“A vandalização da minha arte deixou-me desmotivada”
Gilda Barros, artista plástica que nos últimos anos tem deixado a sua marca um pouco por toda a ilha de São Vicente, através de pinturas de intervenção urbana, à semelhança de Tutu Sousa, na ilha do Fogo, viu também a sua arte ser vandalizada com a colagem de cartazes de campanha eleitoral. O seu caso aconteceu em Outubro, nas vésperas das eleições autárquicas em São Vicente, e até hoje aguarda que o trabalho danificado seja recuperado.
“Apanharam-me de surpresa, fiquei sem reacção”, recorda Gilda Barros ao A NAÇÃO. “Fiz
A vandalização dos murais no Quintal das Artes, em São Vicente, com a colagem de cartazes de campanha, nas vésperas das últimas eleições autárquicas, causou um sentimento de indignação e desmotivação na autora dos mesmos, Gilda Barros. Para esta artista plástica houve falta de respeito e sensibilidade artística por parte das quatro candidaturas que concorriam às autárquicas na ilha. Jason Fortes
uma análise das fotos que via no facebook, tive que ir lá pessoalmente porque eu não estava acreditando. Ao longo dos anos tenho crescido como artista e, claro, fiquei frustrada, indignada e com alguma desmotivação, após a vandalização da minha arte”.
As quatro candidaturas, que concorriam às eleições no município de São Vicente, serviram-se da parede para fazer a sua propaganda eleitoral, violando claramente a lei. “Quando isso acontece, tu como artista jovem, que estás iniciando, acabas por te desmotivar ainda mais vindo de pessoas e entidades que querem governar o país”.
A obra tinha sido feita em Novembro de 2018, no âmbito do Cabo Verde Ocean Week. Gilda Barros, juntamente com mais dois colegas, levaram cerca de uma semana para concluí-la.
“Fizemos o trabalho em praticamente uma semana, porque a fachada do lugar é enorme e tivemos que dar uma agilizada porque já havia uma data para ela ser inaugurada no meio das actividades do Cabo Verde Ocean Week. Então estipulei uma semana para fazê-lo e foi assim”, diz.
Mural em degradação
Antes da intervenção de Gilda Barros, no Quintal das Artes, a degradação do mural já era uma realidade. Isto devido à proximidade do mar e todos os condicionamentos que a maresia impõe. Se a situação não estava tão animadora, a coisa descambou com a colagem dos cartazes de campanha.
“Como artista que trabalha na rua, digo que a parede não estava em condições para trabalhar, mas, mesmo assim, foi pintado um fundo e sobre esse fundo fiz a minha pintura, já sabendo que não ia durar. Mesmo assim, tive prazer em fazer o trabalho e foi muito gratificante”, explica.
Sensibilidade e respeito
Até hoje, nenhuma das candidaturas se abeirou de Gilda Barros para se retratar em relação ao dano causado no mural do Quintal das Artes, “o mínimo que podiam fazer”, segundo a artista. Esta indiferença, na sua óptica, reflecte a falta de sensibilidade artística e respeito para com a classe e com a arte por parte dos agentes políticos.
Entretanto, na altura, Gilda Barros diz que escreveu uma carta ao Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas (MCIC) e outra à Comissão Nacional de Eleições (CNE), tendo obtido resposta apenas desta última e em duas ocasiões distintas.
“A primeira dizia que os partidos iam ser multados e que o edifício é do Estado e há uma lei que não permite a colagem de cartazes naquele espaço. Então fiquei à espera que o caso ser resolvido. A outra carta, responderam-ma a 4 de Janeiro, dizendo que recolheram outros elementos na Câmara Municipal e, com base na lista de distribuição de espaços para fixação de propaganda gráfica eleitoral, o resultado mostrava que o muro era atribuído às candidaturas para colagem de cartazes durante a campanha”, recorda.
Ou seja, havia uma autorização da própria Câmara Municipal para a afixação dos cartazes e que por isso a “vandalização” estava dentro da lei. A pintura no mural, recorde-se, foi encomendada pelo Ministério da Economia Marítima, no âmbito do Cabo Verde Ocean Week em 2018.