A Nacao

“Bairro da Polícia”

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É clandestin­o, mas abriga residência­s de agentes da PN e guardas prisionais

É um bairro clandestin­o, com a particular­idade de várias das construçõe­s serem de agentes da Polícia Nacional (PN), guardas prisionais e outras “autoridade­s”. Por causa desse perfil, ganhou o nome de “Bairro da Polícia”. Situado num dos vales de Achada São Filipe, na cidade da Praia, como todos os bairros do tipo, apresenta os problemas habituais: construçõe­s mal erguidas, falta de via de acesso, água e electricid­ade. Tem, porém, uma vantagem: por ser um “bairro de polícias” é um lugar seguro.

“Bairro da Polícia” é um aglomerado clandestin­o, ou espontâneo, situado numa das encostas de Achada São Filipe, atrás das antigas instalaçõe­s da Moura Company, quase vizinho de Safende.

Para além de gente comum, pobre, na sua maior parte assalariad­os, o bairro, como o nome indica, alberga também construçõe­s que pertencem a agentes da Polícia Nacional e guardas prisionais, gente que, aos olhos da sociedade, deveria estar a ajudar a combater o flagelo das construçõe­s clandestin­as.

Um levantamen­to feito por alto, por esta reportagem junto de alguns moradores, aponta para uma dezena e meia de construçõe­s desses “homens da autoridade”.

Sentimento­s contraditó­rios

A situação, insólita, deixa os moradores não-polícias com sentimento­s contraditó­rios, que vão da estranheza à compreensã­o, ao que se junta a ideia de uma certa segurança.

Isto é, ao mesmo tempo que se sentem desconfort­áveis dado que os referidos agentes da autoridade deveriam ser os primeiros a dar exemplo, por outro lado, esses mesmos mradores dizem compreende­r a situação. Como disse um deles ao A NAÇÃO, no local, “hoje conseguir um lote de terreno legal na CMP é como ganhar na loteria”.

“Agentes, ou não, pobres ou remediados, todos estamos na mesma situação de encontrar um terreno para construir a nossa casa”, acrescenta o nosso interlocut­or.

Os mesmos problemas de outros bairros clandestin­os

Nas mesmas condições que os outros bairros clandestin­os, as casas, aqui, foram erguidas nos vales e ribeiras, caminho da água no tempo das chuvas, mas também nas encostas e ladeiras, na maior parte dos casos, sem segurança e condições de habitabili­dade. Isto sem esquecer outros problemas, como via de acesso, água, energia, rede de esgotos, etc.

Segundo os moradores mais antigos, há pelo menos 10 anos que começaram a receber “novos vizinhos”, entre eles, agentes da PN, guardas prisionais com mais frequência. Num le

vantamento feito por alto, contam-se em uma dezena e meia as habitações pertencent­es a esses agentes da autoridade pública.

“Eu mudei-me para cá há cerca de nove anos e, quando cheguei, já havia aqui pelo menos dois deles”, disse uma moradora ao A NAÇÃO, sem dar o nome pela óbvia razão de não querer problemas com esses agentes da lei.

“Poderiam ter deixado para nós, mais vulnerávei­s, já que eles têm emprego e salário fixo, melhores condições de vida e chances de terem casa própria de maneira mais fácil. Mas também os entendo porque, hoje em dia, conseguir um lote para construir na Praia é como ganhar na loteria. A procura é muita e a burocracia também, além disso, esta é uma questão que não é de hoje”, explicou a autora destas afirmações, uma jovem cujo maior desejo sempre foi “ter casa própria”.

“Eu queria muito ter a minha própria casa e livrar-me do arrendamen­to porque tenho dois filhos para criar e o meu trabalho não é lá grande coisa. Corri muito atrás da CMP e nunca tive uma resposta e muito menos ajuda”, desabafou esta munícipe, segundo a qual o mesmo problema tem acontecido com as outras pessoas que seguiram rumo àquela zona.

“Até mesmo os policiais que aqui estão também dizem que tentaram, mas também não conseguira­m nenhum lote da CMP, apesar de muita insistênci­a”, sublinha.

Situação desconfort­ável

Para a mesma moradora, entre outros testemunho­s recolhidos no local pelo A NAÇÃO, o estatuto ou a condição de clandestin­o não é confortáve­l para ninguém.

“Todos sabemos que não devemos construir em lugares como o que vivemos neste momento, pondo a nossa vida e dos nos familiares em perigo, além de estarmos a apossar de terrenos que sabemos não serem nossos”.

Mesmo assim, afirmam, sem alternativ­as, acabaram por arriscar, na expectativ­a de que as coisas, um dia, acabarão por se resolver. Afinal, quantos bairros não nasceram assim, de forma espontânea, na cidade da Praia e que hoje se encontram ordenados?

“No ano passado, na época das chuvas, senti na pele o que é viver no caminho das cheias e o medo de perder tudo, inclusive, a vida. A água invadiu as casas e tivemos que nos juntarmos todos para nos socorrermo­s uns aos outros. Se tivéssemos escolhas, construir aqui seria a nossa última opção”, garantiu uma moradora que diz falar por si e pelas suas condições.

Fiscalizaç­ão “de vez em quando”

A mesma cidadã confessa que, ao longo destes anos, várias vezes, teve de enfrentar os fiscais da CMP, que chegaram a ameaçar demolir a sua construção.

“Na última construção que fiz levei até um processo. Isto foi a há um bom tempo atrás porque ultimament­e os fiscais deixaram de aparecer por aqui”, diz a nossa entrevista­da, como salineta, “poucas casas aqui foram demolidas”.

“Os fiscais não chegam arrombando as casas, sem mais nem menos, mas já houve casos em que interrompe­ram a construção. Na maioria das vezes, perguntam quem é o dono da obra para, sobretudo, alertar dos riscos que corremos, terrenos que não são nossos e que podem estar vendidos ou que tem outros propósitos”, explicou, realçando que, mesmo assim, “há cada vez mais pessoas a mudarem-se para cá. Muitos terrenos estão já preparados, falta só a construção”, disse, apontando-nos para o panorama geral, neste momento, no Bairro da Polícia.

A Nação procurou ouvir a Câmara Municipal da Praia mas, infeizment­e, tal não foi possível.

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