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Donos da Bestfly referencia­dos em processos de lavagem de capitais Bestfly versus Binter: Ou tudo, ou nada

- Daniel Almeida

Onegócio com a Bestfly pode perigar a imagem do sector financeiro cabo-verdiano em matéria de prevenção de lavagem de capitais e criminalid­ade conexa. Nomeadamen­te, corrupção, participaç­ão económica em negócio, peculato, fraude na obtenção de subsídios e subvenções, entre vários outros.

É de domínio público que o negócio entre o Governo de Cabo Verde e a Binter para a concessão das rotas domésticas de transporte­s aéreos sempre pecou por falta de transparên­cia. Até hoje não se conhecem os meandros desse negócio, perante a inércia do Ministério Público e cumplicida­de de várias outras entidades nacionais.

Sem contrato de serviço público, a Binter (TICV), perante uma situação financeira difícil, provocada pela pandemia da covid-19, resolveu “chantagear” o Palácio da Várzea informando que iria cessar as suas operações no dia 17 deste mês. Aliás, nem sequer era a primeira vez que recorria a esse meio para impor as suas posições a um governo aflito com a situação do sector dos transporte­s, tanto aéreos quanto marítimos.

Perante o cenário de paralisaçã­o da TICV, e na impossibil­idade de levar os donos da companhia, a Binter de Canárias, a rever a sua posição, o Governo, em tempo recorde, foi buscar a BestFly Angola para garantir o serviço público de transporte aéreo regular interno de passageiro­s, carga e correio.

Como a pressa é inimiga da perfeição, neste negócio, a cidade da Praia não se acautelou dos aspectos reputacion­ais dos novos parceiros, como por exemplo a origem do dinheiro investido nessa companhia de capitais angolanos. Nem tão-pouco da imagem que a mesma goza nos meios de Angola.

A entrada “abrupta” da BestFly no mercado cabo-verdiano fez soar alarmes no sistema financeiro nacional. É que, fazendo o escrutínio dos accionista­s dessa transporta­dora, depara-se que são indivíduos e partes relacionad­as

O acordo de concessão estabeleci­do entre o Governo e a BestFly Angola para a exploração do serviço público de transporte aéreo interno de passageiro­s, carga e correio, por um período de seis meses, pode acarretar riscos reputacion­ais para o país. Os supostos accionista­s dessa companhia aérea estão referencia­dos em processos de lavagem de capitais e de corrupção, inclusive em Cabo Verde.

com entidades (empresas financeira­s e não financeira­s) referencia­dos em processos relacionad­os com lavagem de capitais e crimes conexos em Portugal, Angola e Cabo Verde, como se pode constar em diversas fontes consultada­s pelo A NAÇÃO.

No site do Banco de Cabo Verde (BCV), por exemplo, pode-se encontrar uma contraorde­nação, de Dezembro de 2019, aplicada ao Banco Privado Internacio­nal (BPI), cujo sócio maioritári­o é o actual presidente da BestFly, Mário Palhares. (Este milionário, casado com a cabo-verdiana Teresa Teixeira), é tida como testa de ferro de alguns generais hoje condenados à desgraça pelo presidente João Lourenço.

Nos autos de contraorde­nação instaurado ao BPI, Instituiçã­o de Crédito de Autorizaçã­o Restrita, S.A. (arguido), o BCV aplica uma coima única de 48 mil contos por infrações relativas aos deveres de comunicaçã­o e prestação de informaçõe­s devidas ao Banco Central e aos procedimen­tos concernent­es à prevenção e repressão do crime de lavagem de capitais, verificada­s na ação inspetiva, do DSF, ocorrida no período de junho de 2014 a junho de 2016.

Em Portugal, o canal de televisão SIC fez uma investigaç­ão com foco no BNI, BAI Europa e Banco Atlântico, que têm em comum os sócios da companhia aérea BestFly. A investigaç­ão, de Janeiro de 2020, revela que a banca angolana levanta sérias dúvidas ao Banco de Portugal desde, pelo menos, 2004.

Nos últimos cinco anos, o Banco de Portugal identifico­u os riscos que três bancos angolanos com filiais em Portugal corriam, em matéria de branqueame­nto de capitais e financiame­nto do terrorismo.

Em três inspeções, o supervisor percebeu que o BIC, o BNI e o BPA tinham a porta aberta para lavar dinheiro provenient­e de Angola. Os mecanismos de controlo eram escassos ou inexistent­es.

Para os três bancos, os inspectore­s propuseram 38 contraorde­nações. Dois dos visados dizem nunca as ter recebido.

A nível internacio­nal, o consórcio de jornalista­s OCCRP concluiu numa investigaç­ão, de Abril de 2020, que um grupo de funcionári­os do governo angolano e executivos bancários seniores canalizou centenas de milhões de dólares para fora do país com pouca supervisão, criando a sua própria rede bancária privada através da qual enviavam o dinheiro para Portugal, para outras partes da União Europeia e Cabo Verde.

A referida investigaç­ão revela ainda que as sucursais estrangeir­as - duas em Portugal e uma em Cabo Verde - não implementa­ram controlos padronizad­os de combate ao branqueame­nto de capitais e financiame­nto do terrorismo e não realizaram quaisquer diligência­s devidas aos clientes identifica­dos como suspeitos pelos reguladore­s internacio­nais. “Os bancos tinham muito poucos clientes, muitas vezes ganhando pouco dinheiro ou mesmo operando com prejuízo, sugerindo que a lucrativid­ade não era seu objetivo principal”.

Porém, na sequência da publicação da investigaç­ão Luanda Leaks pelo Consórcio Internacio­nal de Jornalista­s Investigat­ivos, que expôs a corrupção massiva por Isabel dos Santos e seus associados, os reguladore­s estão a dar atenção renovada às elites angolanas.

Accionista­s

Em Angola, o quadro de suspeita em relação aos donos do Bestfly repete-se. O Kwanza News, numa matéria de Outubro de 2018, identifica os verdadeiro­s accionista­s da companhia. Conforme este site, o governo de João Lourenço afastou recentemen­te do terminal militar, uma empresa de aviação executiva que tem como accionista­s o PCA do Banco Internacio­nal de Negócios (BNI), Mário Palhares, Lourenço Duarte (através de seus filhos gémeos), testa de ferro de Silva Cardoso ministro de Estado e Chefe Casa Civil, e Augusto Tomás, ex-ministro dos Transporte­s.

Uma outra fonte jornalísti­ca em Angola também identifica os supostos accionista­s da BestFly: o mesmo Augusto Tomás, ex-ministro dos Transporte­s (exonerado por João Lourenço depois de uma polémica em torno da anunciada parceria público-privada para a constituiç­ão de uma companhia aérea, Air Connection Express, que incluía a BestFly).

Tido como a cabeça de um grande polvo, que nasceu e cresceu no tempo de José Eduardo dos Santos, Augusto Tomás foi condenado em Agosto de 2019 a 14 anos de prisão pelo Supremo Tribunal de Angola pelos crimes de peculato, associação criminosa, abuso de poder, violação das normas de execução do plano do orçamento, participaç­ão económica em negócio, branqueame­nto de capitais, recebiment­o indevido de vantagem e compulsão.

Mário Palhares, ex-dirigente do Banco de Angola, PCA do Banco Internacio­nal de Negócios - BNI, accionista do BNI Europa (instituiçã­o reprovada em auditoria do Banco de Portugal e que operava apenas com uma secretária), accionista do banco cabo-verdiano BPI juntamente com Manuel Vicente e general João de Matos (que apenas tem/tinha uma caixa postal na cidade da Praia e não existem sequer relatórios financeiro­s anuais).

E finalmente Lourenço Duarte, angolano, ex-administra­dor da empresa de aviação civil “Air 26” (que teve três dos seus aviões penhorados e teve de cessar actividade em 2017).

Constata-se que as personalid­ades associadas à BestFly, que em tempos foram grandes investidor­es em Portugal, e pesos pesados no sistema financeiro angolano, estão agora sob forte escrutínio das autoridade­s lusas, com processos de investigaç­ão ao abrigo de pedidos de cooperação das autoridade­s judiciais angolanas. Da parte de Angola, com a moralizaçã­o encetada por João Lourenço, muitos desses milionário­s tiveram que devolver fortunas que tinham no exterior.

Com o aperto do cerco, esses alegados investidor­es procuram agora Cabo Verde para “drenar” dinheiros em Portugal via do sistema bancário cabo-verdiano através da facilidade de acesso à divisas e da relação da banca correspond­ente. A vinda também da Bestfly a Cabo Verde é vista também como uma forma dessa companhia ganhar algum ar, já que em Angola tem os aeroportos praticamen­te vedados.

Descaso perigoso

O alegado descaso do Governo cabo-verdiano em relação aos accionista­s da BestFly pode ser interpreta­do pela indiferenç­a em relação ao compromiss­o, a nível regional e internacio­nal, na prevenção à lavagem de capitais ao não se preocupar com a idoneidade daqueles com que o Estado faz negócios.

Por outro lado, a “morte lenta” da Unidade de Informação Financeira (UIF), conforme uma fonte do A NAÇÃO, tem tido impacto directo na investigaç­ão de crimes de lavagem de capitais e financiame­nto do terrorismo em Cabo Verde. Esse alegado descaso, repetimos, acaba por tornar Cabo Verde num “terreno fértil para investidor­es do tipo dos que estão associados à BestFly”.

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Mario Palhares

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