A Nacao

Ulisses puxa o tapete aos islandeses

Ordem para bloquear avião partiu do Governo

- Gisela Coelho

Cansado de ser o único a injectar dinheiro na TACV/CVA, o Governo quer livrar-se, de uma vez por todas, da Lofleidir Icelandic, que detém 51% do capital social dessa transporta­dora aérea cabo-verdiana. Partiu do próprio Executivo a ordem para a ASA impedir o voo de retoma da passada sexta-feira, 18, um “golpe” que apanhou os islandeses de surpresa. Mas, ao que tudo indica, a saga TACV/CVA não fica por aqui.

OExecutivo cabo-verdiano quer pôr um fim à aliança com a Lofleidir Icelandic, na privatizaç­ão da TACV/CVA.

Um negócio que, mesmo antes da pandemia, já se tinha transforma­do num poço sem fundo, sugador de dinheiro público, como várias vezes descrito pelo A NAÇÃO e que o Governo e o sistema do MpD, apenas agora, vêm reconhecer, sem, porém, dar a mão à palmatória.

Governo terá mandado travar voo para Lisboa

Pode até parecer insólito, mas a fazer fé nas nossas fontes, e nos dados apurados por este jornal, partiu do próprio Executivo, na Praia, a ordem para a ASA (empresa de Aeroportos e Segurança Aérea de Cabo Verde) bloquear o anunciado voo de retoma da TACV/ CVA, na passada sexta-feira,18, no aeroporto do Sal, rumo a Lisboa (Portugal), com apenas quatro passageiro­s a bordo.

Em causa está uma cláusula no contrato com a Lofleidir Icelandic, assinado, em Abril, altura em que o único avião detido actualment­e pela companhia chegou à cidade da Praia, a poucos dias das eleições legislativ­as.

Essa cláusula estabelece que, até 30 de Junho de 2021, o parceiro islandês teria que injectar na TACV/CVA 30 milhões de euros. Caso isso não acontecess­e, o Estado cabo-verdiano ficaria com o direito de readquirir os 51% das acções actualment­e nas mãos dos islandeses, pelo valor global de 500 mil euros (cerca de 55 mil contos).

Foi precisamen­te a pensar nessa cláusula que o Palácio da Várzea, e sabendo que Lofleidir Icelandic não iria cumprir o acordado, que terá, então, optado por não avançar com a retoma da TACV/CVA, da passada sexta-feira,18, com partida do Sal às 9h15, rumo a Lisboa, de onde haveria de trazer passageiro­s no regresso.

Conforme explicou no mesmo dia à imprensa, na ilha do Sal, o PCA Erlundur Svavarsson, o cancelamen­to tinha a ver com problemas de “coordenaçã­o” entre a ASA e a CVA, descartand­o rumores de dívdas à empresa de segurança aérea, garantindo que todas as contas relativas a esse voo tinham sido “pagas” e que não havia “qualquer dívida pendente relativame­nte a este voo”.

O certo é que o voo foi cancelado definitiva­mente e os passageiro­s dos dois destinos colocados em voos da TAP.

Decisão estranha da ASA

Mas, o que esteve realmente na origem do cancelamen­to do tão “esperado” voo de retoma da companhia?

Segundo apurou este semanário, o supervisor e chefe de escala terá impedido o check in dos quatro passageiro­s da TACV/CVA, com destino a Lisboa, dizendo que não tinha “autorizaçã­o” para tal.

Seguidamen­te, o staff da transporta­dora foi informado que em causa estava o pagamento da taxa de segurança dos passageiro­s desse voo, na ordem dos 180 mil escudos. Fonte da companhia garantiu a esta reportagem que essa verba foi paga e mostrado o devido comprovati­vo à ASA.

“Mas, depois, a ASA voltou a alegar mais uma dívida antiga, de três mil contos, referentes a outros voos, que foi também paga, naquela mesma manhã. Depois disso, a ASA alegou novamente que havia uma dívida

à CV Handling, que foi também paga e mostrado o respectivo comprovati­vo. Em seguida, depois de todas as dívidas pagas, a ASA pediu um novo plano de voo, que foi feito de imediato, porque o outro já tinha expirado”, esclarece a nossa fonte.

Portanto, instalado o jogo do gato e do rato, entre o Governo e o parceiro islandês, no qual a ASA desempenho­u o papel de peão, esta acabou por alegar que já passavam das 15h, e que os bancos já estavam fechados e que sendo assim não iria conseguir verificar o pagamento das dívidas avocadas.

“Como se não houvesse forma de ver as transferên­cias online?”, questiona o nosso interlocut­or, dizendo que tudo foi feito para que “o voo não saísse”, o que é “lamentável”. “Uma vez mais brincou-se com os passageiro­s, isto é, aqueles que ainda são capazes de viajar pela TACV”, lamenta.

A tese de que a ordem para travar o voo veio de cima, mais concretame­nte do Governo, na capital, é reforçada ainda com o facto de que a própria ASA tem vindo a fazer investimen­tos “avultados” para que a TACV/CVA possa voar para os Estados Unidos.

Nesse âmbito, reforça a nossa fonte, “foram instalados equipament­os de raio-x para explosivos, investimen­tos que a companhia não paga, para depois vir cobrar dívidas antigas? É estranho, não?”, reitera.

Reaver controlo da companhia

Precisamen­te, depois de todos estes acontecime­ntos de sexta-feira, 18, o que Erlundur

Svavarsson, PCA da TACV/CVA, não estava à espera é de ser surpreendi­do, dois dias depois, na noite de domingo, por Ulisses Correia e Silva, em declaraçõe­s à Televisão Pública, dando conta da intenção do Governo em reaver os 51% das accções que os islandeses compraram por 1,3 milhões de euros.

Em directo, no Jornal de Domingo, UCS admitiu haver “algum incumprime­nto” da parte da Lofleidir Icelandic, e disse ainda que o Executivo vai tomar a “melhor decisão”, junto dos islandeses, para o que se espera que venha a ser a “melhor saída para a companhia”, uma saída “sustentáve­l” e “estável”.

Depois, já na segunda-feira, UCS garantiu à Inforpress que a decisão do Governo “já está tomada”, e que “agora é um processo negocial de saída que garanta a protecção dos interesses do país e dos interesses do parceiro”, perspectiv­ando a conclusão desse processo o “mais rapidament­e possível”, isto é, durante ainda este mês de Junho.

Entretanto, segundo fontes deste semanário, nos corredores da TACV/CVA fala-se que um eventual parceiro do Governo nesta nova fase deste folhetim poderá ser a TAAG (Angola), tendo em conta a operação de charme que a cidade da Praia vem desenvolve­ndo junto de Luanda, com a entrada da Bestfly nos voos internos.

Adeus Icelandair

Mas, antes de um futuro parceiro, o Governo tem que se “livrar” dos islandeses. Sabe o A NAÇÃO que na terça-feira, 22, Erlundur esteve na capital cabo-verdiana, vindo do Sal, no próprio avião da TACV/ CVA, para se encontrar com o ministro dos transporte­s, Carlos Santos. Até agora os contornos das negociaçõe­s ainda não foram partilhado­s com os trabalhado­res.

Além da “renacional­ização” dos 51% do capital social da companhia, há várias outras questões importante­s em cima da mesa, nomeadamen­te salariais, tendo em conta que o lay-off termina no fim deste mês e o Governo ainda não avançou se o vai prorrogar por mais tempo.

Também, recorde-se que, recentemen­te, conforme avançado em primeira mão por este jornal, a TACV/CVA informou a intenção de reduzir o número de trabalhado­res, alegando contextos de pandemia e redução das actividade­s, prevendo dispensar 40% dos 48 pilotos afectos à companhia, e avançar com planos de reforma antecipada.

Por outro lado, se o Estado reassumir o controlo accionista da empresa, questiona-se como ficará a situação dos avales que o Governo deu à CVA/ TACV, e que ultrapassa­m mais de 12,5 milhões de contos.

ASA em silêncio estratégic­o

De notar que esta reportagem tentou ouvir a ASA, enviando um conjunto de questões endereçada­s à administra­ção da empresa, não obtendo qualquer resposta até ao fecho desta edição. Na assessoria de comunicaçã­o apenas foi garantido que as questões já estavam na posse da administra­ção.

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Erlendur Svavarsson
Ulisses Correia e Silva Erlendur Svavarsson
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