“A Uni-Piaget demonstrou na prática ser possível haver ensino superior a sério em Cabo Verde”
A Universidade Jean Piaget demonstrou na prática ser possível haver ensino superior a sério em Cabo Verde. A constatação é da antiga docente e pró-reitora da instituição de ensino superior, Maria Adriana Sousa Carvalho, em entrevista ao A NAÇÃO. Conforme relata, leccionar na Uni-Piaget representou um desafio permanente e um teste à capacidade de adaptação a novas solicitações.
Maria Adriana Sousa Carvalho foi docente na Universidade Jean Piaget de 2002 a 2008, na área cientifica de Ciências Humanas, Sociais e Artes, nos cursos de Ciências da Educação e de Arquitetura.
Para além da orientação de aulas e seminários, coordenou o Gabinete de Formação Permanente, trabalhou no Laboratório de Educação Digital e foi Pró-Reitora para o Desenvolvimento Académico e Curricular.
Tendo sido a única instituição universitária de Cabo Verde durante cinco anos, a Universidade Jean Piaget, garante, abriu o caminho ao ensino superior segundo padrões internacionais.
“Diria mesmo que demonstrou na prática – pela adesão dos estudantes, colaboração de prestigiados professores nacionais, por uma certa ousadia na oferta formativa – ser possível haver ensino superior a sério em Cabo Verde”, diz Maria Adriana Sousa Carvalho, actualmente reformada.
Segundo defende, ao integrar-se, mesmo que informalmente, na rede de instituições de ensino médio e superior, que se consolida com a criação em 2006 da universidade pública, a Uni-Piaget contribuiu para o alargamento da oferta local de ensino superior e para a elevação da qualificação da população.
“Mais formação, mais emprego, mais conhecimento, mais ciência, transferência de saberes e de tecnologias, novas abordagens no debate sobre o desenvolvimento do ensino, da cidade e do país. Julgo que a Uni-Piaget tem concorrido para a dinamização económica, social e cultural das zonas de implantação – Praia e Mindelo, ao gerar emprego, rendimentos, projectos relacionados com a produção e difusão de conhecimentos, práticas sustentáveis e valores universais que poderão ter provocado mudanças socioculturais”, argumenta.
Desafios
Leccionar na Universidade Jean Piaget, nos seus primeiros anos de existência, representou para esta docente, um desafio permanente e um teste à capacidade de adaptação a novas solicitações, à lecionação de disciplinas novas e à utilização de metodologias diferentes.
“Foi passar da clássica forma de preparar as aulas – em casa, apenas com os meus livros – para a preparação em grupo com colegas e sob a tutela de uma professora mais graduada e qualificada, a Professora Estela Lamas que nos orientava e nos deu a conhecer uma bibliografia actualizada e referências até aí desconhecidas. Leccionar nessa Universidade foi aceitar ser permanentemente avaliada, aceitar as críticas, refazer o que não estava bem”, lembra.
Os desafios imponentes não se limitavam apenas à actualização da metodologia de trabalho. Maria Adriana Carvalho recorda-se, por exemplo, de ter dado aulas em salas inacabadas, da escassez de materiais de apoio, já que “na biblioteca pouco mais havia do que as edições Piaget”.
“Há 20 anos, o campus ficava muito longe, num sítio isolado, sem transportes públicos, as boleias para ir e regressar eram o recurso habitual. Dar aulas no período pós-laboral, o que tinha mais alunos (estudantes trabalhadores) e os professores mais qualificados e experientes, era uma aventura para quem não tinha viatura própria. Foi nessa altura que comprei o meu primeiro telemóvel”, acrescenta.
Apesar das várias dificuldades, para esta investigadora, ficaram as boas relações com os alunos e os colegas e amigos que ganhou para o futuro.
“A ponte que nos unia, a mim e aos alunos, era a aprendizagem baseada no estudo, nas aulas-debate, no conhecimento mútuo das regras que nos regiam. Os nossos deveres e direitos não eram noções vagas, mas princípios dos regulamentos existentes, que regiam a vida académica e de conhecimento obrigatório. Estabelecidas as regras de jogo, trabalhar com os estudantes foi não só agradável como inovador. Os tabus eram as matérias dogmatizadas e as relações autoritárias”, conclui.