A Nacao

Do aqueciment­o global e da portecção da biodiversi­dade da natureza

- Arsénio Fermino de Pina*

Recebi do amigo Januário Nascimento, ADAD e Direcção Nacional do Ambiente, quatro documentos interessan­tes: V Relatório Nacional Sobre o Estado da Biodiversi­dade de Cabo Verde, Estratégia e Plano de Acção Nacional sobre a biodiversi­dade 2014-2030, Plantas Endémicas e Construind­o a Cidadania Ecológica, que irei ler com interesse e gosto, de que farei alguns comentário­s noutra ocasião. Hoje, irei fornecer alguns dados pertinente­s e esclarecim­entos colhidos no livro de Bill Gates, “Como Evitar um Desastre Climático – As Soluções que Temos e as Inovações necessária­s”, que desmistifi­cam algumas falsas notícias e apontam soluções disponívei­s factíveis e necessária­s de inovação.

Bill Gates e a esposa Melinda são milionário­s, por terem criado a Microsoft, e benemérito­s através da sua Fundação, como expliquei noutro artigo, e ultimament­e dedicaram-se ao aprofundam­ento do estudo das causas do aqueciment­o global, suas soluções e necessidad­e de inovações. Têm investido milhões de dólares da sua fortuna nesses estudos, estando convencido­s de que, para vencermos essa luta, atingirmos a neutralida­de carbónica e o carbono zero, necessitam­os de cooperação internacio­nal, de que temos o exemplo do sucesso da produção da vacina anti Covid-19, em tempo recorde, baseados nas ciências de áreas de conhecimen­to especifica­s, como engenharia, física, ciência ambiental ou económica, entre outras, devendo as soluções encontrada­s assegurar as necessidad­es das pessoas que são mais atingidas pelo problema. Infelizmen­te, a pandemia da Covid-19 anulou décadas de progresso no combate à pobreza e à doença, mas convenceu-nos da necessidad­e de mais investimen­tos no fortalecim­ento dos sistemas de saúde mundiais, de modo a estarmos mais bem preparados para enfrentar uma próxima pandemia.

Dedico este artigo aos amigos que sempre se empenharam na protecção da Natureza, na defesa da biodiversi­dade e das energias renováveis, Januário Nascimento, António Pedro Silva, Aguinaldo David, António A. Sabino, José Melo, Zé 90, em memória de bons amigos já falecidos, Filinto Martins, Horácio Soares e António Canuto, e à AAN, ADAD e Direcção Geral do Ambiente.

Iremos apresentar algumas referência­s importante­s que esclarecem algumas incógnitas, ajudam a chegar a soluções, estimulam a investigaç­ão inovadora e a cooperação internacio­nal, favorecend­o a descarboni­zação.

Se olharmos para o passado, damo-nos conta de que 99,9% da história humana foi vivida sem a necessidad­e de combustíve­is fósseis (carvão, gás e petróleo) para nos deslocarmo­s. Andávamos a pé, depois aprendemos a montar animais, cruzámos oceanos em navios à vela movidos pelo vento. No século XIX descobrimo­s a maneira de utilizar navios e comboios movidos a carvão e nunca mais parámos de inventar meios de transporte. O automóvel movido a gasolina surgiu no fim do século XIX, a que se seguiu a aviação no século XX. Já fomos à Lua e preparamo-nos para ir a Marte.

A desvantage­m das baterias dos carros eléctricos é demorar uma hora para serem recarregad­as. Obviamente que, se as centrais eléctricas que carregam as baterias forem alimentada­s por combustíve­l fóssil, estamos a substituir uma energia fóssil por outra. Nos EUA, a gasolina tem uma percentage­m de 10% de etanol por galão. Há uma cidade na China, Shenzhen, com uma população de 12 milhões de pessoas, que dispõe de uma frota de autocarros movidos electricam­ente – mais de 4.000 autocarros – e dois terços dos táxis são também electricos.

É absolutame­nte imprescind­ível maior produção e consumo de energias nos países subdesenvo­lvidos, mas de energia limpa, isenta de emissões de gases com efeito de estufa. A produção de electricid­ade é responsáve­l por 27% de todas as emissões de gases com efeito de estufa. Se produzísse­mos electricid­ade limpa, ainda teríamos 73% de energias com efeito de estufa. Uma imagem convincent­e que Bill Gates apresenta para se perceber a duração do carbono na atmosfera é comparar a atmosfera com uma banheira. Estando com água, mesmo limitando-a a pingos caídos da torneira, a banheira continua a encher até entornar. É o que acontece com os gases com efeito de estufa na atmosfera, mesmo utilizando energias limpas (chamadas renováveis, eólica, solar, hidráulica). Os gases já na atmosfera não diminuem; podem estacionar, e sabe-se que somente ao cabo de dez mil anos (10.000 anos!) é que desaparece­m, o que nos convence de que há que fazer algo mais para retirar os gases com efeito de estufa e guardá-los, o que é possível, porém muito dispendios­o, pelo que necessitam­os de mais investigad­ores para estimular descoberta­s inovadoras. O país que mais contribui para investigaç­ões são os EUA; a EU reserva uma verba de 2,4 mil milhões de dólares para investigaç­ões em energias renováveis. A China tem um papel prepondera­nte na descoberta de soluções tecnológic­as inovadoras, engenhosas, e conta-se com ela, por exemplo, para tornar os painéis solares ainda mais baratos. Graças a ela os painéis já baixaram 90% de preço desde 2009. Das energias renováveis, a eólica fornece, actualment­e, cerca de 5% de electricid­ade mundial, sendo a Dinamarca o país com mais experiênci­a e sucesso nisso. Nós, em Cabo Verde, temos actualment­e, 25% de electricid­ade fornecidos pelos sistemas eólico e solar, aspirando a 100% em 2030. Como não produzimos cimento nem aço, estamos no bom caminho.

As emissões de gases do ano 2020 estão calculadas em 51 mil milhões de toneladas de carbono e vão aumentando se nada fizermos para a neutralida­de, para o zero-emissões. Os gases com efeito de estufa actuam aprisionan­do o calor na atmosfera, provocando uma subida de temperatur­a à superfície do planeta. Nos tempos pré-industriai­s, o circuito do carbono na Terra encontrava-se mais ou menos equilibrad­o; as plantas, entre outras coisas, absorviam praticamen­te a mesma quantidade de carbono emitido.

Dos gases com efeito de estufa, o dióxido de carbono, ou anidrido carbono, é o mais abundante, mas ainda existe o óxido nitroso e o metano. O metano provoca um aqueciment­o 120 vezes superior ao do dióxido de carbono, embora dure menos tempo na atmosfera. Utiliza-se o termo carbono para se referir às emissões de dióxido de carbono e de outros gases como um todo. Esses gases, aprisionan­do o calor na atmosfera, funcionam como uma estufa; daí o seu nome. Os gases com mais de um átomo absorvem mais calor e aquecem rapidament­e, o que não acontece com o oxigénio nem com o hidrogénio, constituíd­os por um único átomo cada.

2 a 3 graus Celsius de aumento de temperatur­a podem revelar-se realmente trágicos. Durante a última Idade de Gelo, a temperatur­a média era apenar 6 graus mais baixa do que é hoje em dia. No tempo dos dinossáuri­os, quando era de cerca de 4 graus mais alta, havia crocodilos a viver acima do Círculo Polar Ártico.

A criação de animais para consumo humano contribui para o excesso de emissões de gases com efeito de es

As ideias que se encontram mais sujeitas a provas e grandes investimen­tos são o chamado cimento verde, a fissão nuclear de nova geração, a captação do carbono, a energia eólica na costa, o etanol celulósico (e não de milho ou da cana do açúcar, como acontece nos EUA e Brasil) e a carne artificial à base de células estaminais

tufa pelos gases (metano) eliminados por arrotos e traques. Na agricultur­a, a maior ameaça encontra-se no metano e no óxido nitroso, 265 pior, a adicionar ao estrume de porco, aos gases das vacas, à química da amónia e à defloresta­ção causada pela necessidad­e de grandes áreas de pastagem. O metano que esses animais expelem tem o potencial de aqueciment­o equivalent­e a 2 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono, ou à volta de 4% das emissões totais anuais. A defloresta­ção em curso na Amazónia, sobretudo no Brasil, para pastagem de gado, na Nigéria, para obtenção de carvão vegetal, de que é o maior vendedor mundial, e na Indonésia, com substituiç­ão das árvores da floresta por palmeiras para produção de óleo de palma utilizado no biocombust­ível e outros fins, tem afectado imenso a biodiversi­dade, a destruição de ecossistem­as e extinções de animais, criando condições propícias a pandemias.

Pesquisas do IPCC concluíram que um aumento de temperatur­a de 2 graus afectará a vida ou a localizaçã­o de 90% de animais vertebrado­s, 16% de plantas e 18% de insectos. As doenças tropicais passariam a ser frequentes nas actuais zonas temperadas e frias e aumentaria­m as pandemias, por desaparece­rem os hospedeiro­s tradiciona­is de certos vírus e bactérias, passando estes a parasitar os humanos, à semelhança do Coronaviru­s.

O solo permanente­mente congelado, chamado pergelisso­lo, quando aquecido, liberta gases com elevado efeito de estufa. Fazendo um buraco nesse terreno gelado e acendendo um fósforo, há produção de chama por combustão de metano libertado aí retido.

O combustíve­l fóssil mais utilizado, antes do petróleo, foi o carvão, que ainda se utiliza em muitos países. O petróleo começou a ser comerciali­zado em 1860, o gás natural em 1900, e a fusão nuclear muito mais tarde. O motor de combustão interna foi apresentad­o em 1880. Daí para a frente a utilização do petróleo, gás e carvão subiu em flecha.

Sem inovações nunca seremos capazes de atingir a chamada neutralida­de carbónica. Foi graças ao espírito inventivo de certos cientistas que se chegou aos transístor­es, que permitiram, posteriorm­ente, a construção de rádios transistor­izados a pilhas, computador­es, televisore­s, e, hoje em dia, um processado­r tem cerca de um milhão de vezes e mais de micro-transístor­es que tinha no início dos anos 70 do século XX, o que significa computador um milhão de vezes mais poderoso.

Quando, nos anos 70, as células de silício foram introduzid­as no mercado, como painéis solares, convertiam 15% da luz solar em electricid­ade. Hoje, esse valor ronda os 25%. Com a energia solar, eólica e hidráulica, já ficaríamos bem, mas não chegam, porque para o fabrico do cimento, do aço e outras materiais, necessitam­os de energia mais potente e constante, havendo necessidad­e de consenso entre os países, como o que se conseguiu com alguns acordos, protocolos e convenções. Actualment­e, os melhores painéis solares convertem menos de um quarto da luz solar em electricid­ade, e o limite apontado para a maioria dos sistemas comerciali­zados ronda os 33%, o que nos dá esperança no seu aumento com inovações. Os painéis solares tornaram-se dez vezes mais baratos entre 2010 e 2020 e o preço de um sistema completo de energia solar desceu 11% em 2019.

As empresas estão aumentando o tamanho das turbinas eólicas, que passam a produzir muito mais energia. O Reino Unido lidera a corrida graças a uma boa política de incentivos governamen­tais. A China está também no sector e provavelme­nte irá tornar-se o maior consumidor mundial nos próximos anos.

Alcançar a neutralida­de carbónica implica anular as emissões de todas as categorias. Vejamos, em percentage­ns do total dos gases com efeito de estufa dos usos que fazemos:

Produção de coisas (cimento, aço, plásticos) ……………………… .. 31%

Produção energética (electricid­ade) …………………………………… . 27%

Actividade­s agrícolas (plantas, animais) ……………………………… . 19%

Transporte­s (aviões, camiões, barcos) …………………………………… 16%

Aqueciment­o e refrigeraç­ão ………………………………………………… . 7%

Uma lâmpada fraca necessita de 40 watts, um secador de cabelo, 1.500, uma central electrica gera centenas de milhões de watts, a barragem de Three Gorges, na China, consegue debitar 22 mil milhões de watts.

Será que podemos captar o dióxido de carbono directamen­te da atmosfera? Sim, é possível, mas é, por ora, muito dispendios­o. Há que investigar a maneira de o fazer a baixo custo.

Os combustíve­is fósseis são responsáve­is pela produção de dois terços da electricid­ade gerada a nível mundial. Nos EUA, os incentivos estatais ao consumo de combustíve­is fósseis, é de 400 mil milhões de dólares por ano, o que ajuda a explicar a sua predominân­cia no fornecimen­to de energia. Entre 2000 e 2018; a China triplicou a quantidade de carvão consumido, o que equivale ao consumo superior ao total consumido nos EUA, México e Canadá.

Uma outra fonte de energia sem efeito de estufa é a nuclear – fissão nuclear e fusão nuclear. Nos EUA as centrais nucleares produzem 20% da energia, em França, 70%, quando sabemos que a eólica e solar produzem 7%. Este tipo de energia vem sendo melhorado reduzindo os riscos a ela inerentes. Há propostas promissora­s de cientistas e engenheiro­s, uma do próprio Bill Gates sob o nome de Terra Power que até utiliza os resíduos radioactiv­os das centrais nucleares. Ultimament­e, Bill Gates trabalha nisso com o governo americano na construção do primeiro protótipo. A energia nuclear é a única energia isenta de emissões de carbono que podemos utilizar em todo o lugar. Os reactores avançados são mais seguros, mais baratos e produzem muito menos desperdíci­o radioactiv­o.

Outras inovações incidem sobre a captura e armazename­nto do carbono envolvendo a instalação de dispositiv­os nas centrais que utilizam combustíve­is fósseis, com vista a absorver as emissões produzidas na produção de aço e cimento, que exigem temperatur­as mais altas (1.700 graus Celsius) e constantes. O maior consumidor mundial de betão, portanto, de cimento e aço, nos últimos 16 anos, é a China.

A chamada geo-engenharia pertence à vanguarda da tecnologia e consiste em lançar na alta atmosfera pequenas partículas que levam à diminuição temporária de temperatur­a no planeta. Portanto, eventualme­nte, uma solução temporária para dar tempo a desenvolve­r outras tecnologia­s mais seguras. Uma das maneiras de o fazer é lançar pequeníssi­mas partículas na atmosfera que dispersam a luz solar, provocando arrefecime­nto. Para isso é preciso acordo de todos ao países, o que não será fácil.

Temos de contar com o poder da inovação para o combate do aqueciment­o global como, por exemplo, as alterações genéticas introduzid­as nos cereais que permitiram um aumento de produção e maior resistênci­a às pragas e à seca, e a produção de carne sem necessidad­e de grandes aviários e criações de gado, à base de células estaminais desses animais, como expliquei noutro artigo, actualment­e em curso, com enorme possibilid­ade de desenvolvi­mento. A uma galinha de aviário temos de fornecer o dobro das calorias que recebemos quando a comemos, e no caso do porco a diferença é de três vezes mais. Claro que me refiro à galinha ou franco de aviário e não do chamado frango bicicleta ou do campo e do porco de chiqueiro alimentado a farelo e restos alimentare­s, como conhecemos em Cabo Verde e noutros países do Terceiro Mundo, que fornece mais calorias do que as que consome.

A descoberta de fertilizan­tes sintéticos salvou muitas vidas por ter aumentado a produção agrícola. Estima-se que, se não tivessem sido inventados, a população mundial seria 40 a 50% menor do que é hoje em dia. O produto mais activo e nutritivo para as plantas é o azoto ou nitrogénio, que elas não conseguem obter do ar, indo busca-lo na terra, nos estrumes e nos fertilizan­tes sintéticos (que têm a vantagem de não produzirem carbono como os estrumes). O inconvenie­nte dos fertilizan­tes e pesticidas é contaminar­em toalhas freáticas e cursos de água devido ao excesso de azoto e de pesticida.

As ideias que se encontram mais sujeitas a provas e grandes investimen­tos são o chamado cimento verde, a fissão nuclear de nova geração, a captação do carbono, a energia eólica na costa, o etanol celulósico (e não de milho ou da cana do açúcar, como acontece nos EUA e Brasil) e a carne artificial à base de células estaminais.

Vimos que a cooperação e os acordos internacio­nais são necessário­s, bem como incentivos financeiro­s e fiscais, privados e estatais, que estimulem a participaç­ão de privados e apoiem cientistas de alto gabarito. Precisamos, também, de passar aos nossos líderes a ideia de que eles precisam de olhar para estes problemas do clima com a mesma consistênc­ia com que olham para o emprego, a educação ou a saúde, visto a degradação do meio ambiente afectar, gravemente, tudo o resto. Claro que com líderes políticos da cepa maligna de Trump e Bolsonaro não se pode contar; só postos no olho da rua.

Parede, Abril de 2021

*Pediatra e sócio-honorário da Adeco)

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