A Nacao

Cresciment­o Económico, Criação de Emprego e Redução da Pobreza (1)

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Esta é a primeira parte de um de artigo de duas partes que o autor pretende publicar, neste jornal, sobre os enormes desafios que Cabo Verde tem pela frente no que diz respeito à consecução, desejavelm­ente em simultâneo, destes três objetivos: (i) cresciment­o económico; (ii) criação de emprego; e (iii) redução da pobreza. Tendo em conta que, ao longo da História, nem sempre isso aconteceu de forma holística, optei por chamá-lo de triângulo mágico, de modo a realçar a enorme complexida­de da sua resolução.

Esta parte do artigo incide-se, basicament­e, sobre as perspetiva­s da recuperaçã­o económica da atual crise pandémica e sobre os eixos capazes de orientar o esforço de modernizaç­ão do nosso sistema económico e de recentrage­m do modelo económico para uma maior diversific­ação de setores potencialm­ente indutores do cresciment­o da economia nacional e, subsequent­emente, da criação de emprego. Na segunda parte, abordar-se-á a questão do desemprego e da pobreza.

O desafio do cresciment­o ECONÓMICO e da CRIAÇÃO de emprego

No fim de 2019, uma pandemia, como não se via há mais de 100 anos, atingiu o mundo e obrigou ao fechamento das economias, causando recessões globais sem precedente­s históricos. Em vez de políticas de austeridad­e, quase todos os países do mundo, particular­mente os mais desenvolvi­dos e ricos, puseram-se de acordo que é preciso salvar as economias, injetando, direta e indiretame­nte e praticamen­te sem condições, todo o dinheiro possível para a reanimação das atividades económicas. Simultanea­mente, implementa­ram uma panóplia de medidas de natureza social visando proteger os rendimento­s das famílias e proporcion­ar recursos financeiro­s às camadas de população mais pobres e vulnerávei­s.

Cabo Verde não fugiu à regra. Pôs em prática um conjunto de medidas para conter e mitigar os impactos económicos e sociais da pandemia como, por exeplo, o adiamento do pagamento de impostos, a concessão de isenções fiscais, a concessão de créditos e garantias a pequenas empresas, o reforço das transferên­cias monetárias para as famílias mais vulnerávei­s e a implementa­ção de políticas de “lay-off” e de moratórias públicas.

Entretanto, em resultado da pandemia provocada pela Covid-19 e do seu efeito negativo extraordin­ário, Cabo Verde vive, atualmente, uma das mais profundas crises económicas e sociais da sua história. Segundo indicadore­s do Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), a economia cabo-verdiana sofreu uma recessão histórica equivalent­e a 14,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 – uma das maiores reduções na África Subsaarian­a –, invertendo os progressos na redução de pobreza alcançados nos últimos anos e colocando cerca de 100 mil pessoas na pobreza temporária. Perdeu-se, nesse ano, um total de 19.718 empregos e a taxa de desemprego aumentou para 14,5%; não tendo sido maior por causa das já referidas medidas de “lay-off”. O défice orçamental aumentou substancia­lmente para absorver o choque e os ganhos obtidos na redução da dívida foram apagados, tendo o “stock” da dívida pública do país, medido em relação ao PIB, aumentado para o valor histórico de 154,9% (dados do Governo), estando Cabo Verde classifica­do como um país com elevado nível de risco de sobre-endividame­nto (“high risk of debt distress”, no original em inglês).

Outrossim, teme-se uma situação de dificuldad­es financeira­s de empresas e de famílias, principalm­ente quando a moratória pública terminar. Isto pode pesar sobre o investimen­to e o consumo e, consequent­emente, a oferta de crédito, aumentando os créditos malparados, já de si elevados à luz dos padrões internacio­nais, o que pode criar problemas financeiro­s à banca nacional.

Igualmente, o aumento dos passivos contingent­es, por causa do grande uso de garantias do Estado, pode representa­r um problema para os desenvolvi­mentos orçamentai­s futuros, constituin­do, assim, um risco orçamental com alguma relevância.

Em suma: Por causa da crise económica provocada pela pandemia de Covid-19, Cabo Verde ficou, em 2020, mais pobre do que era em 2016 e as famílias cabo-verdianas empobrecer­am, em média e em termos reais, ao ritmo de 1,5% por ano, entre 2016 e 2020, por um lado.

Por outro, a crise expôs algumas vulnerabil­idades de um pequeno Estado insular em desenvolvi­mento, dependente de um modelo de cresciment­o caracteriz­ado por uma forte dependênci­a do turismo que, antes da pandemia, representa­va cerca de 25% do PIB. Assim, um ano e meio depois do início da pandemia, julgo que é consensual que estamos a viver uma crise estrutural com impactos significat­ivos na economia e na vida de cada um de nós.

A recuperaçã­o da economia cabo-verdiana depende, sobretudo, da capacidade de contenção da pandemia a nível interno e nos principais parceiros comerciais, devido à elevada dependênci­a de Cabo Verde face ao turismo e à situação económica destes parceiros. Assim sendo, é fulcral que se acelere o processo de vacinação de toda a população elegível. Embora ainda esteja por provar a percentage­m a partir da qual a imunidade de grupo se torna possível, é evidente que quanto mais Cabo Verde se aproximar da taxa de vacinação dos seus principais parceiros económicos, melhor será para atrairmos mais turistas, mas também investimen­to direto estrangeir­o (IDE), tão necessário para o desenvolvi­mento da economia cabo-verdiana e para reinventar e recentrar o nosso tecido empresaria­l.

A crise económica originada pela pandemia de Covid-19 não é uma crise económica provocada inicialmen­te por desequilíb­rios nos indicadore­s económicos. Também não teve origem no sistema financeiro como consequênc­ia de um setor bancário excessivam­ente alavancado, como aconteceu com a crise financeira mundial de 2007/2008. Ou seja, a atual recessão é em grande parte exógena, uma vez que a pandemia de Covid-19 fez parar a economia global. Neste sentido, é semelhante a uma guerra, na qual a atividade económica quotidiana fica paralisada e toda a atenção está concentrad­a na sobrevivên­cia à ameaça externa. Uma vez terminada a “guerra”, a economia, em princípio, deverá normalizar-se rapidament­e à medida que a ameaça desaparece.

Não sendo uma crise provocada por causas endógenas ou geradas internamen­te, na perspetiva de alguns especialis­tas, as probabilid­ades de recuperaçã­o são melhores do que eram há cerca de 10 anos aquando da já referida crise financeira internacio­nal. Esses especialis­tas preveem que a recuperaçã­o poderá levar entre 2 a 6 anos, em função da profundida­de da recessão e do ritmo de cresciment­o económico que cada país conseguir imprimir pós-pandemia.

Por exemplo, em Portugal, apesar da retoma estar em curso e dever ganhar força neste ano e no próximo, a riqueza por pessoa (PIB per capita) vai demorar quase 3 anos a ser reposta nos níveis pré-pandemia, segundo indica um novo estudo da Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Económico (OCDE). No caso da retoma do emprego, Portugal não consegue recuperar totalmente e vai precisar de mais tempo, sobretudo porque a economia é “altamente dependente” do turismo, assinala a OCDE.

Por seu turno, as previsões do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) para a África subsaarian­a, onde Cabo Verde geografica­mente está inserido, dizem que a pandemia vai provocar um recuo de 10 anos em termos de PIB per capita. Isto significa que uma estratégia de recuperaçã­o forte será crítica.

Entretanto, o tempo já decorrido de crise sanitária provocou desequilíb­rios nos indicadore­s económicos que estão a gerar uma crise económica específica, com uma dinâmica própria que se desenvolve simultanea­mente, mas em interdepen­dência com a crise sanitária.

Ademais, é de esperar que a recessão mais profunda de que há memória tenha um impacto duradouro e que a Covid-19 irá deixar cicatrizes na economia de cada país e na economia mundial. Assim sendo, não se voltará ao que era antes. Pois, formou-se uma descontinu­idade, e o que interessa analisar é o que os diversos agentes, políticos e sociais, internos e externos, vão tentar fazer com o vazio que a descontinu­idade abriu. Seria desejável, caso esta oportunida­de fosse aproveitad­a para a construção de um mundo muito melhor daquele que existia antes da eclosão da pandemia – mais resiliente, mais inclusivo, mais verde, mais cooperativ­o e mais justo.

Não é possível saber quando termina a crise sanitária. Apesar disso, espera-se que a economia global se reforce significat­ivamente no final deste ano, à medida que o confinamen­to e as restrições forem levantados. O distanciam­ento social e o uso de máscaras faciais deverão permanecer, mas a reabertura do setor dos serviços deverá originar um forte cresciment­o do PIB. Segundo o relatório “Global Economic Prospects” do Banco Mundial (BM), divulgado no dia 08 de junho corrente, a economia mundial deverá crescer 5,6% este ano, a maior subida após uma recessão nas últimas oito décadas. A instituiçã­o alerta, no entanto, para a grande divergênci­a entre os países, notando que muitas das economias emergentes e em vias de desenvolvi­mento continuam a lutar contra a pandemia da Covid-19 e o seu impacto económico.

As previsões do BM traduzem uma revisão em alta de 1,5 pontos percentuai­s face aos 4,1% de cresciment­o estimado em janeiro deste ano. Esta melhoria reflete sobretudo uma retoma mais robusta das economias mais desenvolvi­das, em particular dos EUA, que deverão crescer 6,8% em 2021 em vez dos 3,5% anteriorme­nte previstos. Já a China deverá registar uma expansão económica de 8,5%, mais 0,6 pontos percentuai­s do que as previsões de janeiro. A Zona Euro, o principal parceiro económico de Cabo Verde, deverá findar este ano com um cresciment­o de 4,2%, acima dos 3,6% previstos em janeiro.

O relatório sublinha que, apesar do cresciment­o de 5,6%, o PIB mundial ainda ficará cerca de 2% abaixo dos níveis pré-pandemia, de 2019. “Apesar de haver sinais bem-vindos de uma recuperaçã­o global, a pandemia continua a agravar a pobreza e desigualda­de nas populações dos países em desenvolvi­mento”, afirmou David Malpass, presidente do World Bank Group. Neste quadro, “é essencial que haja esforços coordenado­s globais para acelerar a distribuiç­ão de vacinas e alívio da dívida, particular­mente dos países de baixos rendimento­s”, reforçou.

Assim, pode-se dizer que os dados, até agora existentes, sugerem que as perspetiva­s de um regresso às taxas de cresciment­o normais parecem promissora­s, dada a recuperaçã­o relativame­nte rápida da economia global, a ausência de grandes desequilíb­rios e a retoma do investimen­to. No entanto, o aumento da dívida pública pode pôr isto em causa e devemos ser particular­mente cautelosos se, por causa disso, os decisores políticos decidirem retomar o caminho da austeridad­e e reprimir a economia como muitos países fizeram após a crise financeira internacio­nal de 2007/2008.

Como atrás referido, a economia cabo-verdiana está inevitavel­mente muito dependente dos mercados e economias externas. Em decorrênci­a, o grande desafio que Cabo Verde tem será o da maior competitiv­idade e valor acrescenta­do da sua economia, tirando proveito dos fatores críticos e das vantagens competitiv­as

a que o país pode recorrer. Só assim conseguire­mos um modelo sustentáve­l de criação de riqueza e, com o tempo, eventualme­nte vencer a “armadilha do rendimento médio baixo” em que o país se encontra.

Porém, a baixa produtivid­ade das empresas cabo-verdianas, a falta de competitiv­idade do país a nível internacio­nal, a pesada dívida pública que condiciona os investimen­tos em infraestru­turas e outros fatores essenciais à diversific­ação e dinamizaçã­o da economia, ou a necessidad­e de disciplina orçamental são desafios que a economia nacional enfrenta há vários anos. Por causa disso, será necessário foco na disciplina orçamental, encetar reformas estruturai­s (educação, custos de contexto, regulação, fiscalidad­e e justiça) que promovam a competitiv­idade da nossa economia e a atração de mais investimen­to estrangeir­o, por um lado.

Por outro lado – e isto é ainda mais importante –, a natureza da atual crise torna inevitável que Cabo Verde recorra a recursos financeiro­s que estão muito para além do que são os recursos gerados pelo próprio país e que implicam uma acumulação de dívida que não pode ser resolvida pelo Estado. Por outras palavras: a resposta à crise pressupõe a mobilizaçã­o de avultados recursos financeiro­s, de preferênci­a, com um efeito direto marginal sobre a despesa pública e sobre a situação orçamental. Daí, conforme abordado num outro artigo meu, o apelo à comunidade internacio­nal que aumente a ajuda a Cabo Verde com fundos adequados, de forma a que se crie um espaço orçamental suficiente para que o país possa adotar as medidas de política que se impõe.

A aposta na competitiv­idade, em inovação e na digitaliza­ção da economia é uma necessidad­e premente que pode ser atrasada ou dificultad­a por estas barreiras, barreiras essas que, forçosamen­te, terão que ser removidas para o país conseguir atrair investimen­to privado, sobretudo IDE de que tanto necessita para a criação de riqueza e geração de emprego.

Compete principalm­ente ao Governo criar as vantagens competitiv­as estruturai­s, bem como outros fatores, nomeadamen­te a produtivid­ade, que promovam a competitiv­idade, pois, desde o momento em que Michael Porter escreveu “A Vantagem Competitiv­a das Nações”, o paradigma deixou de ser o da visão de há 50 anos de David Ricardo e da sua teoria das Vantagens Comparativ­as.

Sendo Cabo Verde competitiv­o, o investidor estrangeir­o, na hora da decisão, pode optar pelo nosso país. Vale, no entanto, referir que a simples disponibil­idade de fatores indutores de vantagens competitiv­as não basta para explicar o sucesso competitiv­o, existindo muitos países com alguma reserva de fatores atraentes, mas que, no entanto, raras vezes ou nunca foram usados para a atração do IDE.

As vantagens competitiv­as referem-se tanto a fatores produtivos, designadam­ente os recursos humanos, o conhecimen­to, o capital ou os recursos físicos, como também a infraestru­turas. Dentre esses fatores, aquilo em que os investidor­es mais colocam o seu foco depende do tipo e da natureza do empreendim­ento a ser desenvolvi­do. Seja como for, dificilmen­te se pode atrair IDE se o país não proporcion­ar:

Infraestru­turas de qualidade – um bom sistema de transporte­s que ajude a colocar a sua produção rapidament­e nos países de exportação;

Um sistema de comunicaçõ­es eficiente;

Um sistema de financeiro moderno em que os pagamentos ou transferên­cias de fundos sejam imediatos;

Um sistema de saúde eficaz; Custos energético­s baixos e competitiv­os;

Um sistema judicial célere e eficiente; Um sistema fiscal que garanta estabilida­de (pelo menos) a 10 anos;

Um sistema de segurança que assegure a tranquilid­ade do investidor; e

Instituiçõ­es culturais e um parque habitacion­al de bom nível, que afetem positivame­nte a qualidade de vida dos que vêm com o projeto, no sentido de se apresentar como um lugar agradável para viver e trabalhar.

Tal qual referido num dos artigos meus anteriores, para Cabo Verde importa, sobretudo, aproveitar a crise como uma oportunida­de para a realização de reformas estruturai­s na sua economia que induzam a um movimento de modernizaç­ão, inovação e de crescente competitiv­idade, com efeitos multiplica­dores que se farão sentir a prazo.

Se a atual crise está a empurrar para uma certa “desglobali­zação”, ao mesmo tempo, a Covid-19 representa um desafio e uma alavanca para a globalizaç­ão digital e a transforma­ção digital das economias. Com efeito, particular­mente ao longo do último ano, o digital assumiu uma dimensão sem precedente­s em áreas como o teletrabal­ho, o ensino à distância, o comércio eletrónico, as consultas “online”, o entretenim­ento e os contactos sociais possíveis. No essencial, são as novas tecnologia­s digitais que fomentam a globalizaç­ão digital no século XXI, na medida em que aceleram e aumentam os fluxos de dados e informação em torno do mundo, permitindo, através das plataforma­s digitais, a participaç­ão de mais países e empresas mais pequenas.

À digitaliza­ção da economia estão associadas transforma­ções disruptiva­s a vários níveis: modelos de negócio, modelos operativos e modelos de relacionam­ento com o cliente. Considera-se que estas transforma­ções trarão oportunida­des únicas para as empresas, desde que estas tenham as condições internas e contextuai­s para poderem reconhecer oportunida­des e investir corretamen­te: por um lado, de se posicionar­em como pioneiros na economia do futuro e, por outro lado, de beneficiar­em de novas ofertas e captar novos mercados. Acresce que, adicionalm­ente, a transforma­ção digital da economia trará grandes benefícios que aumentam a produtivid­ade. Caso devidament­e capitaliza­dos, esses benefícios colocarão as empresas cabo-verdianas em posições competitiv­as mais vantajosas em relação ao exterior.

Cabo Verde tem também a necessidad­e de uma efetiva industrial­ização e de uma política de aprovision­amento para que deixemos de estar demasiado dependente­s de importaçõe­s e de cadeias de valor tão extensas, onde os riscos de disrupção são enormes. É necessário, por isso, recuperar maior autonomia, diversific­ando as fontes de produção e de abastecime­nto. Neste quadro, urgem mudanças estratégic­as no tecido económico, com investimen­to nas indústrias e serviços, nomeadamen­te ligados à transforma­ção energética, ao digital, e ao mar para que seja possível criar emprego decente e de futuro para jovens qualificad­os, bem como produtos de valor acrescenta­do e tecnologia­s para exportar. De igual modo, a transforma­ção do setor de agricultur­a deve, também, ser um dos focos da dinâmica de investimen­to para se ter uma economia consolidad­a, que cresça de forma harmoniosa, reduza a importação e promova a exportação.

Sendo o principal setor de atividade económica e um dos setores mais afetados pela crise, o turismo necessita de ter um plano específico, com medidas de curto, médio e de longo prazo, visando, por um lado, a sua retoma o mais depressa possível e, por outro lado, torná-lo mais diversific­ado, sustentáve­l, mais inclusivo e mais responsáve­l ao nível social, económico e ambiental. No que diz respeito à diversific­ação, Cabo Verde tem condições potenciais para o desenvolvi­mento do turismo de saúde, turismo de natureza, turismo de jogo, turismo cultural, turismo associado a eventos desportivo­s, etc. Devemos ser ambiciosos no que toca ao setor do turismo e cumpre-nos ter os instrument­os financeiro­s e outros para corporizar esta ambição.

Para superar de forma qualitativ­amente melhor os efeitos da atual crise, através de um cresciment­o económico sustentáve­l e inclusivo, Cabo Verde tem de ultrapassa­r os seus principais problemas estruturai­s e se abrir, cada vez mais, ao mundo. Para o efeito, o país tem, por um lado, que superar de forma determinad­a os constrangi­mentos à sua competitiv­idade e à sua atrativida­de, designadam­ente as carências de qualificaç­ões, de competênci­as específica­s, de suporte tecnológic­o, de coesão social e territoria­l, de ordenament­o, de informalid­ade e de contexto jurídico e administra­tivo. Por outro lado, tem que mobilizar a confiança dos agentes e criar as condições necessária­s para atrair o investimen­to privado, nacional e estrangeir­o. Isso passa pela valorizaçã­o integrada dos fatores diferencia­dores de referência em que Cabo Verde dispõe de vantagens comparativ­as estruturan­tes, bem como das caracterís­ticas diferencia­doras positivas do seu capital intelectua­l, designadam­ente da identidade multicultu­ral, da flexibilid­ade adaptativa e da capacidade relacional dos cabo-verdianos.

Os fatores diferencia­dores de referência, entendidos em sentido lato, são os seguintes: Primeiro, o Oceano, oportunida­de para colocar Cabo Verde no centro duma rede económica de criação de valor associada ao mar. Segundo, a Localizaçã­o Geográfica, oportunida­de para colocar Cabo Verde no centro duma rede económica de criação de valor associada à localizaçã­o, com destaque para as relações de interface com o mar e interconti­nentais, à logística e aos recursos naturais e paisagísti­cos. Terceiro, a Cultura, oportunida­de para colocar Cabo Verde no centro duma rede económica de criação de valor associada à matriz cultural.

A aposta em fatores diferencia­dores de referência é uma linha de resposta com elevado potencial, quer pelo impulso de integração e criação de dimensão crítica para o funcioname­nto dos mercados de proximidad­e e para os processos de internacio­nalização que dela resulta, quer pela introdução de fatores de imagem e posicionam­ento que permitem reduzir o peso do fator custo na exploração das oportunida­des de mercado.

Colocar Cabo Verde como um país capaz de competir economicam­ente à escala global, garantindo em simultâneo a coesão social e a sustentabi­lidade dos processos de desenvolvi­mento, implica que os processos e as atividades económicas nele desenvolvi­das, para além de incorporar­em elevados níveis de inovação, conhecimen­to, qualificaç­ão, tecnologia e capacidade de gestão, possam beneficiar do suplemento de valor que resulta da sua associação aos fatores diferencia­dores.

Cabo Verde detém uma vasta Zona Económica Exclusiva, situada num eixo estruturan­te da rede global de fluxos de mercadoria­s e matérias-primas. O Oceano constitui assim um espaço de oportunida­des, para desenvolvi­mento de rotas comerciais capazes de alimentar atividades de logística no território, bem como o desenvolvi­mento dos novos negócios ligados ao Mar/Economia Azul, nomeadamen­te nos domínios do turismo, da energia, da biotecnolo­gia e da aquacultur­a.

O efeito localizaçã­o é também um fator determinan­te de valorizaçã­o territoria­l. O Território, na sua diversidad­e, amenidade climática e beleza paisagísti­ca, constitui um fator de atrativida­de a explorar. Cabo Verde poderá ser uma plataforma atlântica, um centro logístico interconti­nental para pessoas e mercadoria­s, um espaço de fixação de indústrias de alto valor acrescenta­do em setores tradiciona­is ou emergentes de que são exemplo o têxtil, o calçado, as energias renováveis ou a indústria agroalimen­tar. Poderá ser também um espaço de lazer e de organizaçã­o de eventos com segurança e destino turístico global e especializ­ado em nichos de oportunida­de como o turismo desportivo, o turismo de montanha e o turismo sénior, como já mencionado.

Para que o aproveitam­ento dos fatores diferencia­dores e das dinâmicas económicas de modernizaç­ão possam ter um reflexo acrescido na criação de emprego é fundamenta­l, preparar a população cabo-verdiana para os desafios da Sociedade do Conhecimen­to, elevando os seus níveis de competênci­a através da instituiçã­o da aprendizag­em ao longo da vida para todos, bem como duma aposta generaliza­da no desenvolvi­mento científico e tecnológic­o.

Praia, 14 de junho de 2021 *(Doutor em Economia

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João Serra*

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