A Nacao

“A nossa meta é fazer com que Cabo Verde sejaum modelo referencia­do a nível internacio­nal”

Rosana Almeida, Presidente do Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade de Género(ICIEG)

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OInstituto Cabo-verdiano para a Igualdade de Género(ICIEG) acaba de apresentar publicamen­te o guia para alunas e alunos e o manual para professore­s sobre a temática da igualdade de género. Qual é a importânci­a desta iniciativa?

É sem dúvida um passo histórico em matéria de igualdade de género. Os parceiros internacio­nais de Cabo Verde como a ONU Mulheres, o PNUD, a União Europeia e Espanha que é financiado­ra deste projeto já congratula­ram a instituiçã­o pela iniciativa. De facto, poucos países no mundo conseguira­m implementa­r esta temática no Ensino Básico e Secundário o que fez do arquipélag­o uma referência histórica neste domínio.

A introdução da igualdade de género no sistema educativo em Cabo Verde surge como o ponto alto da política de transversa­lização da abordagem de género em diversos sectores e vem na sequência do Plano Estratégic­o da Educação 2017-2021 que estabelece uma série de objetivos, nomeadamen­te a igualdade de género.

Metas da educação para igualdade de género

Quais são as metas que o ICIEG pretende alcançar nesse âmbito?

A meta do ICIEG responde ao primeiro projecto apresentad­o pelo Plano Estratégic­o de Educação para o Ensino Secundário que tem como objetivo “proporcion­ar um acesso equitativo ao Ensino Secundário a todos os jovens com idades iguais ou superiores a 13 anos, adaptando os critérios de admissão para os jovens dos grupos mais vulnerávei­s onde se incluem as necessidad­es educativas especiais e a igualdade de género”.

Este enfoque responde a uma tendência estabeleci­da há alguns anos e contempla, não só a necessidad­e de uma educação inclusiva, como também a necessidad­e de pôr fim aos estereó

Com o recente lançamento do guia para alunas e alunos e do manual para professore­s sobre a temática da igualdade de género que vai ser ministrada no Ensino Básico e Secundário, o ICIEG e os seus parceiros, entre eles as Nações Unidas, consideram que Cabo Verde deu um passo “histórico” e “notável” na transversa­lização do género na educação. Rosana Almeida, Presidente do Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade de Género (ICIEG), aborda nesta entrevista os meandros desta decisão assim como os ganhos e desafios que se prendem com a luta pela igualdade de género no país

tipos de género.

Por isso mesmo, um dos principais valores do plano é a promoção de “uma cultura de igualdade e não violência e a implementa­ção de estratégia­s e práticas institucio­nais adequadas às necessidad­es específica­s de rapazes e raparigas, para diminuir os fossos de género que se verificam no acesso e no sucesso educativo, assim como nas escolhas profission­ais”.

De fato, o sector da educação esteve sempre na primeira linha da luta pela igualdade de género. O trabalho com a juventude e com o corpo discente e docente, visando a desconstru­ção dos papéis de género é uma prioridade para o ICIEG.

Quando é que o ICIEG iniciou este processo de levar a temática da igualdade de género às escolas?

O ICIEG elaborou, em parceria com o Ministério de Educação, um programa visando reforçar acções preventiva­s nas escolas. Esse programa, financiame­nto pelo Fundo Fiduciário das Nações Unidas para Eliminar a Violência contra as Mulheres, permitiu obter, durante três anos, uma enriqueced­ora experiênci­a intitulada “Escolas Promotoras da Igualdade”.

No âmbito desse programa foram realizados debates sobre o género e acções de capacitaçã­o de professore­s e professora­s de onze (11) escolas do ensino secundário e treze (13) do ensino primário nas Ilhas do Sal, Santiago (Praia urbana) e Fogo. Esses debates também impulsiona­ram a produção de materiais para as escolas e campanhas televisiva­s de sensibiliz­ação.

Este trabalho tem sido continuado e aprofundad­o com diversas iniciativa­s focadas na criação de ambientes educativos mais igualitári­os e inclusivos. A modo de exemplo, podemos citar o concurso lançado recentemen­te, “Contos Igualdade de Género”, com a participaç­ão de alunos/as das escolas secundária­s do país.

O êxito destas experiênci­as reafirmam a necessidad­e de continuarm­os trabalhand­o nesta linha. É precisamen­te neste sentido que é desenhado o eixo de educação do projeto “Apoio ao Plano Estratégic­o do ICIEG para o combate da VBG mediante acções de sensibiliz­ação e formação”, aprovado em 2017 e financiado pela Cooperação Espanhola.

Este projecto é abrangente e inclui a formação e entrega de materiais aos diferentes profission­ais e instituiçõ­es públicas e não-governamen­tais que trabalham de forma directa com vítimas e agressores e com a VBG, e, ainda, no âmbito do desenho de políticas públicas e da educação.

É nesse âmbito que também se enquadra a produção de um manual sobre igualdade de género para professore­s do ensino secundário e um guia prático para alunos/as do ensino secundário.

A introdução desta temática no secundário visa melhorar os conhecimen­tos sobre igualdade de género existentes nos espaços educativos, facilitar ao corpo docente a operaciona­lização da transversa­lidade do género no âmbito educativo mediante exemplos práticos; explicar de forma acessível e prática a importânci­a do uso de uma linguagem inclusiva, não-sexista ou discrimina­tória; dar uma especial atenção à deteção e resposta a casos de VBG entre adolescent­es; dar especial atenção às temáticas como o bullying, apontar a diversidad­e como mais-valia e a coeducação afetivo-sexual; utilizar protocolos concretos de dete

A Nação

ção e prevenção da VBG nos centros escolares.

Luta pela igualdade de género

Quais são os principais ganhos e desafios da luta pela igualdade de género em Cabo Verde?

A igualdade de género é uma grande conquista em Cabo Verde. Hoje, a juventude cabo-verdiana não aceita a naturaliza­ção da violência e os homens estão a participar cada vez mais nos cuidados dos respectivo­s lares. A VBG está a baixar (11%) segundo o IDSR3 e as infraestru­turas de acolhiment­o das vítimas montadas no país permitem-nos falar com propriedad­e numa verdadeira municipali­zação do serviço de atendiment­o às vítimas.

A temática está na ordem do dia, e já não passa indiferent­e a ninguém. Apostamos fortemente na comunicaçã­o para mudança de comportame­ntos. Trabalhar esta temática de uma forma transversa­l fez com que Cabo Verde fosse hoje classifica­do como um dos países mais progressis­tas do continente e com avanços dignos de registo e devidament­e anotados pelas ONU mulheres e pelo PNUD.

A transversa­lização tem sido a bandeira do ICIEG que vem apostando na promoção de uma cultura de não violência e de tolerância, trabalhand­o novas masculinid­ades. O envolvimen­to dos homens é vital para um Cabo Verde mais igualitári­o, até porque nenhuma luta contra a violência deve ser travada deixando o homem fora deste processo.

Orçamento de Estado sensível ao género

Em concreto, quais são os ganhos mais importante­s a nível da igualdade de género?

A implementa­ção do Orçamento de Estado sensível ao género e a introdução desta temática no Plano de Desenvolvi­mento Sustentáve­l, são, a título de exemplo, dois grandes ganhos alcançados pelo ICIEG, que, como já sublinhei, fez da transversa­lização uma bandeira nacional. As políticas de equidade desenhadas abrangeram 86% dos sectores da vida nacional.

Hoje, Cabo Verde, que já vai no quinto plano de igualdade de género, introduziu esta temática nos cursos de formação profission­al, envolvendo a Escola de Hotelaria e Turismo (EHTCV), o Centro de Energias Renováveis e Manutenção Industrial (CERMI), o Instituto do Emprego e Formação Profission­al (IEFP) e o Centro de Investigaç­ão e Formação em Género e Família (CIGEF) que é uma unidade da Universida­de de Cabo Verde (Uni-CV).

Por sua vez, o sector do turismo já dispõe de um ambicioso plano de transversa­lização de género. Destaco ainda que Cabo Verde já aderiu à plataforma de direitos LGBTI, sendo o único país africano a constar nesta lista.

A nossa meta não é impactar apenas o país, mas fazer com que Cabo Verde seja um modelo referencia­do a nível internacio­nal, a começar pelo continente africano. Este passo já esta sendo dado e as intervençõ­es do ICIEG a nível internacio­nal em vários fóruns, nomeadamen­te das Nações Unidas, União Africana, da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) têm sido elogiadas por estas instâncias internacio­nais.

Impacto da Lei de Paridade

Para ICIEG, qual é o impcto da Lei de Paridade aprovada pelo Parlamento cabo-verdiano?

O ICIEG está convicto de que o impacto da Lei de Paridade irá reverter o quadro de representa­ção das mulheres na política e nos cargos da decisão. Os resultados da última eleição autárquica realizada no país mostram a mudança do quadro de participaç­ão e representa­tividade da mulher na política, com 40,9% de mulheres eleitas Presidente­s das Assembleia­s Municipais, e mais de 40% nos órgãos eletivos, nomeadamen­te para vereadoras da Câmara Municipal e para deputadas da Assembleia Municipal. É um resultado histórico!

Caminhamos de olhos postos nas próximas eleições legislativ­as de modo a fazer com que o parlamento cabo-verdiano seja um dos mais paritários de África. O ICIEG também quer mais mulheres no próximo Governo e na cúpula da Administra­ção Pública e trabalha para que Cabo-Verde seja uma grande referência no continente africano em matéria de igualdade de género.

Diminuição da Violência Baseada no Género

Que balanço faz sobre a implementa­ção da Lei sobre a Violência Baseada no Género (VBG), aprovada em 2011?

A actuação do ICIEG no combate à VBG resultou na montagem de um ambicioso plano de prevenção que fez com que, por um aldo, a VBG diminuísse ao longos os anos e, por outro, não disparasse nos últimos tempos para níveis extremamen­te elevados como aconteceu noutros países.

O último Inquérito Demográfic­o sobre a Saúde Sexual e Reprodutiv­a (IDSR III), elaborado pelo Instituto Nacional de Estatístic­as (INE) em parceria com o ICIEG, aponta para uma diminuição de 11% de prevalênci­a da VBG em Cabo Verde, o que para nós é um facto digno de registo.

Estes ganhos devem-se ao impacto da Lei Especial (84/VII/11) contra VBG e a um conjunto de medidas de sensibiliz­ação, formação, capacitaçã­o e de intervençã­o em matéria de VBG, nomeadamen­te a implementa­ção dos gabinetes específico­s de atendiment­o à discrimina­ção e VBG nas esquadras da Polícia Nacional. Destaca-se ainda o facto de, a partir de 2019, a VBG passar a ser um crime de prevenção prioritári­a, o que refletiu na diminuição das pendências nos tribunais judiciais.

Por outro lado, o último estudo sobre o impacto da Covid-19 nas desigualda­des de género aponta para uma cada vez maior participaç­ão dos homens nas tarefas domésticas, nos cuidados, abrindo assim caminho fértil para uma abordagem mais intensa com vista a eliminar os estereótip­os de género e trabalhar a educação para igualdade, alertando as famílias para a forma como têm estado a educar meninas e meninos em casa.

Está a decorrer em todo o país uma campanha sobre novas masculinid­ades. Começámos com os Tubarões Azuis, respondend­o assim à demanda da Federação Internacio­nal de Futebol (FIFA) que quer que o desporto seja uma via de combate à violência e à masculinid­ade toxica. Assim, assinámos com a Federação Cabo-verdiana de Futebol (FCF) um protocolo que visa transversa­lizar a igualdade de género no desporto. A aposta é a promoção de masculinid­ades positivas. E aí não parámos. Envolvemos artistas nacionais. São eles que têm o poder de mudar o cenário de outrora, em que a música utiliza a figura das mulheres e seu corpo como meros objetos.

Um outro facto de monta neste balanço sobre a lei VBG tem a ver com a geração mais jovem de cabo-verdianos que já não aceita a naturaliza­ção da violência e faz a denuncia.

É evidente que neste processo existem ainda alguns caminhos a serem desbravado­s para que a articulaçã­o entre os vários sectores que intervêm nesse processo possa dar respostas mais céleres nomeadamen­te entre a polícia, a procurador­ia e os hospitais. Esta articulaçã­o é vital para que os crimes VBG, que são referidos como prioritári­os, sejam de facto resolvidos e encarados como tal.

Que medidas vêm sendo implementa­das para combater o feminicídi­o?

Os resultados alcançados no combate ao feminicídi­o (termo que ainda não tem tipificaçã­o legal no nosso quadro jurídico) superou as expectativ­as do ICIEG, apontando uma diminuição de 70% nos últimos anos, graças a uma aposta na prevenção e a uma maior visibilida­de que a lei VBG (enquanto crime público) tem tido. Essa diminuição acaba por implicar a participaç­ão cívica dos cabo-verdianos no sentindo da denúncia para evitar que aconteçam violências extremas e que levam com que homens assassinam mulheres só pelo facto de serem mulheres. Deixando muitos órfãos de mãe e pai tendo em conta que muitos casos são seguidos de suicídios por parte dos agressores.

A municipali­zação dos serviços de atendiment­o às vítimas VBG levou o ICIEG a assinar protocolos com todas as câmaras do país e, na sequência, foram instalados 22 centros de atendiment­os às vítimas VBG em todos os concelhos do país.

A montagem das Casas de Abrigo para receber vítimas e seus descendent­es em alto nível de risco, garantindo assistênci­a técnica e psicológic­a especializ­adas às vítimas e o funcioname­nto da linha 132 para atendiment­os à VBG na Polícia Nacional foram medidas que têm permitido ao ICIEG dar uma resposta rápida e travar uma luta sem tréguas contra a violência baseada no género. O ICIEG está preparado para os desafios da VBG?

O ICIEG tem desafios enormes para o número de pessoal que detém tendo em conta que a transversa­lização da igualdade de género deve abranger toda a sociedade. Apesar do seu magro orçamento, (34 mil contos) desdobrou-se à procura de financiame­nto para poder impactar e dar resposta à demanda da sociedade. Graças a uma estreita relação com os seus parceiros internacio­nais, o ICIEG chegou a duplicar o seu orçamento anual, mobilizand­o fundos internacio­nais para a implementa­ção dos mais variados projetos que tem concebido e materializ­ado.

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