A Nacao

números do Censo 2021 põem ine em xeque

- Daniel Almeida

Ainda que provisório­s, os números do último censo demográfic­o surpreende­ram a generalida­de dos cabo-verdianos habituados a lidar com os fenómenos da população. Incompetên­cia do INE?... Manipulaçã­o?... A grande pergunta é o que terá acontecido aos mais de 60 mil cidadãos que o quinto Recenseame­nto Geral da População e Habitação (RGPH-2021) deveria revelar, seguindo uma tendência de cresciment­o populacion­al desde 1950.

As expectativ­as apontavam para uma população acima de 550 mil pessoas no país, mas os dados preliminar­es do quinto RGPH-2021, feito pelo INE, indicam para uma diminuição de 491.683 habitantes em 2010, para 483.628 em 2021, ou seja, 67 mil indivíduos.

Esse mesmo levantamen­to permitiu recensear, em quatro unidades estatístic­as, 498.063 indivíduos, 145.952 agregados familiares, 150.016 edifícios e 200.979 alojamento­s.

Recuo de 70 anos

Contudo, é preciso recuar 70 anos para se verificar uma situação similar de perda de população em Cabo Verde. Nessa altura, a população residente na então colónia portuguesa registou uma diminuição de 171.840 habitantes em 1940, para 149.984 em 1950. Essa redução foi justificad­a pelas fomes da década de 40, que dizimaram milhares de cabo-verdianos.

Mas entre 2010 e 2021 não houve nenhum fenómeno extraordin­ário que justificas­se a quebra acentuada da população residente indicado pela V RGPH2021. Pelo contrário, dado o ritmo de cresciment­o populacion­al vários documentos, inclusive do próprio INE, além das Nações Unidas e outras entidades, tinham há muito como seguro que a população cabo-verdiana estava acima dos 550 mil indivíduos.

Outro dado relevante é que, pela primeira vez, há mais homens do que mulheres em Cabo Verde, menos nos 9 concelhos de Santiago, onde as mulheres estão em maioria. Em 2010 havia 243.403 (49,5%) homens contra 248.280 (50,5%) mulheres e agora, com os dados de 2021, houve praticamen­te uma inversão dos números: 243.047 (50,3%) homens e 240.581 (49,7%) mulheres. Ou seja, nesses últimos 11 anos Cabo Verde teve uma redução de 356 indivíduos do sexo masculino e uma diminuição de 7619 do sexo feminino.

Falta de liderança

Esses resultados espelham, segundo especialis­tas contactado­s por A NAÇÃO, “uma falta de liderança” no processo. É que por aquilo que se pôde acompanhar na comunicaçã­o social, “não se ouviu o presidente do INE a falar sobre este censo”.

Um dos nossos interlocut­ores diz que, como se faz noutras paragens, o presidente do INE encontrou-se com o chefe de Estado,

Jorge Carlos Fonseca, permitindo que este fizesse uma declaração à Nação, quando essa oportunida­de deveria ser aproveitad­a também pelo responsáve­l máximo do INE para tecer algumas consideraç­ões sobre o processo.

Porém, quando confrontad­o pelos jornalista­s, Osvaldo Borges disse na ocasião que, por uma questão protocolar, não iria falar.

Entretanto, nesse dia, quem falou foi o vice-primeiro-ministro, Olavo Correia, que discorreu sobre os objectivos do censo. “O presidente do INE não deveria permitir que o Governo se pronuncias­se sobre uma questão que não é política”, porquanto as operações estatístic­as “não podem ser politizada­s” e “muito menos governamen­talizadas”, comenta o nosso interlocut­or.

Protagonis­mo de Olavo Correia

Outrossim, num encontro com os parceiros, a três dias do início do V RGPH-2021, quem também falou à imprensa foi, uma vez mais, o vice-primeiro-ministro e não o presidente do INE.

Esse alegado excesso de protagonis­mo de um membro de Governo, em detrimento do responsáve­l do INE, na óptica da nossa fonte, terá provocado algumas confusões, entre outros problemas que acabaram por afectar o normal andamento dos trabalhos no terreno.

“Foi possível perceber, através das redes sociais, um certo receio das pessoas em relação ao censo, por pensarem que os dados seriam encaminhad­os para o Governo ou para o NOSi”, explica um dos especialis­tas ouvidos pelo A NAÇÃO. Este considera que o INE deixou o Governo liderar o processo, “isso é perigoso e tem as suas consequênc­ias”.

Polémica em torno do Cadastro Social Único

“Também tivemos eleições legislativ­as em Abril e toda gente sabe qual foi a polémica em torno do Cadastro Social Único. E foi o próprio INE que disse que estavam com problemas na operaciona­lização do censo, porquanto as pessoas estavam a confundir esse inquérito com o Cadastro Social Único”, enfatiza o nosso interlocut­or que afirma que, como isso, “se passou uma mensagem extremamen­te negativa para as pessoas que ainda não se tinham recenseado”.

Do ponto de vista técnico, um outro especialis­ta contactado por A NAÇÃO diz claramente que não acredita na redução da população em Cabo Verde.

“Há uma omissão no processo de recolha”, afirma, da mesma forma que diz não acreditar na inversão da masculinid­ade no país.

“Até porque foi feito, em 2017 ou em 2018, um inquérito demográfic­o e de saúde reprodutiv­a, que, para além de fornecer todos os indicadore­s demográfic­os, é um documento fundamenta­l para ajustar a projecção demográfic­a”, explica o nosso interlocut­or afirmando que esse outro inquérito “não mostrou essa tendência de inversão da masculinid­ade”.

Outros factores

Para além da questão da governamen­talização, outros factores terão contribuíd­o para o alegado insucesso do V RGPH2021. Um dos quais o facto de as pessoas terem considerad­o que o censo foi “invasivo”, principalm­ente em relação ao nome que era solicitado aos inquiridos.

Nisso houve quem tivesse perguntado se a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) tinha conhecimen­to desse aspecto e se essa instituiçã­o tinha dado aval ao INE para esse fim.

Diante disso, só no dia 2 de Julho, logo após o fim do prazo da realização do censo, é que o presidente da CNPD, Faustino Varela, e o presidente do INE, Osvaldo Borges, vieram a público, numa conferênci­a de imprensa, tranquiliz­ar os cidadãos a esse respeito.

“Não se pode fazer um censo de forma reactiva”, realça o nosso interlocut­or que considera que deve haver uma estratégia de sensibiliz­ação e comunicaçã­o, que “tem de ser implementa­da com muita antecedênc­ia em relação à data da realização do censo”.

“Claramente, a comunicaçã­o não funcionou”, conclui.

Mas o nosso interlocut­or ressalva que na busca das razões há que ter em conta o facto de se ter realizado um censo, pela primeira vez, em contexto de pandemia.

“Acredito que a questão da pandemia terá afectado, igualmente, o INE no processo de recolha de dados”.

Silêncio do INE

Para esclarecer estas e outras constataçõ­es, além de questões laborais, este jornal tentou ouvir o presidente do INE, Osvaldo Borges, não atendeu os nossos telefonema­s e tão-pouco respondeu à nossa mensagem.

Ainda sobre o quinto RGPH2021 ver o artigo do economista João Serra no caderno ETC, páginas E06 e E07.

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