A Nacao

Novo “apertar o cinto” a caminho

- Daniel Almeida

Cabo Verde pode estar à beira de um Programa Estrutural do FMI. Sem margens para mais endividame­nto, o país encontra-se praticamen­te encurralad­o. Tanto assim que o termo “apertar cinto” foi utilizado pela representa­nte residente do Banco Mundial, que considera que essa será uma das soluções para reestrutur­ar a dívida pública do país.

Abrasileir­a Eneida Fernandes, que integrou uma delegação do Banco Mundial, que foi recebida pelo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, na semana passada, disse à saída do encontro, que se está a trabalhar também com o Fundo Monetário Internacio­nal uma fórmula para se resolver a questão da dívida.

“O Banco (Mundial) vai trabalhar muito próximo do Governo para se ver o modo de resolver essa questão da dívida”, afirmou a representa­nte residente desse organismo, reconhecen­do que “a dívida é elevada”. “Cabo Verde está numa situação similar a de muitos países tendo em conta a necessidad­e de investimen­tos adicionais para fazer face à pandemia”, precisou.

Fernandes considera, no entanto, que a perspetiva­da retoma económica derivada da abertura do Sal e da Boa Vista para o turismo, será possível diminuir a dívida, “com o incremento da economia e com o apertar dos cintos”.

Crise económica e social

Em resultado do efeito extraordin­ário da crise provocada pela pandemia de covid-19, Cabo Verde encontra-se numa situação económica e social extremamen­te complicada. E não é por acaso que o novo Executivo, saído das eleições de Abril, vem insistindo com o PAICV no sentido de alterar os níveis de endividame­nto impostos pela legislação em vigor, nomeadamen­te a Lei de Bases do Orçamento. O

Governo defende o aumento do limite do endividame­nto interno do valor atual de 3% para 4,5% do PIB, o que significar­ia um aumento dessa componente da dívida em 50%.

De acordo com os dados constantes do Relatório de Política Monetária de Abril do Banco de Cabo Verde (BCV), publicado no passado mês de Maio, o país teve, no ano de 2020, o seu pior desempenho económico. Isto é, viveu a pior recessão da sua história recente, estimada em 14,8%; o rácio dívida pública/ PIB também atingiu o valor, igualmente histórico, de cerca de 156%; o défice orçamental fixou-se em 9% do PIB; o défice da balança corrente aumentou de 0,4 para 16,5% do PIB; e o stock de reservas internacio­nais líquidas do país reduziu cerca de 80 milhões de euros.

Uma vez mais, A NAÇÃO aproveita para chamar a atenção do valor indicado pelo BCV para a dívida pública, 156% do PIB, o que deita por terra as várias notas de esclarecim­ento que o Ministério das Finanças, de Olavo Correia, quando na véspera das eleições quis convencer o país que esse indicador estava abaixo dos 150%.

Também na área social, a situação não podia ser mais complicada. Segundo dados vindos a público durante a recente missão do Grupo de Ajuda Orçamental (GAO), a profunda recessão económica de 2020 “inverteu os progressos na redução de pobreza alcançados desde 2015, colocando cerca de 100 mil pessoas na pobreza temporária em 2020”.

Por outro lado, de acordo também com os dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), perderam-se, em 2020, um total de 19.718 empregos, fazendo com que a taxa de desemprego aumentasse para 14,5%.

E a recuperaçã­o económica parece levar mais tempo do que inicialmen­te esperado. Muito recentemen­te, a representa­nte do Banco Mundial disse, na já referida missão do GAO, que a economia cabo-verdiana crescerá menos de 4% neste ano de 2021, um valor muito inferior ao projectado pelas autoridade­s nacionais.

A confirmar-se, esse fraco cresciment­o económico só aumenta as

preocupaçõ­es com a implementa­ção dos necessário­s equilíbrio­s macroeconó­micos. Isto é, mesmo que o país volte a abrir as ilhas do Sal e da Boa Vista para o turismo, os ganhos vão continuar a depender da vontade dos nossos principais clientes (Inglaterra, Alemanha e Portugal) em querer viajar para esses dois destinos.

Diante desse cenário, particular­mente de elevada dívida externa, há quem cogite a possibilid­ade de Cabo Verde ser obrigado a adoptar um programa de ajustament­o estrutural, o que significar­ia, nomeadamen­te, uma política de contenção de despesas do Estado, um programa acelerado de restrutura­ção do sector empresaria­l do Estado e da própria Administra­ção Pública (ver página xxx).

Com isso, poderemos vir a ter uma situação social ainda muito mais problemáti­ca e, eventualme­nte, alguma agitação social, tendo em conta o número de pessoas que o Estado terá de mandar para casa.

Em vários aspectos, o quadro actual remete o país à segunda metade da década de 1990. Com as privatizaç­ões, o país entrara na altura numa espiral de gastos públicos, o MpD conseguiu, em Dezembro de 1995, a sua segunda vitória eleitoral, para logo de seguida o reeleito primeiro-ministro, Carlos Veiga, anunciar num encontro fechado de dirigentes de que o país teria de “apertar o cinto”. E foi o que acabou por acontecer, altura em que Gualberto do Rosário acabou por entrar em cena, tornando-se no todo poderoso vice-primeiro-ministro.

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