Tréguas... até quando?
POs apoiantes de Ousmane Sonko, oposição ao presidente Macky Sall, saíram à rua nos últimos dias, em Dakar e outras cidades do Senegal, para protestar contra a prisão do seu líder. A fúria das ruas mostra o perigo que Sonko parece representar neste momento para a continuação de Macky Sall, que segundo fontes várias vem preparando uma terceira candidatura à Presidência da República.
rotestos mortais eclodiram nos últimos dias no Senegal, país há muito considerado um bastião da democracia na sub-região oeste-africana. Manifestantes antigovernamentais incendiaram supermercados e arremessaram pedras contra a polícia de choque, numa rara demonstração de violência nas ruas da capital, Dakar.
A onda de protestos em massa foi despoletada pela prisão do líder da oposição, Ousmane Sonko, e pelas desigualdades económicas e preocupações com o padrão de vida dos jovens agravadas pela pandemia da covid-19.
Detido na semana passada, Sonko teve comparecer na segunda-feira no tribunal Dakar, onde enfrenta uma acusação de estupro, que os seus apoiantes dizem ter motivações políticas.
Na decorrência dos protestos, os manifestantes atearam fogo em carros, saquearam lojas e atiraram pedras contra a polícia e demais forças da ordem. Durante esses protestos anti-governamentais também destacaram-se queixas pela queda dos padrões de vida durante a pandemia.
Cinco pessoas, incluindo um estudante, morreram durante as manifestações e, na sequência, as escolas foram fechadas por uma semana. Cenas filmadas mostraram também soldados a recusarem atirar nos manifestantes, ou então manifestantes a correrem atrás de polícias para agredi-los.
Na sequência dessas manifestações foram suspensas os sinais de duas televisões que transmitiam imagens dos protestos. Foi igualmente restringido o envio de arquivos multimedia por meio das redes sociais como WhatsApp ou YouTube.
O governo senegalês reclamou em comunicado “sobre a cobertura tendenciosa dos acontecimentos por parte de alguns meios de comunicação, que podem alimentar o ódio e a violência” e garantiu que “continuará a tomar as medidas necessárias para manter a lei e a ordem”.
Quem é Ousmane Sonko?
Ousmane Sonko, 46 anos, é um político da oposição que ganhou destaque durante as eleições presidenciais de 2019. Teve pouco mais de 15% dos votos, tendo ficado em terceiro lugar, mas os seus discursos condenando a corrupção do governo e a pobreza tocaram muitos senegaleses. Dada a sua juventude e habilidades como orador, é visto como um potencial candidato às eleições presidenciais de 2024.
Os partidários de Sonko dizem que o presidente Macky Sall está a tentar sabotar o futuro político do líder da oposição. Se Sonko for condenado, poderá apanhar uma até 10 anos de prisão e será impedido de participar da eleição de 2024. Os críticos observam que não é a primeira vez que um suposto oponente de Macky Sall enfrenta acusações criminais antes das eleições nacionais.
Em 2013, o filho do ex-presidente Abdoulaye Wade foi acusado de corrupção. Karim Wade, que muitos pensavam que um dia concorreria à presidência também, acabou por cumprir três anos de prisão antes de ir para o exílio no Qatar. Em 2017, o prefeito de Dakar, Khalifa Sall, foi também preso por acusações de corrupção e não foi perdoado até depois da eleição de 2019.
Os manifestantes vêem por isso a prisão de Sonko como mais um estratagema de Macky Sall para afastar os seus mais directos adversários com recurso à justiça, que ele alegadamente domina.
Nos meios políticos senegaleses não é segredo que Sall vem trabalhando no sentido de rever a Constituição da República, de modo a permitir-lhe concorrer a um terceiro mandato.
Em liberdade, ainda que condicional, Sonko disse a seus apoiantes, na segunda-feira, que “não queremos assumir a responsabilidade por minar nossa democracia”. Também pediu ao presidente que rejeitasse publicamente a ideia de concorrer à presidência novamente em 2024.
Embora Sall já tenha cumprido dois mandatos, os críticos temem que ele possa alterar as regras para que uma terceira corrida seja possível como vem fazendo vários líderes africanos. Sall não comentou publicamente sobre seus planos futuros e não o fez no seu discurso televisionado na noite de segunda-feira.
Reacção de Macky Sall
Macky Sall esteve também em direto na televisão nacional, na noite de segunda-feira, seis dias depois do início das manifestações. Reconheceu a dor financeira que muitos senegaleses estão enfrentando e concordou em reduzir o toque de recolher nocturno em três horas. Advertiu contudo os manifestantes para a necessidade de parar de fomentar a agitação.
As manifestações acabaram igualmente por expressar uma certa revolta contida dos senegaleses face à sua situação social e económica. Os estabelecimentos da rede francesa Auchan foram os particularmente visados porque essa multinacional já vinha estava sendo acusada de tirar os comerciantes menores do mercado desde que abriu lojas em todo o Senegal em 2019.