Primeiro-ministro mente ao país e novas revelações adensam o caso TACV-Icelandair
O contrato entre a Loftleidir e o Estado de Cabo Verde, sobre a privatização da TACV, divulgado por este jornal na semana passada, contém vários outros aspectos controversos. A sua redacção em inglês, sem a devida versão em português, levanta o problema da sua validade jurídica junto dos tribunais do país. As várias reacções ao artigo comprovam a dimensão deste imbróglio que já consumiu alguns milhões de contos ao Tesouro nacional.
Oprimeiro-ministro Ulisses Correia e Silva procurou, na sexta-feira, da semana passada, desvalorizar o artigo “Contrato secreto com islandeses revela meandros ruinosos para o erário público”, dizendo que o documento já se encontrava na posse da Assembleia Nacional.
E indo mais longe, UCS tratou, igualmente, de dizer que não podia comentar o que tinha saído no A NAÇÃO, onde, como disse, “sai tanta coisa e sabemos que é o jornal de que tipo de coisas que produz. Nós estamos tranquilos”.
Contrato só foi enviado ao Parlamento a 13 de Setembro
UCS não disse quando é que o Governo enviou o contrato para a Assembleia Nacional, sendo certo que essa foi, sempre, uma exigência da oposição, além de outros sectores do país que nunca puderam ler, preto no branco, os compromissos assumidos entre o Estado cabo-verdiano e a Loftleidir Icelandic.
O certo é que o contrato, na posse da mesa da AN, foi mandado distribuir aos líderes parlamentares do MpD, PAICV e António Monteiro, da UCID, no dia 13, segunda-feira, o mesmo dia em que a deputada Carla Lima, do PAICV, havia reclamado, uma vez mais, do desconhecimento do controverso negócio.
A reacção do primeiro-ministro surgiu, note-se ainda, um dia depois da publicação do contrato pelo A NAÇÃO, posto a circular na quinta-feira, 16.
E indo contra o conteúdo do próprio contrato, UCS disse que o documento “não é secreto coisa nenhuma” e que estando na posse do Parlamento o mesmo pode “ser consultado por aqueles que o quiserem consultar”.
Até o fecho da edição desta página, os deputados não tinham recebido ainda a respectiva cópia para a devida leitura e apreciação do documento.
Loftleidir Icelandic desmete Ulisses
A desmentir o primeiro-ministro de Cabo Verde, na sua reacção também ao artigo do A NAÇÃO, a Loftleidir Icelandic reitera em comunicado o “secretismo” do contrato assinado com o Estado cabo-verdiano. É esse antigo parceiro islandês que afirma e reitera:
“Gostaríamos de salientar que, quer a Loftleidir, quer o Estado de Cabo Verde, assinaram um acordo de confidencialidade, que não nos permite revelar os contornos do acordo, mas podemos assegurar que, da parte da Loftleidir, toda a negociação e o seu desfecho foram discutidas em boa-fé, numa base de confiança, tendo chegado a um resultado que foi aceite pelas duas partes”.
Portanto, esta simples passagem, a par daquilo que está escrito no contrato, confirma o quanto UCS, enquanto PM de Cabo Verde, é capaz de faltar à verdade, isto é, de mentir, para fugir às suas responsabilidades num caso que diz estar tranquilo. Aliás, qualquer responsável político, diante da gravidade da situação e dos prejuízos já acumulados pelo Estado cabo-verdiano, haveria de estar tudo menos tranquilo.
Olavo Correia foge ao crivo da Imprensa
Quem encontrou outra saída para fugir ao crivo da imprensa e da opinião pública foi o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças. Na quinta-feira, no dia em que o jornal foi posto a circular, Olavo Correia deveria presidir uma cerimónia referente às tecnologias de informação, emprego jovem, etc. Em cima da hora, não compareceu. Por ele deu a cara o secretário de Estado da Economia Digital, Pedro Lopes.
Reacções em cadeia
Uma das primeiras entidades a reagir ao artigo foi a Agência de Aviação Civil (AAC), para dizer que não tinha perdoado nenhuma dívida à TACV/CVA, evocando as suas competências e independência enquanto regulador.
Sucede, como o próprio presidente dessa agência já terá verificado, quem andou a “usurpar” as competências e a autonomia dessa entidade, perdoando dívidas à AAC, é o Governo de Cabo Verde e não este jornal.
Mesmo assim, para efeito de registo, A NAÇÃO publica a reacção da AAC no caderno ETC desta semana.
A par da AAC, o mesmo se pode dizer da ASA e da CV Handling, que se limitaram a engolir em seco a informação, dos milhões perdoados à TACV/CVA, partindo-se por isso do princípio que as “dívidas perdoadas” foram do seu conhecimento prévio.
INPS: a única excepção
Uma única excepção vai para o INPS. Dos documentos na posse do A NAÇÃO foi possível verificar, depois do nosso artigo, que a 26 de Fevereiro deste ano, esse instituto, a TACV e o Estado rubricaram um acordo de pagamento por contribuições em atraso, no montante de 236.293.319$00, mais 12 mil contos referentes a juros legais (ver ETC).
Por seu turno, no seu longo comunicado a reagir aos factos reportados, sem que se saiba muito bem da razão da reacção, já que em nenhum momento o seu nome é directamente mencionado é a Direcção Geral do Turismo e Transportes, que entrou na mesma onda de Ulisses Correia e Silva, através de um comunicado cheio de tergiversações, que o leitor, se quiser, poderá ler também nas páginas do ETC.
Concluindo, em nome da liberdade de imprensa e do interesse público, A NAÇÃO divulgou o que há muito a sociedade cabo-verdiana andava curiosa por saber quanto aos meandros do contrato entre o Estado de Cabo Verde e a Loftleidir Icelandic, companhia islandesa proprietária em 51% da TACV/CVA, cuja entrada no país deveria assegurar mais e melhores transportes aéreos aos cabo-verdianos, bem como também pôr de pé Hub da ilha do Sal. Volvidos estes anos todos Cabo Verde e os cabo-verdianos não têm nem uma coisa nem outra.
Têm, sim, um buraco financeiro de milhões de contos, em avales e outros compromissos, por saldar, sendo certo que a sua passagem por Cabo Verde revelou-se um excelente negócio para a Loftleidir Icelandic, diga esta companhia o que disser.
Num país cuja dívida pública ultrapassa 142 por cento do PIB, obviamente que esta aventura não nos vai ficar nada barato.