Paralisia do turismo sufoca trabalhadores e economia
Mais de mil trabalhadores directos do sector do turismo estão no desemprego, devido à covid-19. Desde Março de 2019, data da chegada dessa pandemia a Cabo Verde, que o quadro sociolaboral não pára de se agravar, apesar dos sucessivos lay-offs terem permitido preservar muitos postos de trabalho. Uma retoma “segura” da normalidade, dizem os especialistas, só daqui a quatro ou cinco meses com a vacinação.
Mesmo com alguns (muito poucos) turistas aventureiros que se veem, ultimamente, em algumas ilhas, os números estão longe, muito longe, das enchentes que se verificam no Sal, Boa Vista, Santiago ou Santo Antão (especialmente nos últimos anos), antes do surgimento da pandemia da covid-19 em Cabo Verde, 19 de Março passado, altura em que foi diagnosticado o primeiro caso positivo no país, precisamente um turista na Boa Vista. Antes da pandemia, em época alta, Cabo Verde, chegava a ter uma média de 18 mil turistas por semana, agora nem sombra desses tempos.
Dados do INE, relativos a 2019 (portanto, antes de a pandemia eclodir), indicam que o sector do turismo empregava directamente 9050 pessoas, sendo a ilha do Sal a maior empregadora. Isto sem contar os inúmeros empregos indirectos, difíceis de contabilizar.
Hoje, o SICOTUR – Sindicato da Indústria, Comércio e Turismo – estima que, só no Sal, pelo menos cerca de mil pessoas tenham sido atiradas para o desemprego, devido ao cancelamento do turismo na ilha, fora a quantidade de gente no lay-off, também com dificuldades para receberem a parte de pagamento do salário que cabe aos empregadores.
No momento do nosso contacto Nilton Vaz, presidente do SICOTUR, ia precisamente a um encontro com uma das cadeias que actuam no Sal, a Meliã, para resolver os “problemas pendentes” de vários trabalhadores. A situação, garante, é “complicada” e “há mais gente em risco de ir para o desemprego”.
“Há pessoas todos os dias com problemas e a tendência é de aumentar”, acrescenta, alertando que há, contudo, “muitos trabalhadores que não estão sindicalizados” e que, por isso, a situação pode ser na verdade muito mais difícil daqueles que têm uma relação mais formal.
A retoma turística, sucessivamente adiada, é “complicada”, na perspectiva daquele sindicalista, avançando que “é preciso haver condições” para que os trabalhadores que estão fora da ilha regressem, quando chegar a altura.
Retoma pendente
A retoma turística, já algumas vezes aventada pelas autoridades do sector, acaba, entretanto, e uma vez mais, de ser empurrada, agora, para Setembro, por Ulisses Correia e Silva.
“Quanto mais as pessoas se infectam umas às outras, quanto mais criam condições para que essa infecção exista, mais teremos casos. Quanto mais as pessoas fizerem ajuntamentos, quanto menos usarem máscaras e fizerem a higienização das mãos… haverá mais transmissões. As regras são sempre as mesmas: proteger”, disse à imprensa no passado dia 1 de Maio.
Segundo UCS, o governo continua apostar na vacinação e que mais vacinas estão a caminho para promover a imunização.
Mas, como é sabido, além da vacinação, a retoma turística está dependente também do contexto pandémico internacional, e do trabalho de casa que Cabo Verde tem de fazer ao nível da segurança sanitária.
Quatro ou cinco meses
Questionado sobre a retoma turística no país, o economista e especialista em turismo Victor Fidalgo antevê essa eventualidade para, no mínimo, daqui a quatro ou cinco meses, a depender, “da abertura da Europa à livre circulação com algumas regiões do mundo”.
“Para nós os leigos na matéria, o que importa tem sido a análise do impacto da evolução da pandemia na economia e nas pessoas. Ora o impacto tem sido altamente negativo, para todos os países e respectivas populações. Os pequenos países, tais como Cabo Verde, Maurícias e Seychelles, com grande inserção na economia mundial, foram os mais afectados”.
Por isso, pese embora, no caso de Cabo Verde, as medidas tomadas tenham “contribuído bastante” para neutralizar o impacto, e mesmo impedido a “catástrofe”, “a recessão económica está presente... A retoma das actividades, o restabelecimento dos empregos congelados e o regresso ao crescimento, estão na cabeça de todos nós. Diria mesmo que há uma ansiedade nacional para isso”, sublinha.
Por outro lado, Fidalgo alerta que a retoma está também dependente do reconhecimento internacional de Cabo Verde como país seguro.
“Este processo, apesar de estar em curso, devemos alinhar-nos cada vez mais com as normas oficiais definidas pelos países que são os nossos principais mercados emissores”, alerta, em jeito de aviso às autoridades nacionais.
Segundo esse especialista, persistem outros factores que estão a condicionar essa retoma, como a imunização nos países emissores e o subsequente desconfinamento, bem como a supressão das várias condicionalidades na circulação de pessoas entre a Europa e o resto do mundo, incluindo Cabo Verde.
“Não esquecer que se o turismo é muito importante para Cabo Verde, o inverso não é verdadeiro. Portanto, a nossa meta deve ser atingir a imunidade de grupo, a nível do país e obter o reconhecimento dessa imunidade pelos nossos parceiros. Claro, que devemos continuar os esforços no sentido de melhorar as infraestruturas de saúde, seguir de perto as iniciativas dos nossos concorrentes e fazer uma campanha de marketing com elevado conteúdo profissional, baseada em factos verificáveis e comprovados”.
Neste xadrez, em que todas as variáveis são importantes, Victor Fidalgo lembra ainda que a situação “cada vez mais difícil das empresas” não pode ser “ignorada”.
“Acredito que o Governo tem vindo a analisar as várias opções, não só para compensar as empresas pela grande perda de receitas, como também alavancá-las para a retoma que, como já disse, não depende da vontade do Governo de Cabo Verde, nem tão pouco das empresas ou da população em geral”.
Acelerar retoma, como?
Para Victor Fidalgo, no acelerar da retoma Cabo Verde deve “focar-se fortemente na imunização da população (vacinação em massa e rápida) e reforço contínuo das infraestruturas de saúde”, mas também “decidir-se pelo reforço e mais coragem na definição das medidas de confinamento, com maior responsabilização (incluindo penal) das pessoas”.
A isso, acresce a necessidade de preservação do tecido empresarial do sector do turismo e apoio “urgente” à recapitalização para a retoma, “revisitando” certas normas de ordenamento do território, “particularmente a ocupação do solo (densidade e altimetria)”, de modo a melhorar significativamente a qualidade dos produtos turísticos existentes e exigir que os novos respondam a padrões muito mais elevados.
“Ou seja, devemos, de facto focar-nos, no turismo de maior qualidade e de maior valor acrescentado que se deve medir pelas receitas por quarto, que o Estado arrecada através do IVA”, salienta.
Por fim, Victor Fidalgo defende que se deve incluir os custos da expansão do parque habitacional, nos custos de novos investimentos, através do licenciamento, “a fim de garantir maior salubridade das residências e melhoria das condições de habitação da classe trabalhadora”, evitando fenómenos como o do Bairro da Boa Esperança na Boa Vista, antiga Barraca.