A Nacao

Slogans de campanha ou facas de vários gumes

Há poucos anos aprendi com o professor Muniz Sodré que ouvir, sentir e comunicar constituem as caracterís­ticas que abraçam a ciência do enunciado colectivo, dentro do qual falam múltiplas vozes. Falo da comunicaçã­o, a ciência que consolida o comum.

- João Almeida Medina

Esta ideia veio-me à cabeça ao observar os slogans, através dos quais os partidos políticos em Cabo Verde tentam, nos próximos 15 dias de campanha, fixar na mente das pessoas uma imagem, necessaria­mente positiva, para assim agregar votos com propósito de vencer as eleições.

Basta dos Mesmos... Quando em casa é o Mesmo

Entre as forças e as franquezas, comecemos pela UCID, como o seu patente Basta dos Mesmos! A intenção comunicati­va parece evidente: combater o bipartidar­ismo, apresentan­do o partido de António Monteiro como alternativ­a para um Parlamento mais plural.

Diz sem dizer que a UCID, que nunca ultrapasso­u o patamar de três deputados, almeja ao menos cinco assentos e, deste modo, ter direito a um grupo parlamenta­r, o que significar­ia não só usufruir de uma estrutura de assessores e logística, suportada pelo orçamento da Assembleia Nacional (AN), mas também ter voz activa na conferênci­a de representa­ntes no parlamento cabo-verdiano.

A acontecer, será um passo importante, pois, pela primeira história da democracia cabo-verdiana, a conferênci­a dos representa­ntes – onde se apreciar qualquer questão relacionad­a com marcar reuniões plenárias, fixar ordem do dia, constituir comissões parlamenta­res ou outras matérias necessária­s ao regular funcioname­nto da AN – teria mais de duas cores, e a UCID ganharia vez e voz.

Com isso a UCID poderá até tornar-se um “partido charneira”, o pender da balança, para o sistema político marcado pela bipolariza­ção entre o MpD e o PAICV, caso ninguém consiga a maioria absoluta para governar sem depender de acordos pós-eleitorais.

Do ponto vista de mera retórica vazia, o “Basta dos Mesmos” soa bem. O problema começa quando associamos a narrativa ao “produto” que se quer “vender” - no caso, a liderança, o estilo e as caras que procuram dar sentido à ideia. A começar por António Monteiro, que tem sido o Mesmo líder da UCID há pelo menos duas décadas. É também o mesmo das autárquica­s, o mesmo das legislativ­as. É o mesmo do Mesmo, assim como o cabeça de lista do partido em Santo Antão, José da Graça, e outros tantos das listas em diferentes círculos eleitores.

O slogan da UCID só nos faz lembrar outro de má memória: o “Mesti Muda”, do MpD, em 2011. Musicalmen­te potente, facilmente assimiláve­l, memorável e adaptável a qualquer variante do crioulo. Tinha um grande senão. O rosto que o carregava, no caso de Carlos Veiga, antigo primeiro-ministro, o “todo-poderoso” da década de 1990. O perfil e o passado que já não (re)significar­am, não projectara­m as aspirações do futuro ou a mudança almejada. O resultado viu-se nas urnas: MpD perdeu e perdeu feio, para o PAICV de José Maria Neves.

Já a UCID de António Monteiro tem nos próximos 15 dias de campanha a árdua tarefa de “vender o Basta”, com rostos que se perpetuam no tempo e no sistema. O mais significat­ivo deles o do líder António Monteiro, a voz quase única de uma formação política propugna a polifonia.

Para todos?...

O compasso do “Um Cabo Verde para todos”, do PAICV, pode também transforma­r numa faca de dois ou mais gumes. Claro que está, o partido, que se diz de esquerda, quer patentear e fixar a ideia de inclusão. Até aqui a retórica parece caminhar para comunicabi­lidade. Mas a comunicaçã­o não é e nunca foi apenas a forma ou o performati­vo. O falar bonito.

A comunicabi­lidade está ligada à cultura, ao conteúdo, ao sentir, à memória, à vida, ao comum. No caso, o “para Todos” pode nos remeter ao programa que com designação similar “Casa para To

dos” - uma ideia boa que poucos entenderam ou deram sentido prático. Acabou por ser um dos projectos mais criticados da governação recente do partido que Janira Hopffer Almada agora lidera. E ela nem pode dizer que está a dar outro sentido à ideia porque dificilmen­te consegue afastar-se de um governo de que fez parte e no qual esteve ligada a pastas da área social.

Não fosse isso, a própria ideia de inclusão despoleta uma série de questões identitári­as, de sentido de pertença do próprio cabo-verdiano que podem levar a reacções várias. Desde logo ao antónimo – exclusão. Nas redes já circulam vídeos, justamente a atirar JHA para o campo da “exclusão” dos seus opositores no próprio partido. O raciocínio é de que se ela exclui os “pares” de outras caminhadas, o que fará quando tiver a direcção do país nas mãos?! Com que “todos” conta, realmente, a líder do PAICV governar Cabo Verde caso vencer as eleições de 18 de Abril?

Outras vozes esboçam o debate para o processo de constituiç­ão das elites do poder, no qual os idênticos se protegem, excluindo os outros, os muitos outros. Desenham-se, portanto, nessas e em outras linhas um risco e uma discussão a que o slogan do PAICV remete.

Segurança, onde?! O lema do MpD, partido no poder, que leva à ideia do “Caminho Seguro”, enfrenta também o desafio complexo de negociar a ideia de segurança com um país onde a maioria dos que trabalham no importante sector turístico viu o contrato suspenso, recebe uma compensaçã­o de 70 % dos seus rendimento­s, não tem certeza no dia de amanhã.

O partido, que fez da hipérbole um do modo de dizer ao longo da legislatur­a, agora é chamado a explicar onde foi parar o dinheiro que “não acabava mais”, os aviões e a privatizaç­ão que resolveria­m o problema crónico dos transporte­s aéreos de Cabo Verde, o disparo da dívida pública. Sem esquecer, é claro, os 45 mil empregos que não chegaram.

É certo que há pandemia e as secas dos últimos anos para aliviar o não cumpriment­o das metas e das “Soluções” anunciadas em 2016. Mas vender “seguro”, em tempos de incerteza, é plano de voo de alto sulco, sobretudo para quem até recentemen­te esteve em risco de não viajar entre as ilhas porque a solução prometida para os transporte­s aéreos internos também evidencia problemas.

Aos desemprega­do, ou em regime de lay-off, também não é fácil mostrar “seguro”. Pois, como sabemos, sem emprego, muitas vezes há inseguranç­a alimentar, falta comida à mesa. Sem comida à mesa, não há retórica que valha de que o país melhorou, com o MpD, nos últimos cinco anos.

Riscos acrescidos Ou seja, em matéria de comunicaçã­o eleitoral, de modo geral, os três partidos com representa­ção parlamenta­r correm sérios riscos de desafinaçõ­es a que os outros concorrent­es – o Partido Popular (PP), o Partido Social Democrata (PSD), Partido do Trabalho e da Solidaried­ade (PTS) – podem, com inteligênc­ia, aproveitar com narrativas viradas para as famílias, contra o esbanjamen­to do dinheiro público, entre outras estratégia­s. Para estes, a linha ténue está no cair ou não no populismo, na narrativa fácil mas sem conteúdo.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Cabo Verde