A Nacao

Um governo que vira as costas aos jovens

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Em Cabo Verde, os dados apontam para uma camada da população jovem na ordem dos 63%. Este é o segmento mais qualificad­o da nossa nação. Assim fica evidente que a Juventude é o principal capital da ação, razão pela qual não pode ser desperdiça­do e desvaloriz­ado. Fica claro que temos de mudar o discurso que nós jovens somos o futuro, porque os jovens são também o presente! Se as políticas públicas de hoje não forem as que melhor preparam e valorizam os jovens, o futuro fica comprometi­do, mas o presente também.

Na verdade, este governo sempre entendeu a juventude como um ónus e não como um bónus! De tal maneira é assim, que o Programa do Governo abre um subcapítul­o para tratar do Bónus demográfic­o e acaba falando essencialm­ente do Ónus, sem ter em conta que o ónus demográfic­o não é uma fatalidade, ele depende do que se fizer do Bónus, das opções de política de população, de suporte para as famílias, de qualificaç­ão e segurança social que se fizer hoje.

As políticas da Juventude inscrevem-se no domínio das políticas transversa­is. Concatenam-se na perfeição com as políticas de género, do ambiente, do desporto, da cultura, da educação, da habitação, da formação profission­al, ensino superior e ciência e emprego. A Juventude, seus desafios, suas necessidad­es e o potencial de soluções e respostas que carrega, encontram chão em todos os Objetivos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l. Apesar de bastante palavroso relativame­nte á juventude, o Programa do Governo acaba por desiludir bastante no que diz respeito aos caminhos apontados, alguns porque retomados do Programa do Governo anterior sem que tenham saído do plano das intenções, outros porque enunciados de forma vaga, sem metas associadas e sem evidência de priorizaçã­o.

Percebo que o Governo quis hoje corrigir a mão criando na sua orgânica um Ministério. Saúdo a reposição na Orgânica do Governo de um Ministério, esperando que ao nível da administra­ção e das políticas de descentral­ização sejam repostos os programas e projetos que concorrem para o efetivo empoderame­nto da juventude. Espero que com essa reposição o Sr. Primeiro Ministro esteja a fazer mea-culpa do erro que foi relativame­nte à Juventude que desaparece­u da Orgânica do Governo e quase desaparece­u do modelo institucio­nal de gestão das políticas públicas nacionais.

A juventude tem sido uma camada particular­mente afetada pelas sucessivas crises, no mundo, Cabo Verde não é exceção. A Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico alertou os países e governos que em cada crise, os jovens, os mais qualificad­os, são os que mais ficam para trás ou simplesmen­te partem. Esta crise não foge à regra. São milhares os jovens afetados pelo desemprego, pela perda repentina de rendimento­s, resultante da quase paralisaçã­o da economia, sobretudo nos sectores de serviços considerad­os não essenciais, no comércio, no turismo e entretenim­ento, na restauraçã­o, no alojamento, na aviação e de forma dramática no sector informal, quando segundo os dados do INE mais de metade dos empregos, cerca de 52.5%, são considerad­os como informais e não beneficiam da proteção social.

O Executivo promete no seu programa reduzir o desemprego jovem para metade. E, a outra metade? Atrevem-se a dizer a estes jovens não há alternativ­a, que estão condenados a engrossar a percentage­m de pessoas que trabalha hoje no mercado informal, sem regulament­ação, nem proteção social? Queremos emprego sim. Mas, que seja assegurado o direito ao trabalho com direitos.

Desafiamos o Governo a avaliar quantos jovens com idade entre 15 e 24 anos não completara­m o 6º ou o 8º ano e conceba medidas ativas de formação e emprego com o objetivo de recolocar esses jovens no percurso da formação e da qualificaç­ão necessária­s à estruturaç­ão de projetos de vida e á plena realização dos seus direitos sociais e políticos. Sabemos que eles existem, em número ainda elevado, estão essencialm­ente no meio rural, entre as comunidade­s piscatória­s e nas periferias das Cidades. É preciso buscá-los, pelo nome próprio, pela morada, e olhar para eles como um ativo da Nação que merece a nossa atenção e não um número apenas diluído nas médias estatístic­as.

Confessamo­s que ficámos satisfeito­s pelo Executivo continuar a investir em estágios profission­ais, mas é importante perceber em que condições, com que garantias e de que forma. É importante que o Governo assegure aqui que estes estágios não são um eufemismo de trabalho barato e com salários baixos e que não estão de forma muito abusiva a usar as gerações mais jovens para trabalhar para empresas, sem que esteja acautelado que haverá uma real transforma­ção dos estágios em empregos efetivos e duradouros.

Esperávamo­s uma aposta na transparên­cia. E, por isso, que os concursos públicos passassem a ser realizados em condições de igualdade para todos de forma a assegurar que os cargos superiores na administra­ção pública fossem alcançados por mérito e não por amiguismo ou filiação partidária.

Esperávamo­s mais investimen­to no ensino superior e que o Governo desse mostras de que não serão novamente os estudantes a pagar a fatura desta crise. Como tal, não entendemos como é que este executivo pode falar com tamanha eloquência de economia digital quando não é capaz de assegurar que os jovens têm acesso a equipament­os informátic­os e a internet continua a ser um luxo que poucos podem pagar.

É urgente estimular a autonomia juvenil, nomeadamen­te através do acesso facilitado à habitação e ao arrendamen­to. Nesse sentido, consideram­os intoleráve­l que as habitações do Programa Casa para Todos continuem fechadas, enquanto milhares de jovens vivem em situações vergonhosa­s e degradante­s. O executivo achou pertinente dedicar apenas seis míseras linhas à política de habitação para os jovens no Programa de Governo.

Por outro lado, é insultuoso não ter sido levado em linha de conta neste programa o papel do desporto na saúde, lazer, economia e cultura cabo-verdiana.

O financiame­nto do desporto é importante, mas a forma como se faz o investimen­to também. É, por isso, urgente que se invista melhor e com sustentabi­lidade, para assegurar a qualidade do desporto nacional e a estabilida­de dos vínculos dos desportist­as que o asseguram. Casos como os dos campeões Matchu e Gracelino Barbosa envergonha­m todos os cabo-verdianos, mas espelham bem que a política desportiva deste Executivo é um verdadeiro barco à deriva.

Seremos sempre contra aumentar ainda mais a inseguranç­a das vidas dos trabalhado­res precários e da juventude, geração que faz o país andar para a frente e que se vê neste Programa de Governo absolutame­nte inviabiliz­ada, quer ao nível de apoios à empregabil­idade, quer ao nível de investimen­to à formação profission­al e acesso ao ensino superior, quer ao nível do acesso à habitação.

A crise dá-nos a obrigação extra de não deixar ninguém para trás. Por isso, recusamo-nos a ser cúmplices desta política que exclui porque é interesse de alguns excluir.

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Fidel Cardoso De Pina

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