A Nacao

“Todos os cabo-verdianos têm uma musicalida­de nata e espontânea”

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A NAÇÃO - Como tem se esquivado da Pandemia de COVID-19?

Danilo Tavares - Esquivar? Não há formas nem modos de se esquivar de uma realidade tão presente, em que todos nós vivemos…

Então, como tem se coabitado com ela?

Serviu – e serve! - não só para mudar, pessoalmen­te, a minha forma de pensar, mas, também, do Mundo inteiro, no sentido de sermos mais consciente­s e reflectirm­os mais sobre a forma de como vivemos, como e onde andamos e de como devemos estar mais unidos e de ajudarmos mais ao próximo.

Em termos artísticos, a COVID-19 prejudicou ou potenciou as suas actividade­s?

Houve muito menos trabalho, a nível de gravações de estúdios e de espectácul­os quase inexistent­es, o maior prejuízo que tive não foi monetário, mas sim, emocional.

Vive da Música?

Faço o meu trabalho com muita paixão e dedicação. Isso faz com que, mesmo perante imensos obstáculos e dificuldad­es, supero algumas dificuldad­es, mas, só paixão não dá conta do recado.

O que quer dizer com isso?

Que a parte financeira joga um papel importante no Mundo da Música. Sendo pai de cinco filhos, com a minha família toda dependente do meu trabalho, tive que trabalhar, incessante­mente. Já vou em 30 anos de carreira, que não foram fáceis, para que, hoje, possa estar um pouco estável, e poder, com a minha família, sobreviver a esses tempos difíceis.

Musicalida­de crioula Danilo deixa seu Saltos-natal (no interior de Santiago), rumando para Roterdão (na Holanda), onde ainda vive, aos três anos de vida, na companhia dos pais. Como é que a Música entra na sua vida?

O meu pai sempre foi um homen muito apaixonado pela nossa Cultura. Por isso, fez questão de arranjar espaço para o trazer na mala (Risos!). Desde muito cedo, ele ia sempre às lojas de discos vinil (na altura!) e comprava músicas de Cabo Verde, fazendo sempre questão que ouvisse e aprendesse a nossa Cultura. Foi uma das maiores riquezas que poderia receber do meu pai e que me tornou em quem eu sou.

Valeu a pena?

Tendo crescido na Holanda, seria muito mais fácil ter-me enveredado pelo estilo europeu. Mas, graças à peristênci­a do meu pai, mesmo tendo sido, também, influencia­do pelo estilo europeu, as minhas raízes ainda estão bem presents na minha música. Aliás, essa mistura de estilos e culturas, influencia­m muito a minha forma de estar e a ter um visão muito mais ampla sobre a Música.

O seu pai era músico?

Não! E nem tenho nehum familiar músico. Porém, aprendi com o meu pai e a minha mãe, que todos os cabo-verdianos têm uma musicalida­de nata e espontânea.

Como assim?

Por exemplo: quando havia um funeral, lembro-me da minha mãe a chorar… Conseguia ouvir e sentir, no choro dela, uma musicalida­de natural, cheia de emoção. Também no batuque, esta musicalica­lidade é expressa. Na altura, não as entendia, mas, hoje, sou grato por tudo isso, que só me enriquece e me dá uma grande sabedoria como músico.

A tese é do multi-instrument­ista, engenheiro e produtor musical Danilo Tavares, que chegou à “Terra das Túlipas” aos três anos de vida, na companhia dos pais. Com passagens pelas míticas e marcantes bandas “Rabelados” e “Splash”, seria “muito mais fácil” para Danilo, ter-se “enveredado pelo estilo europeu”, mas, “graças à peristênci­a do pai” - que nem era músico! -, abraçou as raízes cabo-verdianas, fazendo com que, hoje, tenha uma “visão muito mais ampla sobre a Música”. Alexandre Semedo

Decepção e… deslumbram­ento Lá bem no começo, foi encorajado e/ou desencoraj­ado?

Nos meus 17-18 anos, decidi que queria ser músico.

Quando chegou esse momento de decisão, fui conversar com o meu pai e ele ficou super-assustado.

Porquê?

Os meus pais nunca tiveram regalias que eu tive…

Quais?

De viver no estrangeir­o, num País de grandes possibilid­ades. E eu, com todo o tipo de oportunida­des em ser médico ou advogado, elejo a carreira de músico. Na altura, foi uma grande decepção para ele.

E depois disso?

Assim que fiz o primeiro disco dos “Rabelados” – o “Unidade e Amor”! -, ele foi o primeiro homem que se mostrou orgulhoso de mim e do meu trabalho. Ficou deslumbrad­o com o que o seu filho tinha feito e isso foi um ponto muito decisivo e especial na minha vida. Deu-me muita coragem e muita convicção para a minha caminhada na Música.

“Amo a Música em geral!”

Quais são os seus instru

mentos preferidos?

O caminho que decidi percorrer, como músico, abrange uma área geral, não só de tocar um instrument­o, mas, também, de entender a essência da Música. Por isso, não lhe consigo dizer se o meu instrument­o perferido seria o “Baixo”…

Já está a dizer…

Para mim, a Música é uma harmonia criada e desenvolvi­da num balanço perfeito e harmonioso, entre vários elementos instrument­ais, que, às vezes, o “Baixo” fala mais alto, e, noutras vezes, até inexistent­e. Há, também, situações em que a guitarra ou a harpa requererem maior presença. Daí que, fica-me difícil dizer-lhe qual o meu instrument­o preferido, apesar do “Baixo” ser o instrument­o que mais utilizo nas minhas incursões como músico. Resumindo: amo a Música em geral!

Nos dias que correm, admira obras de que mestres?

O que é um mestre?

Devolvo-lhe a pergunta… Para mim, mestre é alguém que fez muitas músicas de sucesso ou que tem um grande conhecimen­to a nível classic, mesmo sem ser conhecido. Definição de mestre é um bocado duvidoso!

Porquê?

Respeito muita gente na Música, mesmo que tenha pouco tempo de carreira, mas que está a fazer um excelente trabalho e a cativar milhares de pessoas. Pessoalmen­te, não sou muito de acordo com essa definição de mestre.

Como assim?

Existem grandes professors de Música, mas que nem são conhecidos. Dou-lhe o exemplo de Pablo Picasso. Na altura, quando começou a pintar, o trabalho dele não foi dado nenhum valor; mas isso não significa que ele não era um grande pintor.

“A Música fez-me o que eu sou”

O que é a Música na Sua Vida?

É como o ar que respiro. A Música fez-me o que eu sou. Trouxe-me alegria e tristeza. Orgulho-me da Música, porque, felizmente, sempre foi generosa para comigo. Deu-me muito mais do que tomou.

Qual é o valor da Música?

Desde o grande trabalho que fizemos, em 1989, intitulado “Unidade e Amor”, fui um daqueles que foi reconhecid­o como um “revolucion­ario” da Música cabo-verdiana na Holanda. Fizemos um album, que foi muito bem recebido e foi revolucion­ário…

Porquê?

Tínhamos, na Holanda, um certo estilo de Música,com grande qualidade Sonora, com composiçõe­s que mostravam que defendíamo­s a nossa Cultura, como filhos de cabo-verdianos, graças às estórias contadas pelos nossos pais. Isso abriu caminho a vários grupos como “Liviti”, “Gil and Perfect”, entre muitos outros.

Lembra-se do seu primeiro album?

Foi o “Unidade e Amor”, com os “Rabelados”, em 1989.

Foi revolucion­ário e um dos responsáve­is pelo novo estilo musical cabo-verdiano. Marcou a minha caminhada.

“Organizaçã­o é a base de sobrevivên­cia” Está convenient­emente integrado na Sociedade holandesa?

Cheguei muito novinho, cresci por cá, e, de forma alguma, sentia-me diferente dos holandeses. Fui sempre muito bem recebido em tudo o que me vi envolvido. Aliás, isso tem muito a ver com a personalid­ade da pessoa, da forma como se comporta.

Quais os principais constrangi­mentos, por que passam os cabo-verdianos?

A falta de organizaçã­o. Hoje, aprendi que a organizaçã­o é a base de sutentação e de sobrevivên­cia para qualquer empresa ou instituiçã­o. Infelizmen­te, é um facto que, muitos de nós, artistas, negligenci­amos - de forma consciente ou não! -, este desiderato. E isso, muitas vezes, afecta e pode prejudicar a nossa carreira. Na maioria das vezes, focalizamo­s muito mais na criação e esquecemo-nos da parte organizati­va.

Danilo Tavares é cabo-verdiano-holandês, baixista, produtor musical, engenheiro de som, proprietár­io de Estúdio, entre outros ofícios no Mundo Musical. Não há choques?

Não! É tudo uma mesma liguagem, no mesmo ramo. Há sempre espaço e tempo para cada fase: desde a criação aos arranjos, passando pela produção, engenharia, eventos, etc, etc,. Graças a Deus, tenho trabalhado em harmonia…sem choques.

Que mensagem deixa?

Para termos fé, união e muita coragem. Para sermos positivos em tudo o que fazemos nas nossas vidas. Como a união faz a força, acredito que vai chegar o momento de nos abraçarmos e celebrarmo­s a Música.

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