que perceber porque as pessoas não votam. Perceber que o não voto é uma posição política também. Quer dizer que não se acredita nas pessoas que vão a voto. Portanto eu não acredito que a cidadania é deixada de lado ao não se exercer o direito de voto” expressa o sociólogo.
Sem beliscar a cidadania
Para Daniel Costa, quando o cidadão se abstém, o que está em causa é a legitimidade do poder de quem está no centro de decisão, portanto deve-se ter cuidado ao utilizar a famosa frase ‘não votaste, então não podes reclamar’.
“É perigoso para a cidadania achar que não ir votar belisca a cidadania, porque pode ser um traço autoritário. Temos que ter o cuidado de condenar quem escolhe abster-se, pois quando o cidadão se abstêm o que está em causa é a legitimidade do poder de quem está no centro de decisão, e não a do cidadão”, chama atenção o cientista político.
Na visão sociológica de Redy Lima, a política faz-se nas ruas, pelo que não é correcto negar o direito das pessoas reclamarem dos governos e dos governantes só porque elas escolheram não irem às urnas. “Isso é uma treta que inventam porque a política faz-se nas ruas. Faz-se todos os dias”.
E continua: “Não vale a pena dizermos que temos uma democracia se as pessoas vão votar e depois há uma transição e ninguém fala durante todo esse tempo. Para mim, quem vota é igual a quem não vota porque é um cidadão, paga impostos e mesmo que não paga impostos tem direito porque vive nesta sociedade. Eu não vou negar o direito às pessoas só porque não votam, é o que faltava”.
O voto não é a única forma de os cidadãos exercerem o seu direito cívico, a lei cabo-verdiana reconhece outras formas de exercício do direito democrático.
“Os direitos civis e políticos pressupõem outras formas e modalidades de participação que o indivíduo pode escolher. O voto é apenas uma dessas modalidades. As pessoas podem participar em manifestações, reuniões de grupo, emitir opiniões na imprensa, fazerem greves, escrever cartas para dirigentes políticos, entre outros”, explica Daniel Costa, como forma de mostrar que nem só de voto faz a cidadania.