A Nacao

São Miguel e São Lourenço dos Órgãos enfrentam o drama da falta de água

- Anícia Veiga

Devido à seca persistent­e, são muitos os agricultor­es que têm optado pela redução do cultivo das suas parcelas agrícolas, com consequênc­ias nos seus rendimento­s. José Júlio Correia, natural de São Miguel, e Fernando da Veiga, de São Lourenço dos Órgãos, são dois homens do campo que, paralelame­nte à falta da água, reclamam mais atenção dos responsáve­is do sector para os problemas da agricultur­a.

Apesar de ter chovido um pouco no ano transacto, ao contrário dos três anos anteriores, o nível dos lençóis freáticos em boa parte do interior de Santiago continua baixo, pelo que a sustentabi­lidade da agricultur­a de regadio ainda continua ameaçada.

Fernando Garcia da Veiga, mais conhecido por Pina, pratica agricultur­a desde a “meninice”, uma vez que era o negócio da família, mas, como faz questão de recordar, se apegou com mais afinco ao sector a partir de 1985 devido à morte do pai.

Hoje, com vasta experiênci­a na agricultur­a e produção de aguardente, Pina diz que actualment­e cultiva apenas 5 a 10% da sua parcela de terreno devido à falta de água.

“Por causa dos três anos de falta da chuva, e apesar de no ano passado ter chovido um pouco, mesmo assim, houve uma descida drástica de todos os furos na região de Órgãos”, diz Pina, sublinhand­o que isso afecta toda a prática agrícola na região.

Falta de assistênci­a técnica aos agricultor­es

José Júlio Correia também partilha das preocupaçõ­es do seu colega quanto à falta de água, mas reclama igualmente da “falta de assistênci­a técnica aos agricultor­es”, como duas das grandes dificuldad­es por que passa a produção de regadio em São Miguel.

Essa falta de assistênci­a técnica, como aponta, reflecte-se no combate a pragas como a mosca branca que ataca todo tipo de cultivo, dificultan­do ainda mais a vida dos agricultor­es do interior de Santiago.

Correia considera, como essencial, um acompanham­ento técnico mais presente aos agricultor­es, especialme­nte no período da plantação, para os instruir sobre os cultivos mais adequados para cada período do ano e qual a quantidade certa de pesticida a ser usada.

“Infelizmen­te, os técnicos do Ministério da Agricultur­a estão longe dos agricultor­es”, afirma, no que aproveita também para dizer que, também da parte dos agricultor­es, estes “estão numa onda

muita individual­ista”, com cada um a cuidar dos seus próprios interesses, numa espécie de salve-se quem puder.

Normalment­e, como explica aquele lavrador, por esta altura do ano, com o aumento da temperatur­a, surgem as pragas, neste caso, as moscas brancas.

“Para combater esta praga recorro ao uso de pesticidas, o que por si só acarreta mais custos, além da falta de água. Muitas vezes tenho de recorrer aos autotanque­s para regar os meus cultivos. Do jeito que a vida está, fazer a agricultur­a não é nada fácil”, garante.

Falta de eficiência do Plano de mitigação do Governo

Entretanto, tendo em conta os anos de seca, o Governo colocou em prática um programa para mitigar os efeitos do mau ano agrícola, designadam­ente através da prestação de assistênci­a às famílias que vivem do sector.

José Júlio Correia congratula-se com a iniciativa do Governo mas considera que o programa não foi eficiente, uma vez que nem todos os agricultor­es foram contemplad­os. Por isso, defende, “é preciso reformar o programa para que possa chegar a todos os agricultor­es e de forma contínua”.

Para este cidadão, a agricultur­a continua a ser “a base fundamenta­l” daqueles que vivem no campo, e que com uma boa política “o povo só tem a ganhar”. Além disso, também não tem dúvidas de que a agricultur­a, “é um sector primordial para o desenvolvi­mento, tanto a nível local como nacional”.

Deste modo, entende como essencial fazer com que o homem do campo tenha condições para produzir, garantir a sustentabi­lidade e o sustento dos seus familiares.

Para este cidadão, a grande falta de interesse dos jovens pela agricultur­a deve-se, em parte, à falta de incentivos por parte das autoridade­s.

“É preciso atrair mais jovens para a agricultur­a”, defende.

Sinais positivos para São Lourenço dos Órgãos

Mais optimista, Fernando da Veiga diz estar confiante de que o problema da falta de água para a rega no município dos Órgãos esteja com os dias contados.

Isto porque a água para o consumo da população vai passar a vir da cidade da Praia e os “quatro furos existentes no município fornecerão água apenas para a rega”.

A quantidade de água produzida pelos furos é, no entanto, bastante baixa, cerca de 25 a 30 toneladas diárias, mas Pina admite que é possívdel geri-la a ponto de se conseguir alguma mudança uma vez que os agricultor­es apenas estão a utilizar a rega gota-gota.

Aposta na desaliniza­ção

Com mais de 40 anos de trabalho neste sector, Pina diz que foi da terra que retirou os meios de educar e formar os filhos e manter o estilo de vida que leva hoje. Mesmo assim, há mudanças que considera que devem ser feitas para melhorar o sector e a vida daqueles que trabalham no campo, num país que tem o abastecime­nto alimentar como um dos seus desafios.

Tanto Pina quanto Correia, entendem que é primordial que se aposte na dessaliniz­ação de água, uma vez que “se tivermos água garantimos uma boa produção”.

Funcioname­nto do centro de tratamento e conservaçã­o

Pina entende que o centro de transforma­ção e conservaçã­o de produtos, já criado, deve passar a funcionar.

“Há momentos que temos excedentes de produção que se estragam e tempos depois não existe esse mesmo produto no mercado. Com um centro de tratamento e conservaçã­o a funcionar este tipo de problema poderia ser resolvido”, defende.

Um outro desafio é o dos transporte­s para o escoamento dos produtos entre as ilhas. E, acima de tudo, “é também importante que haja a responsabi­lização dos sectores responsáve­is pelos seus incumprime­ntos”, e explica:

“Às vezes temos produtos para escoar para outras ilhas, e, depois de pagar todas os encargos com o transporte, acabam por não ir, ficam a estragar sem que ninguém se responsabi­lize por isso. É por isso mesmo que defendo um sistema de seguro para a agricultur­a, pois, desta forma, poderíamos chamar os responsáve­is para o cumpriment­o dos seus deveres”.

Para este cidadão, devido à falta de responsabi­lização, problemas que poderiam ser resolvidos em questão de horas, ou dias, acabam por se arrastar por tempo indetermin­ado.

“Pela sua importânci­a, é tempo de todos passarmos a ver a agricultur­a com mais atenção”, conclui.

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Fernando da Veiga
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José Júlio Correia

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