Moradores de Eugénio Lima cansados de viver num bairro de má fama
Achada Eugénio Lima, na cidade da Praia, é um bairro que até as pesquisas do Google associam à violência, criminalidade, droga, álcool, prostituição, entre outros males. Um quadro que os moradores mais conscientes, através da associação local, presidida por Ricardina Semedo, pretendem mudar. “Precisamos desconstruir essa ideia porque, aqui, também há amor, alegria e simpatia”, afirma o cidadão Isaías Tavares.
De longe, mas também de perto, Achada Eugénio Lima é vista pelas “más práticas” que envolvem a insegurança, a delinquência juvenil, a criminalidade, o álcool, a droga, a prostituição, entre outros problemas sociais, que o caraterizam como um bairro problemático e até “medonho”.
As pesquisas no Google também não escondem os piores acontecimentos que marcaram este bairro, um dos quatro mais populosos da cidade da Praia, actualmente, com cerca de 7 mil habitantes.
Este “retrato” de Eugénio Lima não tem agradado aos seus moradores, que, de dentro para fora, o definem como um bairro “querido”, apesar dos seus problemas e adversidades.
Afinal, trata-se, na maioria, de gente que trabalha e onde não faltam jovens que se destacam nas mais diversas áreas, da cultura ao desporto, da moda à cidadania.
Associação Comunitátia: uma luz ao fundo do túnel
É nesta perspectiva de melhorar a imagem da comunidade, que nasceu, em 2015, a Associação Comunitária de Achada Eugénio Lima (ACAEL) que tem trabalhado em várias frentes, sobretudo a nível social, cultural, desportivo e recreativo, para melhorar a vida e a imagem deste bairro com um quartel militar à entrada e esquadra policial à beira da saída.
“Reunimos pela primeira vez, em 2015, mas oficializámos a nossa associação em 2019 com uma nova visão que vai além do entretenimento. Temos feito várias actividades nas áreas da saúde, educação, desporto, recreio, entre outras, para melhorar a imagem da
nossa comunidade, e, mais do que isso, fazer com que sejamos vistos de forma positiva”, explica a presidente da ACAEL, Ricardina Semedo, ao A NAÇÃO.
“É muito triste saber que até mesmo no Google, quando pesquisamos ‘Achada Eugénio Lima’, como resposta temos resultados tristes, dando conta das piores coisas que acontecem aqui, nomeadamente, assaltos, assassinatos, entre outros crimes, com que nos deparamos no dia a dia. São coisas que também acontecem noutros bairros da Praia, mas nem por isso possuem a mesma fama”, lamenta a líder comunitária, para quem AEL precisa “limpar o nome”, na comunicação social, procurando destacar-se pelas suas potencialidades, que não são poucas.
Incentivar os jovens
“A ideia é incentivar os jovens a se destacarem de forma positiva, dando-lhes a oportunidade de praticarem o desporto, participar nas actividades que ajudam os nossos moradores, como campanhas de solidariedade e de limpeza”, argumenta Ricardina Semedo.
Esta líder associativa apontou ainda a realização de formações em empreendedorismo, entre outras, que “desviem os jovens da violência, da prostituição, da droga, entre outros caminhos que por vezes seguem por falta de oportunidade ou ocupação”.
Centro comunitário será uma mais-valia
Ainda no âmbito dessa nova “construção social” do Eugénio Lima, a ACAEL diz que tem um grande projecto de construção de uma infraestrutura que, quando concluído, será uma mais-valia para esta e outras comunidades vizinhas.
Trata-se da construção de um centro comunitário, um espaço multiusos, de ocupação de tempos livres, formação para os jovens, biblioteca, salão de actividades, balcão único, lanchonete, salas de artes e aulas de costura, entre outras formações, que servirão a toda a comunidade em todas as faixas etárias.
“O centro será também de utilidade para as comunidades vizinhas como Pensamento, Alto da Glória, Bairro 13 de Janeiro, Achadinha, entre outras, com as mesmas necessidades para uma relação que permitirá união e cumplicidade entre elas”, sublinha a jovem activista, para quem este projecto também resolverá as carências do bairro em relação às infraestruturas públicas, que é um dos seus pontos fracos.
Única placa desportiva não responde às demandas
“Na área do desporto, temos apenas uma placa desportiva que não responde à demanda populacional. A nível social, temos uma praça, mas não é um espaço de lazer.
Além destes, temos a escola e a capela que nos acolhe para encontros, palestras, entre outras actividades, porque não temos outras alternativas.
Para além do melhoramento do que já temos, sentimos também falta de um posto de saúde mais próximo, sobretudo para os idosos”, explica.
A ACAEL está ciente de que, do ponto de vista social, é preciso ter em conta que Achada Eugénio Lima Ainda é uma zona que vai para além das duas fileiras de casas à beira da estrada principal porquanto, nas periferias ecnontram-se moradores mais vulneráveis a precisarem de ajudas em vários domínios.
“Não é por acaso que a nossa associação conta com pelo menos 30 membros activos de diferentes pontos do bairro e outros no estrangeiro. Queremos conhecer a nossa realidade, as condições de cada morador para juntos procurarmos as soluções para aqueles que mais precisam”, revela Ricardina Semedo.
Colónias de férias e distribuição de materiais escolares
Associação pretende realizar colónias de férias para ocupar as crianças nas férias escolares, dando-lhes acompanhamento com brincadeiras e actividades recreativas para não perderem o contacto com a escola.
Estas actividades visam igualmente ajudar, sobretudo, os pais que trabalham e que não tem onde deixar os seus filhos neste período de férias em plena pandemia.
Para além da colónia de férias, deste, a associação realiza todos os anos uma campanha de solidariedade no âmbito do projecto “Djuda um kriansa bai skola” que consiste na angariação de fundos para materiais escolares que serão distribuídos aos mais carenciados.
“Gostaríamos de fazer muito mais do que isso, por exemplo, temos muitos professores reformados que se tiverem um espaço poderiam dar aulas de explicação aos alunos e fazermos um acompanhamento mais de perto”, lamenta.
Programa “ATL Jovens”
A ACAEL também realiza anualmente o programa “ATL Jovens” que começa com a comemoração do Dia da Juventude, em Agosto seguida de um conjunto de informação e formação dos jovens sobre assuntos pertinentes para esta faixa etária.
Os jovens também participam em programas de convívio, trocas de experiências, passeios e caminhadas enquadrados no projecto “Conhecer a Cidade” e, ainda, em acções de incentivo para que contribuam para o processo de transformação da comunidade.
A associação também oferece materiais escolares e, por vezes, o pagamento das propinas aos jovens universitários de famílias mais vulneráveis.
Prestação de cuidados aos idosos
Tendo em conta que existem em AEL muitos idosos que por vezes moram sozinhos a associação comunitária local desenvolveu projectos específicos para esta faixa etária que vai desde os cuidados como prestação de serviços de saúde, limpeza das suas casas até programas de lazer.
“Temos uma grande preocupação ´com os idosos da nossa comunidade que também são as nossas prioridades no projecto ‘Nos Más Grandi’ que está dividido em três vertentes: a primeira integra cuidados e prestação de saúde com visita domiciliária para supervisionar sobretudo aqueles que moram sozinhos e que não têm apoios.
A segunda vertente refere-se à área de lazer e inclui actividades físicas, passeios, visitas e actividades que permitem aos idosos interagirem com os mais novos, sendo eles portadores de maiores conhecimentos.
A terceira e última vertente inclui pequenas formações e ateliês de pinturas”, explica Ricardina Semedo.
Apoios são sempre bem-vindos
Tendo em conta que estes projectos carecem de meios financeiros para serem concretizadas, Ricardina Semedo diz que, além das actividades que organizam para angariar fundos, a associação costuma contar com ajudas de algumas instituições, mas não de forma directa ou frequente.
“Muitas associações como a nossa sobrevivem de apoios de parceiros próximos. Já nós, não temos parceiros próximos ou fixos. Contamos com apoios da nossa comunidade, como por exemplo as lojas e até mesmo dos membros da ACAEL. Fora isso, contamos com as ajudas da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que se tem mostrado sempre disponível. Também temos contado com o apoio da Presidência da República e da Cáritas”, explica a nossa entrevistada realçando que encontrar parcerias para financiar os projectos tem sido difícil, sobretudo nesta pandemia.
“Como costumo dizer aos meus colegas associados, dinheiro para fazer o bem pode tardar, mas sempre chega. No momento certo haveremos de conseguir pôr em prática os nossos projectos para o bem comum”, termina, esperançosa.