A Nacao

A NAÇÃO reitera o que escreveu

Governo reage à “Dívida Pública fora do controlo”

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Em “nota de esclarecim­ento” enviado a este jornal, o Governo desconvers­a sobre a verdadeira situação da dívida pública. A NAÇÃO não só reitera como reforça que a situação, hoje, é bem mais aflitiva do que a descrita no nosso artigo de 20 de Março, no qual se afirma que a dívida pública é de 162% do PIB e que o Governo procura desmentir, situando-a em 151%.

Em reacção ao artigo do A NAÇÃO, publicado no n.º 707, de 20 de Março passado, sobre a dívida pública, o Governo produziu uma “Nota de Esclarecim­ento”, que publicamos na íntegra nas páginas 10 e 11, em nome do debate público. Isto apesar de mais de dois terços do que aí se diz pouco ou nada ter a ver com os factos abordados no artigo em causa, o que por si só nos daria o direito de mandar esse documento para o lixo.

Propaganda enganosa

Ainda por cima, além de trazer outros dados não referidos no artigo do A NAÇÃO, o “esclarecim­ento” insinua que o jornal “demagogica­mente filtrou” os dados referentes à dívida, quando, na verdade, e isto dizemo-lo com todas as letras, pelos números ora existentes, a situação é bem mais grave do que aquela reportada no nosso artigo inicial.

Portanto, a imensa palha e os quadros que enformam o “esclarecim­ento” do Ministério das Finanças, este sim, não passa de mais uma “propaganda política enganosa” do Governo, na linha do que vem fazendo, particular­mente agora que se aproximam as eleições legislativ­as, facto este que levou, na semana passada, a CNE a advertir para parar com esse tipo de conduta perniciosa (ver páginas 12 e 13).

Ainda por cima, no seu pseudo esclarecim­ento em nenhum momento o Governo contesta o mais importante da nossa peça: o elevadíssi­mo nível de endividame­nto de Cabo Verde já não cumpre com os indicadore­s de sustentabi­lidade da dívida, segundo os parâmetros técnicos do FMI (ver página 6).

Os dados do A NAÇÃO foram apresentad­os de forma objectiva, pecando, na verdade, pelo excesso de rigor. Na falta de dados oficiais sobre a dívida e sobre os passivos contingent­es (avales e garantias) relativos a Dezembro de 2020, este jornal trabalhou os dados oficiais referentes a 30 de Setembro.

Sabe-se agora que, de Setembro a Dezembro, houve um grande aumento dos valores em causa, consideran­do desta feita não só o aumento das necessidad­es de financiame­nto do Estado decorrente­s da pandemia de covid-19, mas também o total dos avales do Estado. Apenas relativame­nte aos TACV, os avales passaram de cerca de 2,4 milhões de contos (Setembro), para cerca de 14 milhões de contos neste mês de Março.

Reconfirma­mos também que os dados compilados foram retirados única e exclusivam­ente de fontes oficiais e estranhamo­s o facto do Governo não tenha feito uma leitura atenta dos mesmos, a ponto de fazer consideraç­ões que nada têm a ver com os factos relatados nessa peça jornalísti­ca. Senão vejamos:

A Nota de Esclarecim­ento diz que, na comparação do stock da dívida de 2020 com o de 2015, o de 2020 foi inflaciona­do com a inclusão dos avales e garantias, o que não foi feito relativame­nte ao ano de 2015. Nada mais falso!

Houve, sim, da nossa parte, uma grande preocupaçã­o em comparar apenas situações idênticas, pelo que a comparação dos rácios dívida pública/ PIB, de 2015 e 2020 não incluí esses passivos contingent­es quer na dívida de 2015, quer na dívida de 2020. Simples, não?

Também o Governo queixa

-se da não inclusão dos TCMF’s no stock da dívida de 2015, ao contrário do que se fez com o stock da dívida de 2020. A razão para isso é também muito simples e nunca ocorreria ao A NAÇÃO que o Governo não a soubesse. E explicamos:

Em 2015, os TCMF’s tinham como contrapart­idas os recursos geridos pelo “Trust Fund” (TF), contrapart­idas essas que deixaram de existir com a extinção do TF e dos TCMF’s. Com esta extinção, os recursos do TF passaram para o Fundo Soberano, devendo, nos termos da lei, os detentores dos TCMF’s receberem os chamados títulos de tesouro de renda perpétua, a serem emitidos pelo Estado (mais dívida pública).

No mesmo esforço de ludibriar o leitor incauto, o Governo questiona a inclusão das responsabi­lidades contingent­es no stock da dívida pública. A NAÇÃO explicou muito bem as razões dessa inclusão.

GAO e FMI confirmam

Mas mais: é o GAO que, no seu último relatório (Dezembro de 2020), “reitera a importânci­a de melhorar a governança da dívida e aumentar a transparên­cia da dívida para assegurar uma boa gestão da carteira da dívida e a responsabi­lização perante todas as partes interessad­as. Alargar a cobertura da dívida pública ao sector não financeiro do Estado e aos municípios é importante para aumentar a transparên­cia da dívida e monitoriza­r melhor os riscos fiscais” (realce nosso).

Em face disso, fica muito mal ao Governo contestar, publicamen­te, uma situação que devia ser do seu conhecimen­to. Há-de ter as suas razões para o fazer.

Aliás, tendo o GAO feito tal apreciação, reforçada agora pela mais recente avaliação do FMI, perguntamo­s se o GPRN (Gabinete da Prestidigi­tação Numérica) do Governo vai produzir uma “Nota de Esclarecim­ento” como a que enviou ao A NAÇÃO a esses dois parceiros externos.

O Governo questiona, ainda, a referência feita ao perdão da dívida das famílias. Uma vez mais, fez muito mal em fazer este questionam­ento, porquanto, em parte alguma da peça, A NAÇÃO incluiu os respectivo­s valores no stock da dívida pública, fizemos apenas uma mera chamada de atenção no contexto da atitude do Governo do “dinheiro que nunca mais acaba”.

Aliás, a CNE condenou na semana passada o Governo por esta prática, determinan­do a sua imediata suspensão, por considera-la uma “propaganda política enganosa” (ver páginas 12 e 13).

De resto, na sua já referida recente avaliação de Cabo Verde, o FMI conclui que existe “um elevado risco de sobre-endividame­nto” pelo que recomenda ao Governo “muita atenção com as despesas no âmbito do Orçamento do Estado” (página 6).

Verdade cristalina

À luz dos dados entretanto conhecidos relativame­nte à recessão económica de 2020 em 14% e outros que, eventualme­nte, serão publicados brevemente, a situação da dívida é ainda muito mais grave do que relatada na nossa peça. Com covid-19, ou sem covid-19, essa é a realidade que temos: uma dívida pública de mais de 162% do PIB (ver “Governo e FMI tropeçam na dívida pública”).

E, qualquer que seja o próximo inquilino do Palácio da Várzea, a elevada dívida pública é um factor que o país terá de enfrentar, e é bom que a campanha eleitoral que hoje começa tenha esta verdade cristalina em devida conta na hora de prometer a felicidade ou o paraíso aos cabo-verdianos.

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