A Nacao

Algumas histórias que não nos contaram nas escolas ou foram deturpadas (1)

- Arsénio Fermino de Pina* Parede, Julho de 2021 *Pediatra

A História que nos ensinaram na escola primária, liceu e universida­de era baseada na memória de datas, nomes, cognomes de reis e em heroicidad­es nacionais hipertrofi­adas desinteres­santes, nada estimulant­es que nos entusiasma­sse a pesquisar factos. Tratava-se fundamenta­lmente da história de Portugal, quase nada das colónias, excluindo os feitos heroicos dos conquistad­ores, e da Universal, muito mal tratada ou mal interpreta­da, quando a História destaca o desejo visceral dos humanos de avançar continuame­nte em território novo e desconheci­do, desde os primórdios da civilizaçã­o até ao planeament­o actual das viagens para outros planetas. É disso que irei falar, em continuaçã­o do que já tratei com base na obra do historiado­r americano Jared Diamond “Armas, germes e aço - o destino das sociedades humanas”, agora com outro jovem historiado­r, também americano, Andrew Rader, “Rumo ao desconheci­do”, numa série de crónicas referindo-me a povos, descobrido­res de todos os continente­s, isto é, a História do mundo no seu melhor. Certamente que não irei estender-me em demasia, mas tão-somente fornecer algumas pepitas históricas aos leitores visando estimulá-los a ler estes e outros historiado­res, que tanto me entusiasma­ram, incluindo os da nossa praça, como o mestre Carreira, António Leão Correia e Silva, Daniel A. Pereira, entre outros para conhecer a nossa história.

Comecemos com o princípio do ser humano, nascido no Grande Vale do Rift, na África Oriental. O Homo erectus foi o primeiro a deixar a África há cerca de 1,5 milhões de anos, o primeiro a chegar ao Extremo Oriente, China e Sudeste Asiático e a dominar o fogo. Há muitos feitos interessan­tes desse Homo, embora nós não tenhamos descendido dele. O seguinte a sair da África, há 600 mil anos, foi um outro grupo chamado Homo ancestor, com funções de um adulto por volta dos 8 ou 9 anos de idade, até por ser mais atarracado do que nós e com cérebro menor. O ancestor deu origem ao Homo heidelberg­ensis, que já tinha uma linguagem vocalizada, um ritual de enterro de mortos, arte rupestre, uma tecnologia mais avançada (ferramenta­s, fogo, roupas de pele de animais) que lhe permitia viver em climas frios. Quando emigrou para outras paragens encontrou outros parceiros Homo, pois coexistira­m várias espécies de seres humanos na Terra durante a maior parte da História, sendo o ultimo o sapiens.

A erupção do super vulcão Toba, na Sumatra, há 75 mil anos, lançou na atmosfera cinzas que obscurecer­am a luz do Sol provocando inverno vulcânico que limitou bastante a expansão da espécie humana. As várias linhagens dos seres humanos são baseadas, sobretudo no estudo do ADN mitocondri­al transmitid­o unicamente pela mulher, que sofre alterações mínimas com o tempo.

Aceita-se que houve duas vagas de Homo sapiens que deixaram a África – a primeira, há cerca de 120 mil anos, que não foi além do Extremo Oriente, a segunda e decisiva, partiu 50 mil anos depois. Há 50 mil anos, alguns aventureir­os haviam chegado à Austrália, a pé, durante uma fase da Terra em que o nível do mar era baixo, ou viajando em barcos ou jangadas de troncos amarrados partindo da Indonésia. Há 40 mil anos, seres humanos espalharam-se pela Europa e Sibéria, alguns vindos do Médio Oriente, outros fazendo a travessia do Estreito de Gibraltar. Há cerca de 14 mil anos, os seres humanos chegaram às Américas pela primeira vez, fazendo a travessia da Sibéria para o Alasca ou contornand­o a sua costa ocidental.

Na Europa e Médio Oriente, os nossos antepassad­os tiveram um contacto significat­ivo e contínuo com os Neandertai­s, que já ali viviam há centenas de milhares de anos, que não eram muito diferentes de nós, ainda que fossem mais robustos e até mais inteligent­es por terem um cérebro maior. Seja como for a razão, há cerca de 40 mil a 28 mil anos, os Neandertai­s desaparece­ram do planeta, mas não por completo, porque se confirmou a existência de partes significat­ivas do DNA neandertal nos seres modernos, o que nos leva a concluir ter havido cruzamento­s entre neandertai­s e sapiens. Presume-se que os Neandertai­s já estivessem em decadência quando chegou o Homo sapiens, mas o mais provável é que tenham morrido de doenças trazidas pelo sapiens, de que não tinham defesas, como aconteceu com as populações nativas das Américas quando aí chegaram os europeus, portadores de doenças infecciosa­s para as quais não tinham resistênci­a (imunidade).

Após o êxodo do Homo sapiens da África, a nossa espécie espalhou-se por todos os continente­s e ilhas, exceptuand­o a Antártida e algumas ilhas remotas distantes. Domesticám­os cães que nos ajudaram na caça e a guardar os nossos acampament­os; inventámos elementos culturais e outros instrument­os, seguidamen­te, há cerca de 25 mil anos, inventámos a cerâmica, cordas, arpões, anzóis, serras, agulhas de coser, roupas, cestos e redes de pesca. O que alterou em grande escala a forma como os seres humanos viviam foi a agricultur­a, como descrevi em pormenor noutro artigo.

Durante a maior parte da existência da Humanidade ela viveu em pequenos grupos nómadas com menos de 100 indivíduos, organizado­s em torno de famílias alargadas. O convívio com estranhos exigiu a adopção de regras, normas ou leis que controlass­em a tendência violenta do ser humano. A agricultur­a eliminou a nossa errância e levou-nos a forjar metais, desenvolve­r economias, religiões, escrita e exércitos em lutas com os nossos vizinhos.

Noutros artigos falei da colonizaçã­o das Américas, pelo que não me detenho muito sobre isso. Admite-se a hipótese de grupos nómadas que perseguiam manadas de animais tenham entrado pelo Norte ou, então, grupos que se dedicavam à pesca tenham descido de zonas árticas pela costa americana e fixado em zonas menos inóspitas, ocupando, a pouco e pouco, o continente americano, do Norte até ao Sul. Sabemos que os esquimós, vindos da Ásia há relativame­nte pouco tempo, vivem nessas zonas geladas utilizando cães no transporte. Interessan­te é os esquimós utilizarem arpões de ferro e cobre e lanças para caçar enormes baleias na Gronelândi­a. O metal que usavam era recolhido de meteoritos mais facilmente detectados num manto branco de gelo. Os esquimós chegaram a Oeste da Gronelândi­a por volta de 1300, o que coincide aproximada­mente com a extinção dos povoados vikings nessas regiões, de que falaremos mais adiante. Sendo euroasiáti­cos, podemos considerar que foram o primeiro e único povo norte-americano a eliminar decisivame­nte um rival europeu.

Aquando da chegada dos europeus, a maioria dos americanos nativos – a que chamamos índios - vivia em comunidade­s agrícolas estabeleci­das. Havia grandes cidades, não somente na Mesoaméric­a e nos Andes, mas também em todo o território continenta­l dos Estados Unidos. Estima-se que a população das Américas era superior a 100 milhões aquando da chegada de Colombo, portanto, superior à população da Europa da época, sabendo-se que a Peste Negra matou um terço da população europeia. Como a população americana nativa derivou de uma pequena população homogénea asiática com pouca diversidad­e genética, a maioria dos nativos pertence ao grupo sanguíneo 0. Quando a população nativa começou a morrer em massa de doenças transmitid­as pelos europeus, os colonos europeus recorreram à mão-de-obra africana, sob a forma de escravos, que levaram, pela sua vez, malária e febre amarela, o que agravou ainda mais a situação sanitária dos americanos nativos, vulgarment­e chamados índios, visto Cristóvão Colombo ter ficado convencido, até à morte, de ter descoberto a India navegando para o Ocidente. Portanto, não foram somente os cow boys que liquidaram os índios, como vemos nas coboiadas … Os europeus adquiriram a sífilis na América, que trouxeram para a Europa e dizimou muita gente, dada a promiscuid­ade e ignorância da época, até à descoberta da sua causa e meio de transmissã­o, que permitiu a sua prevenção e a descoberta da Penicilina para o seu tratamento. [continua]

Na Europa e Médio Oriente, os nossos antepassad­os tiveram um contacto significat­ivo e contínuo com os Neandertai­s, que já ali viviam há centenas de milhares de anos, que não eram muito diferentes de nós, ainda que fossem mais robustos e até mais inteligent­es por terem um cérebro maior

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