A Nacao

Filomena Borges: um tecto que ameaça ruir e a vida condigna que não chega

- Anícia Veiga

Filomena Borges é uma idosa de Pilão Cão, concelho de São Miguel, que vive o pesadelo de ver desabar, a qualquer momento, o tecto da casa onde reside. Mena, como é mais conhecida, responde pela criação de três netos, todos menores, e sobrevive com apenas 5 mil escudos de pensão social. Temendo pela sua segurança e a dos seus netos, clama por apoios que tardam em chegar. Da Câmara Municipal de São Miguel diz ter recebido apenas promessas.

Um pesadelo é como se pode definir a situação de quem vive com a sensação de que, a qualquer momento, o tecto da casa onde vive pode desabar quando menos se espera.

Este é o caso de Filomena Borges, Mena, 67 anos, que tem sob a sua guarda três netos menores, um dos quais uma menina de 11 anos portadora deficiênci­a.

O tecto da sua casa em Pilão Cão é mantido com o apoio de algumas vigas estrategic­amente espalhadas pela casa.

Em busca de um tecto seguro

Mena teve uma vida de sacrifício desde muito cedo. Perdeu o marido, e, durante muito tempo, via na apanha de areia o único meio de prover o sustento da família, actividade que hoje não realiza por questão de saúde.

Todos os dias tinha que se deslocar de Pilão Cão a Canto Grande, em Ponta Verde. “Acabei por adoecer, por isso, tive que abandonar a actividade”, relembra ao A NAÇÃO.

Asmática e hipertensa, Mena sente-se um quanto discrimina­da em relação aos outros vizinhos.

“Todos sabem que tenho esta criança com deficiênci­a, além dos outros dois que estão na escola, mas quando vem alguma ajuda, nomeadamen­te cestas básicas para a zona, eu nada recebo”.

Mena acredita, ou desconfia, que essa discrimina­ção decorre do facto por ter uma das filhas a trabalhar como professora na ilha do Fogo.

“Ela fez muitos sacrifício­s para se formar e conseguir emprego, tem renda da casa, transporte, prestações que o banco cobra todos os meses, como tudo isso, quando é que vai conseguir arrumar uma quantia suficiente para nos ajudar, sendo que o tecto pode

desabar a qualquer instante?”, pergunta.

Questionad­a se já chegou a expor o seu problema à edilidade local, ela responde afirmativa­mente.

“Falei sim, até fizeram fotos da casa, do tecto, prometeram-me uma ajuda de cem mil escudos, mas nunca cheguei a receber nada. Ao que tudo indica, foi promessa de campanha”, desconfia.

Mena aprendeu, a duras penas, a não levar a sério o que os políticos prometem, sobretudo, em período de campanha eleitoral.

“Durante a campanha entram na nossa casa, oferecem-nos tudo o que queremos ouvir, e depois de se elegerem fingem não nos conhecer”.

Preocupada com a neta

Desesperan­çada, o que Mena mais gostaria é de ter ajuda para cuidar da neta Ronice, menor de idade, portadora de necessidad­es especiais.

Segundo conta, esta criança de 11 anos e vive com ela desde os dois anos de vida. Por causa da deficiênci­a praticamen­te não vai à escola.

A mãe da Ronice mora em Chão Bom, no Tarrafal, e sobrevive da apanha da areia.

“Houve uma altura, em que a minha filha levava a Ronice consigo e uma outra filha, mais velha, é que cuidava da irmã mais nova”, lembra.

Por ser a apanha de areia uma tarefa extenuante para as duas crianças, e sendo que a mais velha tinha de faltar as aulas para cuidar da irmã, com dois anos, fora outros problemas, acabou por assumir a pequena Ronice.

Em busca de apoio para a neta, a idosa de 67 anos conta que já bateu em várias portas, entre outras, da Câmara Municipal, sem sucesso.

“O INPS disse que não me pode ajudar porque a mãe da Ronice trabalha”.

Indignada, Mena desabafa que realmente, hoje em dia, a mãe da Ronice trabalha como funcionári­a de limpeza numa escola no Tarrafal, mas o que ela ganha mal dá para sustentar os outros filhos, por isso, questiona: “O que vai ser da Ronice no dia em que eu lhe faltar?”

Filomena e Ronice já receberam visita da Associação Colmeia para uma consulta na cidade da Praia. Da consulta pediram-lhe algumas análises e o forneceime­nto de um medicament­o que todos os meses recebiam.

“Antes eu dava, mas depois vi que os remédios a deixavam mais ‘gorda’, então, parei de lhe dar”.

Tendo em conta a situação financeira de Mena, a distância que ela e a neta tinham de percorrer para ir à capital, as duas conseguira­m ser atendidas no Hospital Regional de Santiago Norte, na Assomada, por ser o mais próximo de Pilão Cão. “

Já lá vão dois anos desde que fizemos as análises, e continuamo­s a aguardar que nos chamem para uma outra consulta”.

Triste e cansada, mas também revoltada com a sua situação, Mena desabafa: “Não peço nada por mim, eu posso trabalhar, criar os meus animais, mas a minha neta não pode, por isso pergunto o que é que vai ser dela sem nenhuma assistênci­a?”

Educação dos netos

Para além da Ronice, Filomena Borges tem os outros dois netos a seu cargo que frequentam a Escola Secundária de São Miguel, na zona de Veneza. Para irem às aulas usam o transporte da Câmara Municipal onde cada aluno paga mil escudos mensais. Com uma renda actual de cinco mil escudos, da pensão social que recebe, dois mil destinam-se ao transporte escolar dos dois netos que frequentam o 11º e o 12º ano de escolarida­de.

Depois de honrar este compromiss­o sobram-lhe três mil escudos para uma família de quatro elementos. É com o que sobra que tem de cuidar da alimentaçã­o, higiene, saúde e satisfazer outras necessidad­es básicas.

 ??  ??
 ??  ?? Filomena Borges
Filomena Borges
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Cabo Verde