No quintal da mamá Inácia e do papá Bejami…
Trago partes da minha memória, daquilo que me deliciou no melhor
momento da vida: infância. Refiro somente às brincadeiras, que ainda, eu, a Djina, a Liana, a Loide, a Idiria, a Lenira e a Cleo recordamos com saudade e alegria: brincar de casinha. O espaço que utilizávamos era, talvez, o lugar onde mais gostávamos de estar: casa de mamã Inácia e papá Bejami, nossos avôs; nos cantos do quintal, escada ou terraço.
Lembro que tínhamos poucos brinquedos industrializados, mas o bom era como improvisávamos e ressignificávamos objetos para organizarmos a brincadeira. Saíamos à rua procurando papéis de drops [rebuçados] que seriam as notas, enquanto as tampinhas de garrafas, depois de achatadas, as moedas. Isso porque alguém do grupo teria uma lója [mercadinho] onde venderia arroz (areia branca ou as minúsculas folhas das acácias), açúcar (areia preta), feijão (semente de sinbron), pão (semente de tâmaras), batata-doce (cacos de telha romana), mandioca (cacos de telha de cimento amianto) e bananas (faroba [vagem] verde e amarela das acácias). Eu e Liana levávamos algumas conchas do mar, que apanhávamos entre os materiais que nosso pai utilizava para fazer artesanato. Destas o “trivia monacha” era porco, o “turritella communis” o frango, os “bivaldes”, muitas vezes, serviam como pratos. Até hoje questionamos qual a associação daquela concha com o frango, mas era o que a imaginação nos levava a criar. Sempre havia uma pexera, alguém que vendia peixe, ou melhor, o atum. É que uma de nós não queria desperdiçar a oportunidade de “pelas ruas” (ou de casa em casa) na venda, gritar: Es atun, atuuun... O atum era uma espécie de caule que crescia entre uma planta e a partir dele desabrochavam umas flores brancas, que em nossas mãos se tornavam cebolas. Das outras plantas do quintal, conforme a aparência utilizávamos como couve, folha de louro e malagueta. O ataque às plantas da mamã Inácia era feito à revelia da mesma; e na pequena oficina do papá Bejami procurávamos pedaços de gredja [serrinha], para servirem de facas, pois quem vendia atum tinha que merka [arrumar] e negociar o preço com quem comprava. As tampinhas de garrafas, quando não amassadas, serviam como pratos; mas minha tia Ada contou-nos que, quando criança, essas tampinhas eram fôrmas de bolo e os cacos de louça serviam como moeda. E por falar em bolo, este confeccionávamos de pápa-lama, ou seja, mistura de água e terra. Com três pedras fazíamos o fogão, e os gravetinhos, as lenhas. Por fim, recordo que cada uma escolhia um nominhu [apelido] bem característico como Txutxuka, Djena, Léna...
*Excerto da dissertação de mestrado “Culturas infantis: crianças brincando na rua e em uma pré-escola na Cidade da Praia”