Vencedor do primeiro concurso acusa Estado de ilegalidade
O emigrante Romão Barros, vencedor do primeiro concurso de alienação do navio russo ESER, diz que não pode ser considerado uma vez que o Estado de Cabo Verde não entregou o título de propriedade do cargueiro, motivo pelo qual não cumpriu com o pagamento da quantia acordada no prazo estabelecido. A Direção Geral do Património, por seu turno, alega que esta é uma “falsa questão”, e que o emigrante não teria cumprido o acordo, mesmo após várias prorrogações do prazo legal.
Onavio porta-contentores - ESER, de bandeira panamense, foi dado como perdido a favor do Estado de Cabo Verde, após apreensão, em 2019, em águas nacionais, com mais de 9,5 toneladas de cocaína a bordo.
Romão Barros, emigrante nos Estados Unidos da América (EUA), foi o vencedor do primeiro concurso de alienação, realizado a 5 de Janeiro de 2021, com uma proposta de 75,5 milhões de escudos. Na altura, estavam em concurso duas propostas, sendo uma excluída por “identificação incorrecta”.
Após a abertura da proposta, o emigrante tinha 24 horas para fazer a transferência de 25% do valor, sob pena de anulação do concurso, e os restantes 75% deveriam ser pagos no prazo de 10 dias, conforme condições do concurso público.
Entretanto, esse valor não foi pago, tendo em conta que o mesmo não recebeu o título de propriedade do cargueiro e não conseguiu chegar a um entendimento com o Estado.
O primeiro concurso foi então anulado, sob alegação “incumprimento em absoluto das responsabilidades legais” decorrentes da situação de venda por parte do vencedor, que foi considerado desistente. Foi então lançado novo edital, com o valor base de licitação de 70 milhões de escudos.
Navio sem documentação
Entretanto, conforme contou ao A NAÇÃO, o Estado nunca entregou o título de propriedade, documento necessário para a alienação do navio, pelo que não pode ser considerado desistente. O único documento existente na altura, acrescentou, era a sentença que determinava que o navio fosse revertido a favor do Estado de Cabo Verde, mas que carecia ainda de legalização.
“O Estado de Cabo Verde não consegue legalizar o navio porque os documentos estão ainda na posse do Panamá, que precisa cancelar o registo e enviar um certificado a Cabo Verde, para posterior registo no nome do Estado”, alegou Romão Barros, que diz que só poderia entregar o dinheiro após Cabo Verde provar ser dono legal do navio.
O emigrante, que promete levar o caso às barras dos tribunais, acredita, por isso, que o barco foi colocado na praça ilegalmente, já que, sem o título de propriedade, o navio não pode ser registado por Cabo Verde, sob pena de ficar com duas bandeiras.
Património do Estado reforça incumprimento
Em resposta às acusações de Romão Barros, a Direcção Geral do Património e de Contratação Pública (DGPCP) esclarece que, feito o concurso, e apesar de ser notificado sobre a possibilidade da sua anulação caso não cumprisse o prazo, esse emigrante não cumpriu a sua obrigação perante o Estado cabo-verdiano.
Em nota enviada ao A NAÇÃO, o responsável da DGPCP, João Tomar, explica que, no mesmo dia em que se conheceu o vencedor do primeiro concurso, “havia sido informado ao procurador do adjudicatário Romão Barros que, no acto da adjudicação”, devia “proceder ao pagamento de 25% do preço da arrematação bem como a importância correspondente a 10% do mesmo preço para a despesa de publicidade e de venda”, que daria um total de 26.425.000$00 a ser pago no prazo de 24h.
“Acontece que o Sr. Romão da Veiga Barros não cumpriu a sua obrigação com o Estado de Cabo Verde, uma vez que não liquidou o valor dentro do prazo legal, em cumprimento do estipulado(...)”, recordou.
Segundo a mesma fonte, em todos os ofícios, o emigrante foi “constantemente informado e alertado sobre as consequências do seu incumprimento”.
Afirma ainda que foi prorrogado o prazo várias vezes, a pedido do então vencedor – facto comprovado por dois pedidos de prorrogação anexados ao comunicado, sob a justificativa de estar a ultimar os trâmites junto de instituições financeiras.
“Vencidos todos os prazos, a DGPCP e os membros da Comissão de Licitação no âmbito das suas competências legais, ainda concedeu prazos e mais prazos, até que os argumentos do Sr. Romão da Veiga Barros perderam o crédito e foi declarado definitivamente desistente no respectivo concurso”, explica.
Por este motivo, João Tomar diz que o queixoso “não fala a verdade e aquilo que diz é absolutamente falso”, uma vez que “sabe perfeitamente os motivos pelos quais foi considerado desistente”.
Afirma ainda que “a realização do concurso obedeceu todas as regras da Portaria n.º 61/98, de 2 de novembro, que regulamenta o processo de alienação dos bens móveis, semoventes, e imóveis que integram o património do Estado, pelo que bastará confirmar aquilo que se afirma e consultar o edital do concurso, que foram tornadas públicas”.
“O navio porta-contentor (de carga geral) ESER, encontra-se imobilizado desde Janeiro de 2019, no Porto da Praia, e para evitar que o estado do navio entre em processo de degradação, correndo mesmo o risco de um eventual afundamento na época das chuvas ou outras intempéries, no que resultariam em relevantes custos ambientais e económicos para o país, foi lançado um novo concurso obedecendo todos os formalismos legais”, concluiu.
Processo com novo proprietário
Entretanto, o processo de alienação do cargueiro ao vencedor do segundo concurso, diz João Tomar, decorre dentro da normalidade, tendo este já efectuado pagamento da primeira parcela acordada. Falta agora, segundo disse, concluir os processos burocráticos internos, para comunicar ao vencedor a adjudicação e marcar a data de pagamento da segunda parcela.
A questão da propriedade do navio, segundo João Tomar, não se coloca, uma vez que o tribunal já decidiu. “Inclusive já transitou em julgado, a favor do Estado. Há uma sentença e ela é pública”, asservou.
Sobre a mudança de bandeira, Tomar garante que o Ministério dos Negócios Estrangeiros já está em contacto com as autoridades panamenses, através da sua representação no país e que deve agora constituir um advogado para a acompanhar o processo de perto. Garante, no entanto, que é um processo muito simples.
Histórico
A venda do navio pelo Estado cabo-verdiano acontece depois de o Tribunal da Praia ter condenado, em 20 de Fevereiro de 2020, a penas de 12 e 10 anos de prisão os 11 tripulantes russos daquele cargueiro, na sequência da sua apreensão com mais de 9,5 toneladas de cocaína em 260 fardos, navegando com bandeira do Panamá.
Aquando da leitura do acórdão, a juíza presidente do colectivo que julgou este caso, sob fortes medidas de segurança, afirmou, para justificar a decisão, que os 11 arguidos em julgamento agiram em conjunto e de livre vontade, atuando como “correios de droga”, mas as penas foram graduadas face às funções de cada um no navio.
Construído na Alemanha em 1984, o “ESER”, revertido a favor do Estado de Cabo Verde, encontra-se ancorado no Porto da Praia desde 31 de Janeiro de 2019.