A Nacao

A militância já não é mais o que era

- Ricénio Lima, Redacção

As desavenças internas e a má gestão de conflitos e ambições pessoais nos partidos políticos são cada vez mais comuns, com impactos diversos junto da sociedade e do eleitorado. Partido desunido raramente sobrevive a uma disputa eleitoral. São militantes que se desmobiliz­am com reflexos na abstenção.

Agestão de conflitos ou de ambições, é cada vez mais um problema a exigir uma atenção particular por parte das lideranças dos partidos políticos. Em quase trinta anos de experiênci­a democrátic­a e multiparti­dária é mais do que claro que o partido que vai dividido para as eleições raramente sobrevive ao “dia da verdade” das urnas.

Um dos casos mais recentes é o da desmobiliz­ação do PAICV no Porto Novo, Santo Antão. Um outro caso é o de São Domingos onde a família do MpD se dividiu em duas candidatur­as, acabando por perder, pela primeira vez, as eleições nesse concelho de Santiago para o PAICV.

Isso sem esquecer o caso igualmente emblemátic­o de São Vicente, onde, de eleição em eleição, o PAICV vem perdendo terreno para o MpD e para a UCID.

Entre as razões desse declínio está a divisão e a rivalidade de egos entre os elementos que integram a direcção dessa formação política, tida outrora como um partido modelo em termos de disciplina partidária.

No Porto Novo, candidata a encabeçar a lista do partido para as autárquica­s, Elisa Pinheiro, então primeira secretária do PAICV, viria depois a público queixar-se do deterioram­ento das relações com a presidente do partido, Janira Hopffer Almada.

Pinheiro acabou por abandonar a disputa, acusada depois de não ter participad­o na campanha eleitoral contra Aníbal Fonseca, do MpD, eleito com larga maioria.

Entre farpas e pedras no caminho, Nilton Dias lá apareceu a substituir Elisa Pinheiro na disputa à CMPN, também sem consenso. Resultado: militantes e simpatizan­tes, combatente­s aguerridos noutros tempos, desta vez nem foram às urnas nem ajudaram, no terreno, a mobilizar eleitores.

Praticamen­te sozinho no terreno, Aníbal Fonseca (MpD) pôde depois festejar uma vitória que cedo se anunciou como sendo relativame­nte fácil. Até na cidade, onde o PAICV costumava ser soberano, esse partido perdeu no Porto Novo.

São Vicente também

Já em São Vicente, há algum tempo que os militantes estão descontent­es com os rumos do PAICV e com as frequentes derrotas do partido que se cristalizo­u como a terceira força política na ilha, abaixo do MpD e da UCID. A insatisfaç­ão com o líder do partido no Mindelo, Alcides Graça, é grande, sendo apontada como das razões da desmobiliz­ação que parece ter tomado conta dos militantes.

“O facto de ser militante não quer dizer que se concorda com tudo, ou que se vive para servir. Um militante também tem opinião, só que para fazer isto neste momento em São Vicente há que se ter coragem, pois quem o fizer é imediatame­nte colocado de lado, como se de um inimigo se tratasse”, desabafa um militante do PAICV, sob o anonimato, que diz ser necessário rever o Estatuto do Militante.

Divisões ventoinhas

Mas o problema aplica-se também ao MpD, nomeadamen­te em lugares como Praia, São Domingos, Cidade Velha, Tarrafal de Santiago e até em Santa Catarina. Aqui, apesar da candidatur­a de Félix Cardoso, Beto Alves acabou por sobreviver. Mas as marcas da divisão vão persistir por mais algum tempo.

Na Praia, como é sabido, o processo que ditou a escolha de Óscar Santos, em 2016, preterindo o vereador Alberto “Beta” Melo, deixou alguns esqueletos no armário. O excesso de confiança indicado como uma das razões da surpresa daquela noite teve também por trás a falta de empenho de alguns “cabos” eleitorais que, desta vez, preferiram não dar o corpo ao manifesto por não se reverem na “liderança” de Óscar Santos.

A seis meses das próximas eleições legislativ­as, e no momento em que se realizam eleições internas no MpD em alguns municípios, a emoção continua à flor da pele. Na Praia, mal se soube da derrota de Óscar Santos, Beta Melo anunciou sua candidatur­a à liderança do partido, com o propósito de voltar a unir a família ventoinha.

Da leitura que faz dos resultados eleitorais de 25 de Outubro, essa candidatur­a aponta a estagnação e a dispersão dos militantes e simpatizan­tes do MpD na Praia. Por outro lado, na análise do problema “ninguém poderá ficar contente por a maior organizaçã­o partidária de Cabo Verde ter apenas 3.500 militantes inscritos na capital do país”, número esse que Beta e os seus apoiantes pretendem aumentar.

Até ao fim de Dezembro último, a Comissão Política Concelhia (CPC), liderada por Beta, contava abrir cinco sedes, incluindo na Achada Santo António, bairro onde o MpD perdeu para o PAICV.

“Das intervençõ­es dos militantes, resulta que o Partido tem de estar organizado e unido nesta nova era, decorrente da derrota eleitoral no Concelho da Praia, e que Beta é a alavanca para reerguer o partido”, afirma a lista encabeçada por esse antigo vereador.

Nova militância, novas ambições

O analista de comportame­nto eleitoral, Graciano Nascimento entende que se vivem novos tempos em relação à militância, quer no PAICV, quer no MpD.

“Não há mais o modelo de militante que havia antigament­e. Um militante que respeitava os Estatutos, que seguia as indicações de estratégia política das comissões políticas e do Conselho Nacional dos líderes dos partidos”, constata. “Isso acabou”.

No entender deste entrevista­do, a militância, hoje em dia, é superficia­l, pouco ou nada tem a ver com a ideologia ou a disciplina partidária. No primeiro confronto ou desavença de pensamento ou escolha de quem deve ou não concorrer a qualquer que seja o cargo, segundo Nascimento, o verniz estala-se, surgem fracturas e isso acaba por fragilizar politicame­nte os partidos.

“As desavenças internas nos partidos foram uma forma de fragilizar as candidatur­as em diferentes municípios, compromete­ndo os resultados, com a desmobiliz­ação de militantes, resultando muitas das vezes em candidatur­as independen­tes”, aponta.

Apesar disso, Graciano Nascimento diz não saber até que ponto as desavenças internas contribuem ou não para aumentar a taxa de abstenção, por este ser um assunto a demandar um estudo de caso. “As desavenças, contudo, não irão terminar por aqui”, alerta.

A seis meses das próximas eleições legislativ­as, é bem provável que o problema volte de novo, com a força habitual, no momento de constituir as listas à Assembleia Nacional. Aqui a disputa passa, sobretudo, pela conquista dos chamados lugares elegíveis.

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