Algumas histórias que não nos contaram nas escolas ou foram deturpadas (1)
A História que nos ensinaram na escola primária, liceu e universidade era baseada na memória de datas, nomes, cognomes de reis e em heroicidades nacionais hipertrofiadas desinteressantes, nada estimulantes que nos entusiasmasse a pesquisar factos. Tratava-se fundamentalmente da história de Portugal, quase nada das colónias, excluindo os feitos heroicos dos conquistadores, e da Universal, muito mal tratada ou mal interpretada, quando a História destaca o desejo visceral dos humanos de avançar continuamente em território novo e desconhecido, desde os primórdios da civilização até ao planeamento actual das viagens para outros planetas. É disso que irei falar, em continuação do que já tratei com base na obra do historiador americano Jared Diamond “Armas, germes e aço - o destino das sociedades humanas”, agora com outro jovem historiador, também americano, Andrew Rader, “Rumo ao desconhecido”, numa série de crónicas referindo-me a povos, descobridores de todos os continentes, isto é, a História do mundo no seu melhor. Certamente que não irei estender-me em demasia, mas tão-somente fornecer algumas pepitas históricas aos leitores visando estimulá-los a ler estes e outros historiadores, que tanto me entusiasmaram, incluindo os da nossa praça, como o mestre Carreira, António Leão Correia e Silva, Daniel A. Pereira, entre outros para conhecer a nossa história.
Comecemos com o princípio do ser humano, nascido no Grande Vale do Rift, na África Oriental. O Homo erectus foi o primeiro a deixar a África há cerca de 1,5 milhões de anos, o primeiro a chegar ao Extremo Oriente, China e Sudeste Asiático e a dominar o fogo. Há muitos feitos interessantes desse Homo, embora nós não tenhamos descendido dele. O seguinte a sair da África, há 600 mil anos, foi um outro grupo chamado Homo ancestor, com funções de um adulto por volta dos 8 ou 9 anos de idade, até por ser mais atarracado do que nós e com cérebro menor. O ancestor deu origem ao Homo heidelbergensis, que já tinha uma linguagem vocalizada, um ritual de enterro de mortos, arte rupestre, uma tecnologia mais avançada (ferramentas, fogo, roupas de pele de animais) que lhe permitia viver em climas frios. Quando emigrou para outras paragens encontrou outros parceiros Homo, pois coexistiram várias espécies de seres humanos na Terra durante a maior parte da História, sendo o ultimo o sapiens.
A erupção do super vulcão Toba, na Sumatra, há 75 mil anos, lançou na atmosfera cinzas que obscureceram a luz do Sol provocando inverno vulcânico que limitou bastante a expansão da espécie humana. As várias linhagens dos seres humanos são baseadas, sobretudo no estudo do ADN mitocondrial transmitido unicamente pela mulher, que sofre alterações mínimas com o tempo.
Aceita-se que houve duas vagas de Homo sapiens que deixaram a África – a primeira, há cerca de 120 mil anos, que não foi além do Extremo Oriente, a segunda e decisiva, partiu 50 mil anos depois. Há 50 mil anos, alguns aventureiros haviam chegado à Austrália, a pé, durante uma fase da Terra em que o nível do mar era baixo, ou viajando em barcos ou jangadas de troncos amarrados partindo da Indonésia. Há 40 mil anos, seres humanos espalharam-se pela Europa e Sibéria, alguns vindos do Médio Oriente, outros fazendo a travessia do Estreito de Gibraltar. Há cerca de 14 mil anos, os seres humanos chegaram às Américas pela primeira vez, fazendo a travessia da Sibéria para o Alasca ou contornando a sua costa ocidental.
Na Europa e Médio Oriente, os nossos antepassados tiveram um contacto significativo e contínuo com os Neandertais, que já ali viviam há centenas de milhares de anos, que não eram muito diferentes de nós, ainda que fossem mais robustos e até mais inteligentes por terem um cérebro maior. Seja como for a razão, há cerca de 40 mil a 28 mil anos, os Neandertais desapareceram do planeta, mas não por completo, porque se confirmou a existência de partes significativas do DNA neandertal nos seres modernos, o que nos leva a concluir ter havido cruzamentos entre neandertais e sapiens. Presume-se que os Neandertais já estivessem em decadência quando chegou o Homo sapiens, mas o mais provável é que tenham morrido de doenças trazidas pelo sapiens, de que não tinham defesas, como aconteceu com as populações nativas das Américas quando aí chegaram os europeus, portadores de doenças infecciosas para as quais não tinham resistência (imunidade).
Após o êxodo do Homo sapiens da África, a nossa espécie espalhou-se por todos os continentes e ilhas, exceptuando a Antártida e algumas ilhas remotas distantes. Domesticámos cães que nos ajudaram na caça e a guardar os nossos acampamentos; inventámos elementos culturais e outros instrumentos, seguidamente, há cerca de 25 mil anos, inventámos a cerâmica, cordas, arpões, anzóis, serras, agulhas de coser, roupas, cestos e redes de pesca. O que alterou em grande escala a forma como os seres humanos viviam foi a agricultura, como descrevi em pormenor noutro artigo.
Durante a maior parte da existência da Humanidade ela viveu em pequenos grupos nómadas com menos de 100 indivíduos, organizados em torno de famílias alargadas. O convívio com estranhos exigiu a adopção de regras, normas ou leis que controlassem a tendência violenta do ser humano. A agricultura eliminou a nossa errância e levou-nos a forjar metais, desenvolver economias, religiões, escrita e exércitos em lutas com os nossos vizinhos.
Noutros artigos falei da colonização das Américas, pelo que não me detenho muito sobre isso. Admite-se a hipótese de grupos nómadas que perseguiam manadas de animais tenham entrado pelo Norte ou, então, grupos que se dedicavam à pesca tenham descido de zonas árticas pela costa americana e fixado em zonas menos inóspitas, ocupando, a pouco e pouco, o continente americano, do Norte até ao Sul. Sabemos que os esquimós, vindos da Ásia há relativamente pouco tempo, vivem nessas zonas geladas utilizando cães no transporte. Interessante é os esquimós utilizarem arpões de ferro e cobre e lanças para caçar enormes baleias na Gronelândia. O metal que usavam era recolhido de meteoritos mais facilmente detectados num manto branco de gelo. Os esquimós chegaram a Oeste da Gronelândia por volta de 1300, o que coincide aproximadamente com a extinção dos povoados vikings nessas regiões, de que falaremos mais adiante. Sendo euroasiáticos, podemos considerar que foram o primeiro e único povo norte-americano a eliminar decisivamente um rival europeu.
Aquando da chegada dos europeus, a maioria dos americanos nativos – a que chamamos índios - vivia em comunidades agrícolas estabelecidas. Havia grandes cidades, não somente na Mesoamérica e nos Andes, mas também em todo o território continental dos Estados Unidos. Estima-se que a população das Américas era superior a 100 milhões aquando da chegada de Colombo, portanto, superior à população da Europa da época, sabendo-se que a Peste Negra matou um terço da população europeia. Como a população americana nativa derivou de uma pequena população homogénea asiática com pouca diversidade genética, a maioria dos nativos pertence ao grupo sanguíneo 0. Quando a população nativa começou a morrer em massa de doenças transmitidas pelos europeus, os colonos europeus recorreram à mão-de-obra africana, sob a forma de escravos, que levaram, pela sua vez, malária e febre amarela, o que agravou ainda mais a situação sanitária dos americanos nativos, vulgarmente chamados índios, visto Cristóvão Colombo ter ficado convencido, até à morte, de ter descoberto a India navegando para o Ocidente. Portanto, não foram somente os cow boys que liquidaram os índios, como vemos nas coboiadas … Os europeus adquiriram a sífilis na América, que trouxeram para a Europa e dizimou muita gente, dada a promiscuidade e ignorância da época, até à descoberta da sua causa e meio de transmissão, que permitiu a sua prevenção e a descoberta da Penicilina para o seu tratamento. [continua]
Na Europa e Médio Oriente, os nossos antepassados tiveram um contacto significativo e contínuo com os Neandertais, que já ali viviam há centenas de milhares de anos, que não eram muito diferentes de nós, ainda que fossem mais robustos e até mais inteligentes por terem um cérebro maior