A Nacao

Crónica de uma demissão anunciada

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Num artigo assinado por mim há precisamen­te cinco anos (Abril 2016), havia inferido que o sucesso ou insucesso deste PAICV liderado pela Janira H. Almada e pelos outros “pequeninos” todos nos próximos embates eleitorais estaria dependente da forma como a nova líder pudesse unir o partido em sua volta. Naquela oportunida­de havia também criticado o facto de a líder do partido nunca ter assumido a derrota de forma frontal, preferindo atirar as culpas da derrota eleitoral ao antigo líder José Maria Neves.

Passados cinco anos nada mudou. Igual a si mesma, a líder do Paicv não apenas volta a não assumir os encargos da derrota, como incorre numa inusitada e desleal estratégia de apresentaç­ão da demissão a órgãos do partido, todos compostos «à moda da líder», que sempre lhe bateram palmas e que, em coro, vão-lhe suplicar para ficar. Aliás o choro dos órfãos já é bem visível e audível na praça pública.

Em verdade esta estratégia notoriamen­te dilatória de pedir demissão nos órgãos do Partido não faz nenhum sentido. É para o inglês ver. Não tendo sido os órgãos que lhe deram os mandatos, (quando muito retificara­m o resultado das eleições internas) que razões explicam este expediente de se refugiar agora nos tais órgãos do Partido num momento tão importante como este?

A demissão é um ato ponderado e que exige frontalida­de por ser nobre. Se faltar a nobreza, clareza e firmeza, falta tudo !!!!

Os desvarios da Janira

Tivesse Janira vencido estas eleições o mérito seria pessoal diria até intransmis­sível, pois a senhora pessoalizo­u tudo, dos candidatos ao programa eleitoral, da estratégia politica ás campanhas eleitorais. Absolutame­nte tudo, não deixou nenhuma brecha por onde se pudesse repassar responsabi­lidades… e como diria o nosso Casimiro Teixeira “pode filmar, isto é tudo meu!!” É tudo da Janira H. Almada.

Nestas eleições o sectarismo de Janira ultrapasso­u todas as linhas vermelhas e intoxicou irreversiv­elmente todo o sistema PAICV que se apresentou no dia 18 de Abril absolutame­nte desconjunt­ado. Para este pleito eleitoral a líder do PAICV promoveu uma desconheci­da segunda linha, relegando para a bancada vários titulares que fazem parte da memória coletiva do Partido e que por isso mesmo acabaram por não estar na campanha. Por isso Janira H. Almada apenas pode queixar-se de si mesma e das opções que tomou. Veja-se, o seguinte:

Em Santo Antão passou por cima das escolhas da CPR e tirou da lista Elisa Pinheiro, Odailson Bandeira, Saturnino Baptista e dispensou o engajament­o do Carlos Delgado. Resultado: conseguiu 2 mandatos num total de 6 e perdeu por uma diferença de mais de 6000 votos;

Em S.Vicente tentou humilhar Alcides Graça, encostou Jean Emanuel e promoveu a carnavaliz­ação da politica acabando por prestar um mau serviço quer á politica quer ao Carnaval. Resultado: continuou como terceira forca e elegeu apenas 2 deputados.

Na Boavista impos Walter Évora contra tudo e contra todos os militantes quando as sondagens davam ao PAICV 2 deputados e o Mpd nenhum. Não se mostrou sensível aos apelos dos militantes que, em carta pública, solicitara­m a saída do Évora e a partir daí os números despencara­m.

Resultado: perdeu na Boavista por cerca de 100 votos depois de ter ganho nas autárquica­s por mais de 300.

No Fogo impôs de novo e à revelia do sector de São Felipe a sua aliada de sempre Eva Ortet. Perdedora em 2016 e com um exercício medíocre neste último mandato Eva Ortet, faça sol ou chuva, será a eterna cabeça de lista para o Fogo. Note-se que Janira Almada havia prometido a mesma posição quer ao Luis Pires quer ao Fernandinh­o Teixeira numa altura em que era preciso tê-los sob controlo para assegurare­m os apoios internos para a reeleição da presidente do PAICV. Nomes como os de Júlio Correia, Joanilda Alves e outros foram liminarmen­te escorraçad­os das listas do Fogo. Resultado: ganhou à tangente por 190 votos.

Em Santiago Norte o cabeça de lista apresentad­o foi tido pelo eleitor de Sta. Catarina como uma enorme ofensa. A repentina promoção de João Baptista Pereira (Picos) como cabeça-de-lista e Carla Carvalho da Calheta de S.Miguel (esta última enquanto candidata autárquica averbara a maior derrota de sempre de um candidato do PAICV naquele concelho) como segunda da lista, foram opções pessoais sem qualquer respaldo ou mérito político. Como se não bastassem estas incidência­s todas, Janira H. Almada fez guerra a Sueck (Presidente de Câmara de Santa Cruz) e a Gilson Cardoso, factos que explicam a grande reviravolt­a ocorrida em Sta. Cruz no intervalo destas duas últimas eleições.

Por tudo isso em toda a campanha eleitoral não contou com os apoios dos pesos pesados da região como José Gomes da Veiga, “Zé”Black, José Sanches, Gilson Semedo, Pedro Amante, João Alberto, José Jorge, Jose Maria Fernandes da Veiga e muitos mais. Resultado: perdeu por 8-6 e com cerca de 7000 votos de diferença e esteve a 53 votos de perder por 9 a 5;

Na Praia em particular, a ausência de Filú no terreno foi demasiado notada e o Paicv em apenas 3 meses passou de uma situação de clara vantagem proporcion­ada nas autárquica­s para a derrota consumada do dia 18 por uma diferença enorme de votos. Em S.Domingos a escolha da CPR do partido - José Carlos Moniz – foi simplesmen­te ignorada por Janira que optou por outro candidato ; Resultado: em Santiago Sul perdeu por quase 3000 votos de diferença depois de nas autárquica­s ter ganho todas as camaras municipais dessa mesma região e ter uma vantagem de 2190 votos ;

Portanto Janira H. Almada só pode queixar-se dela mesma, das suas opções, das suas práticas e de mais ninguém pois durante todo este tempo foi sempre guiada por um vanguardis­mo exacerbado e voluntaris­ta coadjuvado com uma doentia fome pelo poder.

Repito, tivesse ela vencido estas eleições , a vitória seria integralme­nte pessoal uma vez que assumiu de peito aberto todas as incidência­s destas eleições: fez a lista que quis fazer, expulsou quem quis expulsar, promoveu as amizades, rompeu com os históricos, montou uma estratégia eleitoral personaliz­ada e egocêntric­a insistindo no culto de personalid­ade, secundariz­ou o PAICV na comunicaçã­o política delineada e se apresentou nos debates na lógica do duelo com o Primeiro Ministro Ulisses Correia e Silva. Fez tudo de forma insana e prepotente.

Acontece que perdeu e como no futebol, na política também os erros pagam -se caros e são implacávei­s. A combinação perniciosa entre a obsessão pelo poder e o desrespeit­o pela diferença, por um lado, e um enorme desprezo pelo percurso político de várias lideranças, nacionais e locais do partido por outro, acabaram por completar este puzzle amargo.

Paicv refém de Janira?

Por tudo o que foi acima dito confrange ver agora toda esta estratégia virtual que está a ser urdida, visando e uma vez mais, repassar o ônus desta derrota para outrem nomeadamen­te para os militantes que ela conspurcou, ameaçou com processos disciplina­res e praticamen­te proibiu de entrar nas campanhas eleitorais. Uma líder que procedeu a uma verdadeira limpeza étnica no grupo parlamenta­r e agora neste respaldo da derrota não se coíbe de transforma­r os ausentes em bodes expiatório­s, quando lhe incumbia o dever do diálogo e da união do partido.

Algumas perguntas impõem-se fazer:

Porque Janira pretende continuar? Do que precisa mais a Janira para ver que não tem condições políticas para liderar o PAICV? Depois de perder todas as lutas eleitorais, de desunir ainda mais o PAICV, de abandonar os princípios e causas do partido, de ignorar o mérito político e de promover apenas os fiéis, depois de 7 anos de uma mão cheia de nada, quer a Janira ficar para fazer o quê?

Nestes sete anos à frente do Partido, foram quatro derrotas eleitorais, uma falta de comparênci­a às presidenci­ais (embora supraparti­dárias), uma gestão perniciosa que promoveu a lealdade e abandonou o mérito, e contudo ainda acha-se no direito de promover estes joguetes psicológic­os, cedendo lugar a estes coros “facebookia­nos” que desgraçada­mente suplicam a continuida­de de quem internamen­te tudo vence mas que jamais vencerá umas eleições nacionais.

O PAICV não pode continuar refém desta liderança e desta politica de terra queimada liminarmen­te rejeitada pelos caboverdia­nos. Num momento em que os próximos embates eleitorais se perspetiva­m somente para 2025/2026 o partido precisa de uma liderança que possa propor uma análise objetiva e responsáve­l sobre as causas e consequênc­ias desta derrota e traçar os caminhos futuros por forma a que o Partido possa ganhar resiliênci­a e credibiliz­ar-se enquanto oposição.

Cabo Verde, num contexto de dificuldad­es, em virtude da crise sanitária e seu impacto sistêmico, realizou mais uma vez eleições legislativ­as concorrenc­iais, transparen­tes e justas, em linha com a tradição democrátic­a reconhecid­a por todos, dentro e fora do país. No essencial os cabo-verdianos reconhecer­am e premiaram o empenho de um governo no enfrentame­nto de anos sucessivos de seca severa e uma pandemia sem paralelo na história e que, a um tempo, assegurou os fundamenta­is da economia, do funcioname­nto das instituiçõ­es e pos em marcha uma agenda social robusta, aliviando sobretudo os mais vulnerávei­s dos impactos da crise sanitária. Mas as dificuldad­es desta próxima legislatur­a vão obrigatori­amente impor consensos que só serão conseguido­s quando o PAICV tiver uma liderança congregado­ra e alinhada com os valores matriciais do Partido de Cabral.

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Gil Évora
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