Covid-19 exigiu “um novo aprender... para ensinar”
A covid-19 veio reinventar o ensino em Cabo Verde e, consequentemente, mostrar o quanto o país precisa fazer para que possa ter um verdadeiro ensino virtual. Neste balanço de um ano de pandemia, gestores e professores descrevem a experiência que foi administrar as escolas e adaptá-las ao novo paradigma imposto pelo mais mortífero vírus do nosso tempo.
Oprimeiro caso de covid-19 foi diagnosticado, no país, a 19 de Março de 2020. Na altura, as escolas já tinham sido encerradas e toda a comunidade educativa já se encontrava em casa para as férias de Páscoa mais cedo.
“Foi para nós um momento de tristeza e de separação. Achávamos que seria por alguns dias e que iniciaríamos o trimestre como de costume”, relembra o director do Liceu Amílcar Cabral (LAC), Manuel do Rosário Tavares.
Apesar das incertezas, os planos traçados na altura previam que os alunos e professores deveriam ficar de férias por um período de 30 dias. Por fim, com a evolução da pandemia, acabaram por permanecer em casa por mais de seis meses. Como não podia deixar de ser, os resultados escolares ressentiram-se bastante.
“A situação foi complicando e ficamos sem terminar o ano lectivo. Foi um momento de muito espanto tendo em conta que, pela primeira vez na história da educação em Cabo Verde, um ano lectivo terminou sem o terceiro trimestre”, prossegue Manuel do Rosário, realçando ao A NAÇÃO que “no ano lectivo 2019/20, a retoma quase que não aconteceu”, com tudo o que isso possa significar para o aproveitamento dos alunos.
Ensino à distância
Durante o período em que os alunos estiveram em casa, o Governo optou pelo chamado ensino à distância com o programa “Aprender e Estudar em Casa”, na Internet, Rádio e Televisão Pública (RCV e TCV).
Com prós e contras e resistências pelo meio, nomeadamente dos sindicatos, o programa envolveu professores, pais e encarregados da educação e sindicatos que, relutantes e desconfiados, questionaram as condições deste modelo de ensino.
“A princípio, as aulas à distância funcionaram normalmente. O Ministério da Educação (MdE) disponibilizava megas e saldos aos professores para permanecerem em contacto com os alunos. Depois, isso começou a esfriar e os professores passaram a fazer cópias e fichas de trabalho que entregavam aos alunos pontualmente”, conta Manuel do Rosário, para quem as dificuldades não impediram o contacto entre os professores e os alunos.
“Tivemos alunos em zonas de sombra onde a internet não chega e aqueles que moram em zonas sem a energia elétrica. Tivemos também famílias vulneráveis sem condições financeiras para acederem à internet. Foram tempos difíceis que estavam aos
olhos de todos e que tentávamos resolver”, explica.
Retoma das aulas presenciais
O regresso às escolas entre Outubro e Novembro ficou marcado pelas novas estratégias e novos hábitos de higiene que passaram a vigorar para os 132 mil alunos e milhares de professores de mais um novo ano lectivo.
Apesar das medidas implementadas pelo Governo, por meio das dúvidas e preocupações, muitos pais e encarregados de educação preferiram deixar os filhos em casa, numa altura em que o país registava um total acomulado de cerca de 8 mil casos positivos da covid-19.
As medidas básicas eram as mesmas para todas as ilhas e concelhos. Em Santa Catarina, Manuel do Rosário que, além do LAC, responde por mais 11 escolas do seu agrupamento, diz que a retoma foi de muita “ginástica”.
“Seguimos as recomendações, dividimos praticamente todas as turmas (cerca de 30 alunos cada) em dois e as aulas foram alternadas. Fizemos uma boa gestão do espaço que nos permitiu aulas sem sobressaltos”, explica.
Por outro lado, o nosso entrevistado afirma que foram criadas todas as condições para novas regras sanitárias.
“Só no LAC, foram instalados quatro depósitos de água com cerca de seis torneiras para lavagem constante das mãos. Disponibilizámos
álcool-gel no portão para todos que pretendiam entrar. Relativamente ao distanciamento social, conseguimos o recomendado. Os alunos tiveram menos intervalos e parávamos apenas para a troca de professores”, sublinha.
Em termos de conteúdo, Rosário recorda também que, início do ano lectivo, “ficou combinado que os alunos do 12º ano teriam aulas normais tendo em conta que são pré-universitários. Às outras classes, os professores deveriam seleccionar os conteúdos essenciais”.
Desleixo
O director do LAC diz ter recebido algumas preocupações relacionadas com o índice de aproveitamento dos alunos e a prevenção à covid19.
“Recentemente, os coordenadores de turmas, apontaram, numa reunião, algumas dificuldades, nomeadamente o facto de os alunos passarem a estudar menos. Eles não têm aproveitado os dias em casa para estudarem”, alerta Manuel do Rosário, lamentando que os alunos vêm revelando algum “comodismo”, situação que também num certo desleixo no cumprimento dos cuidados a ter na prevenção da covid-19.
“Tenho estado sempre a chamar atenção, sobretudo no que diz respeito ao uso de máscaras aqui na escola. As pessoas estão a desleixar-se a cada dia. Sabemos que é difícil permanecer com máscaras durante muito tempo, mas é a nova realidade e temos que nos acostumar”, reforça.
Lições
Entre alunos, professores e funcionários, o LAC registou 21 casos positivos de covid-19, sendo que o primeiro surgiu em Julho do ano passado. No entanto, Manuel do Rosário admite, que, apesar das dificuldades que a LAC teve que enfrentar, esta pandemia foi também um aprendizado.
“Ela ensinou-nos a ser mais humildes uns com os outros e, sobretudo, a não deixarmos para amanhã o que podemos fazer hoje. Vamos respeitar as regras, hoje, para estarmos livres ama nhã”, termina.