“Comunidades Responsáveis” contra abate indiscriminado de cães
O Movimento Civil para as Comunidades Responsáveis (MCCR), liderado por Maria Fortes, é contra a decisão das câmaras municipais e eventualmente do Ministério da Agricultura de abater cães vadios e selvagens, como forma de evitar que ataquem o gado em certas ilhas do país. Em vez disso propõe uma “Aliança Nacional para a Gestão Ética da População Canina e Felina”.
Não sendo nova, a questão do abate ou não de cães vadios e selvagens volta à ordem do dia, uma vez mais. Em Santo Antão, Boa Vista e Fogo surgiram, nas últimas semanas, notícias dando conta de apelos dos criadores para que medidas (abate) sejam tomadas contra as matilhas que vêm atacando cabras e outros tipos de gado nessas ilhas do país.
Em Porto Novo, Santo Antão, uma notícia da Inforpress informa que o Ministério da Agricultura e Ambiente (MAA), no concelho, anunciou que pretende realizar mais “uma campanha de caça e abate de cães
abandonados” que ameaçam a actividade pecuária no concelho, em parceria com a Câmara Municipal.
Tendo conhecimento desta possível campanha, e não aceitando que anos de trabalho sejam jogados fora, o MCCR apelou ao Governo e às demais autoridades a aderirem a uma aliança que prevê “políticas eficazes” para solucionar o problema dos cães vadios e selvagens.
“Depois de uma longa caminhada e luta permanente contra o abandono, envenenamento, enforcamento, morte a pauladas, eletrocussão e torturas diversas por parte dos poderes locais, em 2019 lançamos o desafio a todas as Câmaras Municipais para aderirem à Aliança Nacional da Gestão Ética da População Canina e Felina e adotarem políticas eficazes que resolvem duma vez por todas o problema de cães em espaços públicos, e os ataques contra o gado”, lê-se no documento a que A NAÇÃO teve acesso.
Ainda de acordo com esse “Apelo Nacional”, estudos apontam que o abate é uma solução temporária, que não resolve a questão, porquanto “o problema reside na população humana”.
Seria, então, necessária “a posse responsável, a esterilização massiva e contínua, a promoção das adoções individuais ou comunitárias, os devidos cuidados de bem-estar e saúde, o relacionamento afetivo entre humanos, cães e gatos, a identificação e registo de todos os animais, a posse ou adoção comunitária, as normas municipais adequadas e o desenvolvimento dos instrumentos e capacidades de gestão em cada município”, enumera o documento.
Em entrevista ao A NAÇÃO, a responsável pelo MCCR, Maria Fortes, revela que, apesar da gestão canina ser da alçada municipal, a Câmara do Porto Novo não dispõe de meios para o fazer, começando pela falta de um canil.
“Em Santo Antão, Porto Novo, até onde sei, não há canil. Recolhe-se os cães, colocam-nos num curral e depois abatem-nos. Não sequer um sistema de registo de animais. A Câmara não consegue dar uma resposta eficaz, porque não está preparada. É um trabalho que a própria Câmara municipal tem de começar de raiz. Nós queremos ajudar, oferecer metodologias eficazes e instrumentos complementares”, pontua.
Deputado apoio abate de cães
Ainda sobre o anúncio da “campanha de caça e abate” dos cães abandonados no Porto Novo, o deputado nacional Daniel Medina (MpD), eleito pelo círculo eleitoral de Santo Antão, manifestou em sua página de Facebook o total apoio à “iniciativa” do MAA.
“Entre uma cabeça de cabra que dá lucro aos criadores e um cão na rua, que nem se sabe quem é o dono, claro que se prefere garantir a continuidade do lucro e rendimento para os homens e mulheres que labutam na criação animal”, escreveu em sua página.
Delegado do MAA esclarece
Ao A NAÇÃO, Joel Barros, delegado do MAA em Santo Antão, revelou que tem havido sucessivos ataques de cães abandonados ao gado da região, mas que não existe nenhuma campanha para a caça e o abate dos animais, salientando que esta responsabilidade não deve ser atribuída ao ministério que representa, tendo em conta que é um problema de saúde pública.
“Não há nenhum programa sobre abate de cães. E saliento que os cães abandonados não são um problema do Ministério da Agricultura, nós não temos o dever de arranjar soluções. O que eu disse é que a última solução, se ninguém fizer nada, é passar para o abate. Este é um problema da saúde pública. Só que isto nos afecta de forma indireta, porque tem haver com a pecuária, que por sua vez tem uma ligação com a agricultura”, reiterou.
Na verdade, segundo este delegado da MAA, há dois técnicos especialistas na área que devem chegar no final de Maio a Santo Antão, para elaborar um programa, no sentido de encontrar possíveis soluções para os cães de rua e os que andam a monte.
“Vão montar um programa, em parceria com o Ministério e a Câmara Municipal, com a participação de uma ONG holandesa, que está na ilha, para analisar o comportamento e localizar esses cães e verificar as soluções possíveis”, garante o delegado que se diz expectante com este trabalho.
“Não podemos ficar tranquilos quando um criador chega na porta do ministério dizendo que um cão ou uma matilha matou-lhe 15 carneiros, por exemplo. Para ele é um balúrdio, um prejuízo enorme, é o sustento da sua família”, conclui.
Esta reportagem tentou entrar em contacto com o vereador Irlando Ramos, que possui a pasta de ambiente e saneamento da edilidade em causa, contudo, sem sucesso.
Recorde-se que há sensivelmente um ano, o concelho do Porto Novo enfrentava o problema de cães abandonados que ameaçavam dizimar o gado caprino. Na época, a solução adotada foi a caça e o abate dos cães, algo que as associações “amigas de animais” são conta.
Mas o quadro repete-se a outras ilhas agrícolas com tradição pecuária, nomeadamente Boa Vista, Fogo e Maio, onde volta e meia os criadores se afirmam aflitos com a proliferação de matilhas que vão atacando o gado para sobreviverem à fome.